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Os desafios do circo e a sinceridade das crianças

A carta. Fotos: Pollyanna Diniz

Já são oito anos de Festival de Circo do Brasil. É uma iniciativa que tem muito a nos ensinar. É lindo ver os teatros lotados, o povo circulando pelo Parque Dona Lindu (e também acompanhando as intervenções em vários lugares da cidade), as pessoas abraçando o festival, tomando parte de uma ideia que democratiza a arte e amplia horizontes.

Mas são também muitos os desafios. Principalmente para continuar conseguindo suprir o desejo pelo novo dos espectadores. E aí concordo com Ivana Moura quando diz no post anterior que sentiu falta de uma grande atração. Eu também. Afinal, o festival de circo já nos trouxe coisas estranhíssimas (e instigantes) como o espetáculo P.P.P, da companhia francesa Non Nova, em 2009. O artista Philippe Ménard misturava performance, dança contemporânea e circo atuando em meio a montes de gelo no palco do Santa Isabel. Lembro que muita gente detestou. Mas era algo que nos tirava da zona de conforto.

E como não lembrar de Aurélia Thierrée? Ano passado, por exemplo, ela trouxe Murmures des murs. Fantástico, surpreendente, com aquele cenário enorme de prédios abandonados; os truques que podem até ser aparentemente simples, mas que tomam uma proporção e simplesmente nos arrebatam.

Este ano parece que faltou algo assim. O destaque foi mesmo Paolo Nani com A carta, que lotou o Santa Isabel nos três dias de apresentação. É uma ideia bastante simples – e como me contaram as meninas da Cia Animé, muito usada em exercícios – a repetição de uma ação de várias maneiras. Primeiro ele entra no palco, bebe algo, cospe, tenta escrever uma carta, a caneta não funciona, ele surta. Só que essas mesmas ações podem ser feitas de várias maneiras – sem as mãos, bang bang, preguiçoso, sonho, bêbado. Há muita cumplicidade entre o performer e a plateia; é pra rir. E rir muito. As expressões faciais, o timing perfeito para a comédia, o inusitado de cada situação preenchem o palco. O espetáculo é da Dinamarca e a direção é de Nullo Facchini. Enquanto via o espetáculo fiquei imaginando como seria se houvesse uma trilha ao vivo.

Na sexta-feira, no Apolo, vi a apresentação do Giullari Del Diavolo, que já participou algumas vezes do festival. A direção do espetáculo é do diretor e palhaço brasileiro Flávio Souza. No palco, a mineira
Rose Zambezzi e o italiano Stefano Catarinelli. Lembro que a companhia italiana tem um belo trabalho humanitário. O Giullari Senza Fronteire que, desde 2006, reuniu circenses para realizar apresentações em lugares carentes ou de risco social. Houve até uma exposição ano passado sobre o projeto na Torre Malakoff.

Tuttotorna

Agora o Giullari apresentou Tuttotorna. Os dois artistas brincam com bolas e esferas. Fazem malabarismo, manipulações, cantam, se divertem. Dizem, acho que é assim, que a felicidade é uma esfera. É um espetáculo bastante plástico, bonito. Mas não vai muito além. Até se torna cansativo.

Assim como um espetáculo que vi no Dona Lindu no domingo. Que descobri agora que é o grupo Morosof, da Espanha. E que se chama 2 & 1/2 Street Vue. Bom, são dois “palhaços-acrobatas” que fazem caras e bocas e acrobacias – meio óbvio, né? Bonitinho, engraçadinho. O garoto que estava ao meu lado…lá pelas tantas: “vamos embora, pai? Isso tá muito chato!!!”. A gente caiu na risada. Sinceridade de criança é fogo.

2 & 1/2 Street Vue

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Truques irresistíveis de Aurélia Thierrée

É difícil enquadrar a arte de Aurélia Clementine Oona Moorine Hannah Madeleine Thiérrée, nascida em Paris em 24 de setembro de 1971. Dança, circo, mímica, performance, contorcionismo, acrobacia, ilusionismo. Tem de tudo um pouco e muito encantamento em Murmures des murs. É melhor embarcar nessa viagem da artista que nasceu com pedigree (neta de Charles Chaplin e bisneta do dramaturgo Eugene O’Neill), ela honra o nome da família. Aurélia veio pela primeira vez ao Brasil em 2007, e ao Recife, com L’Oratorio d’Aurélia, uma investida de Danielle Hoover, do Festival Circo do Brasil, que traz a artista novamente, agora como principal atração da edição 2011.

A temporada de Murmures des murs no Recife começou ontem, no Teatro de Santa Isabel e segue até domingo, com sessões hoje e amanhã, às 21h e domingo, às 18h.

Murmures des murs, com Aurélia Thierrée. Fotos: Ivana Moura

Como em L’Oratorio d’Aurélia, a artista volta a contracenar com seres humanos e outros nem tanto, mas às vezes mais comoventes. Como o saco bolha que é transformado em monstro extraordinário e outros objetos que ganham vida.

Neste segundo espetáculo da artista francesa, sua personagem escuta sopros de paredes, porque as paredes têm histórias para contar, guardam segredos nas sucessivas camadas de papel, que arrancadas remetem a outro tempo de outra memória habitada.

Ela também escala fachadas de edifícios abandonados, entra em apartamentos vazios, invade vidas alheias. Como uma Alice que escapou do País das Maravilhas ela foge do prosaico e esbarra em situações inusitadas, transformando objetos em cúmplices, em sequências inesperadas de acontecimentos, que cria belas imagens de ilusão.

Aurélia Thiérrée em apresentação no Teatro de Santa Isabel

A protagonista encontra passagens secretas, cria ar de mistério, dança, e de tão leve, levita. Parece que encara um romance, dois, três, foge de todos. Nesse jogo, transforma objetos, deforma-os, faz com que desapareçam. Sente a cidade enigmática se fechar sobre si, tem encontros submarinos.

Sua vida foi embalada em caixas de papelão, no começo da peça, em que tudo leva a crer que ela arruma a mudança (transferência para outra residência). Há algo de tristeza no ar, de melancólico. Mas as coisas ganham outro ritmo quando a protagonista projeta sua imaginação e circula por um mundo maluco e imprevisível, acompanhada por outros artistas, ora cúmplices ora rivais. Quem assina essa montagem poética, onírica, é a mãe de Aurélia, Victoria Thiérrée-Chaplin.

Um dos momentos mais sublimes da peça

Parece real

A arte de Aurélia ganha força no que poderia chamar originalidade, poesia para revelar um mundo interior estranho, com frescor, criatividade e humor. A vida é um sonho, onde tudo é possível. Com técnicas precisas de ilusionismo e manipulação de objetos, a movimentação cênica abre as portas da imaginação. Aurélia Thiérrée dá vida a qualquer objeto.

Cenário impressionante e sucessivas mutações pra criar espaços, como as estruturas de prédios. A paisagem emocional muda também com a aparição de uma cama que sugere um hospital psiquiátrico ou da indicação da liberdade com um navio que passa, ou da dança entre os telhados que lembra os quadrinhos. Não existe uma narrativa linear. As imagens se sucedem como num sonho. E em Murmures des murs, a fantasia e a imaginação não têm limites.

Muitas leituras para a sanidade do ser humano

REfletir sobre a liberdade humana

Para quebrar limites

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