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Nanini leva tombo em estreia e mesmo assim retoma peça

Marco Nanini estreia Traidor, texto e direção de Gerald Thomas. Foto: Matheus José Maria

Grande Nanini. Na estreia do espetáculo Traidor, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, na noite deste sábado, 18/11, o ator de 75 anos levou uma queda no percurso de saída do palco.

Era uma transição de cena, estava escuro, e o ator tropeçou em duas pedras cenográficas que estavam no meio do caminho, do lado direito do palco, o que o fez bater com o rosto no chão. A peça foi interrompida.

Alguns minutos depois, o próprio Nanini retornou para avisar que estava com o nariz sangrando e seria atendido no camarim.

Um susto e minutos de muita apreensão. O diretor e dramaturgo da montagem, Gerald Thomas, entrou no palco para pedir que o público aguardasse, pois Nanini fazia questão de terminar a peça.

Disse que todo mundo ficou muito nervoso com a estreia e que a queda não fazia parte do espetáculo – o que pareceu óbvio, mas também tinha tudo a ver com as explorações dramatúrgicas da teatralidade em Nietzsche, citada em fluxos de pensamento, do questionamento da falta de sentido da vida à mira dos procedimentos cênicos. 

Thomas voltou ainda outra vez, para situar o estado do ator e confirmar que Nanini terminaria a peça.

No cenário de Traidor, entre outras coisas, tem um boneco gigante de Nanini amarrado, deitado no palco, e pedras. Essas pedras, que já haviam sido citadas na fala desconexa da personagem, de Drummond e seus versos, foram retiradas na segunda parte da apresentação, após a queda. 

Traidor  “é um abundante e divertido delírio psicológico de um ator acreditando e vivendo a soma de todos os personagens da história do teatro”, diz o material de divulgação. Nesse estado de desvario, a figura mistura diversos assuntos aleatórios: guerra Israel-Hamas-Palestina, publicidade, salsicha no bumbum, colapso climático, Kafka, William Shakespeare, Beckett.

Marco Nanini em cena no início de Traidor. Matheus José Maria

Outros atores também participam da peça, mas sem falas, numa movimentação que cria imagens sugestivas de sonhos ou pesadelos: Apollo Faria, Eder dos Anjos, Hugo Lobo e Wallace Lau e, pela voz em off, a atriz Fabiana Gugli, a sua diretora imaginária.

Nanini repete algumas vezes, em diferentes momentos, a frase “a gente se emociona, sim”, que remete à montagem Um Circo de Rins e Fígados, encenada em 2005, também com direção de Gerald Thomas.

Na segunda parte da peça, depois da queda, o ator veterano, que utiliza ponto há 10 anos (no teatro, cinema e TV), improvisou e brincou com o tombo e já emendou no texto que coincidentemente falava de médico e arte.

Foi muito aplaudido pela bravura, pelo amor ao seu ofício e pela garra renovada.

A peça segue em cartaz no Teatro Antunes Filho, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, até 17 de dezembro.

Boneco gigante do ator, amarrado, deitado no palco, compõe cenografia. Foto: Matheus José Maria

Traidor
Quando: 18 de novembro a 17 de dezembro. Quintas, sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 18h
Onde: Teatro Antunes Filho, Sesc Vila Mariana, São Paulo
Quanto: R$ 60, R$ 30 (meia-entrada) e R$ 18 (credencial plena)
Ingressos: https://www.sescsp.org.br/programacao/traidor/

Ficha técnica:
Texto, direção e concepção visual: Gerald Thomas
Iluminação: Wagner Pinto
Cenografia: Fernando Passetti
Figurinos: Antonio Guedes
Direção musical e trilha sonora: Alê Martins
Direção de movimento: Dani Lima
Assistente de direção: Samuel Kavalerski
Direção de produção: Fernando Libonati
Coordenação de produção: Carolina Tavares

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Um beijo para Wilde

Marco Nanini encabeça elenco de peça de Jô Bilac. Foto: Cabéra

Marco Nanini encabeça elenco de peça de Jô Bilac. Foto: Cabéra

Estava na estreia de Beije Minha Lápide, com Marco Nanini e elenco, no Teatro Ducina, no Rio de Janeiro, no ano passado. Foi lá que avistei pela última vez a crítica teatral Barbara Heliodora. Altiva, como sempre. Um ano depois o espetáculo circula pelo Nordeste com apoio do Programa Petrobras Distribuidora de Cultura, o que possibilita ingressos a preços populares [R$ 25 (inteira) e R$ 12,50 (meia)]. Beije Minha Lápide faz duas sessões no Recife, hoje e amanhã, às 20h30, no Teatro RioMar. Os ingressos estão esgotados.

A peça mostra a história de um fã de Oscar Wilde (1854-1900), que quebra a barreira de vidro que isola o túmulo do escritor no cemitério Père Lachaise, em Paris. E é preso por isso. O admirador exaltado (Bala) é interpretado por Nanini. O protagonista está encarcerado em uma cela de vidro. Foi numa prisão que Wilde escreveu De Profundis, que traduz a conturbada relação de amor e ódio que manteve com Lord Alfred Douglas.

Beije Minha Lápide tem texto de Jô Bilac (autor de Cachorro!, Rebu e Cucaracha), que se inspirou nas mudanças de sentimentos e temperatura da criação wildeana, no fato de existir uma proteção real da sepultura do escritor irlandês para controlar os fãs ardorosos, e nos desvaneios do autor quando estava confinado.

A direção é de Bel Garcia e a produção é assinada por Fernando Libonati (Pequena Central). Além de Nanini, estão no elenco Julia Lund (advogada de Bala), Júlia Marini (filha do prisioneiro) e Paulo Verlings (carcereiro).

Serviço

Beije Minha Lápide
Quando: Dia 30 de setembro (quarta) e 1º de outubro (quinta), às 20h30
Onde: Teatro RioMar: 4º piso do RioMar Shopping – Av. República do Líbano, 251, Pina, Recife
Informações: (81) 4003.1212
Ingressos: R$ 25 (inteira) e R$ 12,50 (meia)
À venda na bilheteria do teatro, lojas Reserva dos shoppings Recife e Plaza, Livraria Jaqueira e site Ingresso Rápido.
* Meia-entrada válida para maiores de 60 anos, professores, estudantes e assinantes do Jornal do Commercio. Sócios do Náutico têm 20% de desconto sobre o valor da inteira na bilheteria do teatro.
Classificação: 16 anos
Duração: 80 minutos

FICHA TÉCNICA

Texto: Jô Bilac
Direção: Bel Garcia
Com: Marco Nanini, Julia Lund, Julia Marini, Paulo Verlings
Produzido por Fernando Libonati
Idealização: Marco Nanini e Felipe Hirsch
Figurino: Antônio Guedes
Iluminação: Beto Bruel
Cenografia: Daniela Thomas
Concepção e Direção de Vídeo: Julio Parente e Raquel André
Videografismo: Júlio Parente
Trilha Sonora: Rafael Rocha
Design Gráfico: Felipe Braga
Fotografia: Cabéra
Visagismo: Ricardo Moreno
Visagismo Marco Nanini: Graça Torres
Assistente de Direção: Raquel André
Equipe de Produção:
Coordenação e Gestão de Projetos: Carolina Tavares
Direção de Produção: Leila Maria Moreno
Produção: Pequena Central
Produção Local: Art Rec Produções

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“Um homem em cima do palco pensando”

Uma noite na lua, com o ator Gregório Duvivier, substituiu o belga Kiss & Cry. Fotos: Daniel Isolani

Uma noite na lua, com o ator Gregório Duvivier, substituiu o belga Kiss & Cry. Fotos: Daniel Isolani

Uma noite na lua é um espetáculo que fez muito sucesso com Marco Nanini no final dos anos 1990. A montagem com texto e direção de João Falcão utilizava recursos tecnológicos, como projeções, para contar a história de um lunático que persegue a peça perfeita, ou pelo menos sua primeira obra escrita. Mas na verdade tudo o que ele faz é para chamar a atenção de Berenice, sua ex- mulher. Seja no plano “real” ou dentro de sua cabeça, a figura busca uma explicação por ter sido largado.

Em 2012, depois de mais de um ano batalhando por patrocínio, Gregório Duvivier montou o mesmo texto de João Falcão, que também assina a direção, a movimentação de luz e as músicas. Desta vez o palco está nu e o intérprete está sozinho.

O monólogo entrou na programação do Festival de Teatro de Curitiba para substituir a montagem belga Kiss & Cry, espetáculo este que parte da pergunta “Para onde as pessoas vão quando desaparecem de nossas vidas?”. As mãos são os personagens principais dessa jornada de lembranças para reviver o primeiro amor de uma mulher. Intrigante.

Um rapaz ao meu lado falava ao telefone e comentava com sua interlocutora que havia comprado ingresso para a encenação belga. Como ela foi cancelada e ele não trocou o ingresso, foi conferir Uma noite na lua, que não sabia nem do que se tratava. Mas a meia casa do enorme Teatro Guaíra não era só de desavisados. Havia fãs de Duvivier e do trabalho que o ator desenvolve, inclusive na internet. Os admiradores foram parabenizar o intérprete depois da apresentação.

Luz do espetáculo funciona quase como personagem

Luz do espetáculo funciona quase como personagem

Bem, de qualquer forma, foi um desafio e tanto. O protagonista parte de uma frase “Um homem em cima do palco pensando” para criar diálogos com ele mesmo, que em sua cabeça se transformam em vários seres, todos eles no fundo lutando pelo amor de Berenice. São os fluxos de pensamento do personagem. E ele vive diversas emoções, desde a sensação de fracasso por ainda não ter concluído um único texto ou peça até culpar os grandes escritores que nasceram antes. Porque o nosso herói teria aquela ideia brilhante de Shakespeare ou de Garcia Lorca.

Nesse costurado de João Falcão, o ator percorre um caminho que parece um jogo em que ele pode avançar ou retroceder. No fundo é uma peça contemporânea sobre o amor, com doses generosas de humor e poesia. E que ganha o espectador ao mostrar as fragilidades do homem que precisa de sua Berenice para viver melhor.

Duvivier se entrega totalmente ao personagem e à cena. E elogia seu encenador (quando vou conversar com ele nos camarins) dizendo que João Falcão é o melhor diretor de ator do Brasil, que nada fica fora do lugar, que o Falcão amarra bem as cenas, com palavras, entonações e gestos.

Duvivier conquistou o troféu de “ator em papel protagonista” do 7º Prêmio APTR de Teatro, promovido pela Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro

Duvivier conquistou o troféu de melhor ator do 7º Prêmio APTR de Teatro

O miolo da peça é simples. O protagonista vai a uma festa (na esperança de encontrar Berenice) e num determinado momento oferece um texto a um jovem ator em ascensão. O ator topa a parada e diz que vai pegar a obra no dia seguinte. O problema é que não existe obra nenhuma. Ele não escreveu nada ainda.

O personagem enfrenta seus fantasmas, articula histórias sem lógica, que entram pela madrugada. É o show de Gregório Duvivier. Seus deslocamentos físicos traçam desenhos coreográficos no palco. Seu gestual tanto segue por momentos grandiosos quanto investe em mínimos detalhes, sempre com muita propriedade. A voz do ator é boa e ele traça modulações enquanto o tempo passa e o seu estado de espírito vai ganhando novas camadas. É uma interpretação potente, de um jovem de 26, que mereceu o troféu de “ator em papel protagonista” do 7º Prêmio APTR de Teatro, promovido pela Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro, que foi entregue na segunda-feira.

O rapaz do lado riu em alguns momentos, praticamente não se mexeu na cadeira e aplaudiu com entusiasmo ao final.

* A jornalista viajou a convite do Festival de Teatro de Curitiba

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Pterodátilos – A extinção do humano

Mariana Lima, Felipe Abib e Marco Nanini. Fotos: Ivana Moura

Uma “semana do trabalho de Deus”, como canta Gilberto Gil, está ameaçada de extinção. Sem mais nem menos, como ocorreu com os pterodátilos. Tome a humanidade como a família de Arthur – um retrato da sociedade de consumo em plena desintegração, no espetáculo Pterodátilos. O texto do norte-americano Nicky Silver com seus diálogos cruéis, suas frases de efeito cortante e humor ácido é material mais que perfeito para a experimentação cênica de Felipe Hirsch. Marco Nanini comanda o elenco e se desdobra em duas personagens: Ema, uma adolescente gorda, carente, comedora compulsiva que sofre com provável incesto de seu pai e a rejeição da mãe. E o apático Arthur, presidente de um banco, que é demitido no decorrer da peça.

Além do desinteressante pai, e a infantil filha, Pterodátilos reúne nessa família a mãe ensandecida e alcóolatra, personagem de Mariana Lima. Além de estar ao lado de Nanini, a atriz (a doce rainha da novela Cordel encantado) explora uma interpretação extremamente exteriorizada, que se não fosse uma grande atriz iria desafinar. Mas ela apresenta um estado levemente ébrio e o tom histérico e às vezes gritado com propriedade.

Completam o elenco Álamo Facó, como o filho pródigo Toddy, que volta para casa dos pais depois que descobre que está com aids e Felipe Abib, que faz Tom, o namorado de Ema transformado em empregada.

Nanini como o pai e Álamo Facó, como o filho pródigo Toddy

A casa em que essa família vive fica sobre um cemitério de fósseis da ave pré-histórica. Esse cenário de Daniela Thomas traduz o espírito da peça: o desequilíbrio, os buracos como falta, o interior formado de lixo, ruínas e fósseis. O palco tem um mecanismo hidráulico que proporciona movimento, inclinações. As tábuas também estão soltas e o personagem Toddy vai escavando e tirando esses pedaços, criando dificuldades de locomoção para as personagens. O palco vai desmontando como a família. Que chega com a ruína financeira do pai, a paixão incestuosa da mãe pelo filho, o apaixonamento do namorado de Ema pelo irmão dela. Até mesmo a catarse de Ema como saída.

As misérias de cada um são expostas em diálogos, monólogos, discussões e conversas. No começo do espetáculo Tom diz para Ema: “Seu cabelo cheira Hershey’ Kisses..”. Em outro momento Ema diz para Tom “Se ao menos você ficasse doente pra eu poder te doar um rim”. Ou se autoflagela: “Eu era tão gorda que em Tóquio morariam 2 famílias dentro de mim”. E quando não quer mais encarar a realidade informa: “Eu agora sou surda”.

Texto ácido do norte-americano Nicky Silver

Frases de outros personagens também são reveladoras. “Deus, eu estou exausta. Eu comprei um tubinho nude do Valentino e um tailleur off white da Miu Miu. Eu adoro fazer compras. Nós devemos sempre manter a melhor aparência. Nós somos o que vestimos””, comenta Grace, antes de transformar Tom em empregadinha da casa.

Mas o grande deleite é ver Nanini. O seu domínio cênico. O seu talento depurado pelos anos. Mesmo que em algum momento Ema lembre Irma Vap, o megassucesso de Nanini e Ney Latorraca. Mas Nanini sempre se recria e pode fazer rir e pensar.

* Esse material foi escrito durante o Festival Porto Alegre em Cena e publicado no Diario de Pernambuco no dia 19 de setembro de 2011

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