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Zambo harmoniza quatro gerações

Remontagem de Zambo integra programação da 13ª Mostra Brasileira de Dança. Foto: Dudu Contreras

“Modernizar o passado é uma evolução musical…”, anunciava o líder do movimento Manguebeat Chico Science, nos anos 1990. Cultura de Pernambuco em estado de ebulição, contaminando outras artes. O Grupo Experimental de Dança também fincou sua antena na lama e captou ondas contemporâneas para levar ao palco. A leitura coreográfica do Manguebeat rendeu o espetáculo Zambo. Com o movimento do corpo em sincronia com a sonoridade percussiva da época. Fase de redescobertas de um Recife afetivo carregado de contradições. Dos choques de uma herança colonial, oligárquica e conservadora ao empoderamento da arte das periferias de várias magnitudes.

A encenação é uma baliza na história do Experimental. O registro acústico da percussão dos maracatus e outras manifestações da cultura popular pernambucana sintonizou aos elementos eletrônicos do rock e a outros ritmos. O caranguejo mostrava suas patas para o mundo.

Zambo faz referência ao personagem Charles Zambohead, inventado por Chico Science. Charles era, como entendia seu criador, “um cientista do groove”, que embaralhava danças negras à afrociberdelia, concepção da estética-mangue.  Inspirado no perfil de Zamboheade e na performance cênica de Chico, Zambo desliza nesse trânsito da tradição, mas impregnado por pulsação contemporânea.

Turnê internacional em 2009. Foto: Vincenzo Fratta

Turnê internacional em 2009. Foto: Vincenzo Fratta

A montagem original de Zambo ocorreu ainda sob o impacto da morte precoce de Chico Science, mas amparada pelo guarda-chuva de uma estética político-artística em construção. Para tratar desse Recife, das conexões com o mundo, desses corpos em transformação, as coreógrafas Sonaly Macedo e Mônica Lira ergueram o espetáculo. Jorge Du Peixe, que assumiu a liderança da Nação Zumbi após a morte de Chico, participou da montagem, criando e executando a música de abertura do projeto, ao vivo.

A quarta versão do espetáculo Zambo, de 1997 foi articulada para a 13ª Mostra Brasileira de Dança, que homenageia nesta edição, a bailarina, coreógrafa e diretora do grupo Mônica Lira. A peça reúne quatro gerações de intérpretes – que fizeram parte da trajetória da equipe – , neste sábado (06/08), no Teatro Luiz Mendonça, às 20h.

Além de saudar o nascedouro do Grupo Experimental, a remontagem é um ato que reflete sobre a cultura de resistência e do respeito à arte no cotidiano de uma cidade e de um estado com poucas ações de política pública para o setor.

Serviço

Zambo
Onde: Teatro Luiz Mendonça, (Parque Dona Lindu – Av. Boa Viagem, s/n, Boa Viagem)
Ingresso: R$30,15, 10 e R$5
Informações: (81) 3355-9821 / 3355-9823 / 9822
www.mostrabrasileiradedanca.com.br
Duração: 45 minutos
Indicação: Livre

Ficha Técnica  Zambo (por gerações)
Concepção/Coreografia: Mônica Lira e Sonaly Macedo
Figurino: Período Fértil
Iluminação: Beto Trindade
Concepção, Maquiagem e Penteados: Ivan Dantas
Cenário: Evêncio Vasconcelos
Músicas: Nusrat Fateh Ali Khan; Dj Spooky; Geoffrey Oryema; Antúlio Madureira; Jorge Du Peixe; Gilson Santana; Gustavo Oliveira.
Texto: Gardênia Coleto
Assessoria De Comuicação: Paula Caal
Design Gráfico: Carlos Moura
Produção: Emeline Soledade
Consultoria Técnica: Danilo Carias
Iluminação: Beto Trindade
Fotos: Ivan Dantas

Elenco 1ª Montagem (1997): Ana Emília Freire, Eduardo Góes, Ivan Dantas, Fernanda Lisboa, Gilson Santana (Mestre Meia-Noite), Gustavo Oliveira, Mônica Lira, Renata Lisboa, Sonaly Macedo, Jorge Du Peixe (músico convidado)

Elenco 2ª Montagem (2007): Anne Costa, Calixto Neto, Lilli Rocha, Kleber Candido, Gilson Santana (Mestre Meia Noite), Maria Agrelli, Renata Muniz, Silvio Barreto, Valéria Vicente, Tarcísio Resende (músico convidado)

Elenco 3ª Montagem (2012): Daniel Silva, Everton Gomes, Januária Finizola, Jennyfer Caldas, Lilli Rocha, Patrícia Pina, Rafaella Trindade, Ramon Milanez

Elenco 4ª Montagem (2016 – 13ª Mostra Brasileira de Dança): Gardênia Coleto, Jorge Kildery, Lilli Rocha, Márcio Filho, Rafaella Trindade, Rebeca Gondim

Artistas convidados: Ana Emília Freire, Eduardo Góes, Fernanda Lisboa, Mônica Lira, Renata Lisboa, Anne Costa, Maria Agrelli, Renata Muniz, Silvio Barreto, Everton Gomes, Januária Finizola, Jennyfer Caldas, Ramon Milanez

Músicos convidados: Tarcísio Resende, Paula Caal, Adriana Milet

Participação especial: Gilson Santana (Mestre Meia Noite), Orun Santana

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Zambo para vestir

Zambo vai reunir quatro geraçoes do Grupo Experimental. Foto: Ivan Dantas

Zambo vai reunir quatro gerações do Grupo Experimental. Foto: Ivan Dantas

A diretora, bailarina e coreógrafa Mônica Lira é uma guerreira que lidera o Grupo Experimental de dança contemporânea desde 1993, sem um financiamento ou patrocínio regular durante esse tempo. Além de militante cultural, ela é uma crítica da cultura sucateada pelas políticas públicas e privadas. Mônica é a homenageada da Mostra Brasileira de Dança. O grupo realiza neste sábado, (9), às 19h, no Espaço Experimental, bairro do Recife Antigo, um evento com quatro performances, junto à exposição fotográfica e uma festa na sequência.

A exibição artística consta de Trecho de Zambo, com Lilli Rocha e Jennyfer Caldas; Dor de Pierrot: 80 aos pedaços, com Gardênia Coleto; Rito, com Januária Finizola; Zigoto, com Patrícia Pina Cruz, além da exposição Fotográfica Zambo.

Com a apresentação a trupe busca arrecadar verba para vestir cerca de 20 bailarinos, de quatro gerações do Experimental, para apresentar a obra Zambo (1997), que completa vinte anos em 2017, no dia 6 de agosto dentro da programação da MBD.

O Grupo Experimental investe em espetáculos com temas que dão visibilidade as contradições da rica cultura pernambucana. Zambo, estreado em 1997 e remontado em 2003, foi inspirado pela perda precoce do líder do Movimento Mangue, Chico Science. A coreografia reflete e questiona a projeção cultural promovida pelo manguebeat e as manifestações da arte em Pernambuco.

As contribuições para o evento são nos valores de R$ 10, R$ 20 ou R$ 30 – cada um contribui com o que puder dentro destes valores, ou mais.

Serviço

Zambo – Movimentos para vestir um corpo
Quando: Neste sábado, (9), às 19h,
Onde: Espaço Experimental (Rua Tomazina, 199, Recife Antigo)
Quanto: R$10, R$20 ou R$30 – cada um contribui com o que puder dentro destes valores, ou mais.

Programação

– Trecho de Zambo, com Lilli Rocha e Jennyfer Caldas
– Dor de Pierrot: 80 aos pedaços, com Gardênia Coleto
– Rito, com Januária Finizola
– Zigoto, com Patrícia Pina Cruz
– Mostra Fotográfica Zambo

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Despedida do espetáculo Ossos

Marcondes Lima e André Brasileiro na montagem Ossos. Foto: Ivana Moura

Marcondes Lima e André Brasileiro na montagem Ossos. Foto: Ivana Moura

Últimas sessões do espetáculo Ossos, do Coletivo Angu de Teatro. Hoje às 18h e 21h e amanhã (domingo), às 19h. A peça tem texto de Marcelino Freire e direção de Marcondes Lima, que também está no elenco. Ainda estão no palco os atores André Brasileiro, Arilson Lopes, Ivo Barreto, Daniel Barros e Roberio Lucado. A trilha sonora original é do talentoso Juliano Holanda.

A montagem eletriza os nervos em algumas questões, como o abandono amoroso que pode atingir qualquer um; a vida de zumbi depois do cadafalso afetivo; o envolvimento carnal com o comércio de sexo, o destino inexorável e o orgulho besta de alguns, que terminam em ossos e pó sem escapatória. As vaidades expostas em lente de aumento soam ridículas, mas profundamente humanas. Todos estão mortos, aponta um urubu para a plateia.

A encenação percorre a trilha do dramaturgo Heleno de Gusmão, que saiu de Sertânia rumo ao Recife, onde começou a fazer teatro e se mudou para São Paulo nas pisadas do namorado e na busca de êxito. A montagem de Marcondes Lima trabalha com o texto já fragmentado de Marcelino Freire. As cenas tecem um ziguezague da trajetória desse artista desiludido com a vida e o sucesso.

ossos. Coro de urubus. Foto Ivana Moura

Coro de urubus. Foto Ivana Moura

O amor fede e não tem bons sentimentos grita o coro de urubus no bailado insano e às vezes desconjuntado, exercendo a função de lembrar que essas existências tão orgulhosas de si mesmas valem muito pouco. Alimento deles. A morte está sempre à espreita.

Um homossexual de meia idade é o protagonista dessa peça triste com rasgos de irônicas gargalhadas. O intelectual nordestino que venceu na cidade grande, mas que busca nos becos sujos e nos garotos de programa a razão para continuar vivo.

Ossos disseca os traumas do desejo. Uma libido que foge ao controle do letrado. Muitas histórias parecidas nesse sentido. De muitos outros intelectuais.

A cena planejada pelo iluminador Jathyles Miranda é escura. São recônditos psíquicos, becos da paixão que não aceitam a plena luz. Os holofotes jogados do palco para a plateia é um traço propositalmente incômodo. Os sujeitos da peça se movimentam em suas ilusões de grandeza desfocados. Ambientes distorcidos vão se transformando em sala de ensaio, casa de Estrela, carro funerário, quarto, ruelas.

Ouvi gente reclamar da mimetização do coito dos dois amantes no palco. Algumas cenas exercem marco político. Além de muito interessante, traça um posicionamento. Numa época em que os direitos das chamadas minorias correm riscos, em que a intolerância recrudesce, a cena é defesa do gozo para todos, do jeito que se queira.

O espetáculo esbanja testosterona. Nos corpos dos personagens michês principalmente. E celebra o teatro poeticamente, mas lembrando que é duro chegar ao tutano.

ossos. Daniel Barros e Robério Lucado interpretam garotos de programa. Foto: Ivana Moura

Daniel Barros e Robério Lucado interpretam garotos de programa. Foto: Ivana Moura

SERVIÇO
Ossos, do Coletivo Angu de Teatro
Quando: Sextas, às 20h, sábados, às 18h e às 21h e aos domingos, às 19h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos
Informações: 3355-3321

FICHA TÉCNICA
Texto: Marcelino Freire
Direção: Marcondes Lima
Direção de arte, cenários e figurinos: Marcondes Lima
Assistência de direção: Ceronha Pontes
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Daniel Barros, Ivo Barreto, Marcondes Lima, Robério Lucado
Trilha sonora original – composição, arranjos e produção: Juliano Holanda
Criação de plano de luz: Jathyles Miranda
Preparação corporal: Arilson Lopes
Preparação de elenco: Ceronha Pontes, Arilson Lopes
Coreografia: Lilli Rocha e Paulo Henrique Ferreira
Coordenação de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: André Brasileiro, Fausto Paiva, Arquimedes Amaro, Gheuza Sena e Nínive Caldas
Designer gráfico: Dani Borel
Fotos divulgação: Joanna Sultanum
Visagismo: Jades Sales
Assessoria de imprensa: Rabixco Assessoria
Técnico de som Muzak – André Oliveira
Confecção de figurinos: Maria Lima
Confecção de cenário e elementos de cena: Flávio Santos, Jorge Batista de Oliveira.
Operador de som e luz: Fausto Paiva / Tadeu Gondim
Camareira: Irani Galdino

 

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Palco é solo sagrado

Trilha sonora do espetáculo Ossos é assinada por Juliano Holanda. Foto: Ivana Moura

Trilha sonora do espetáculo Ossos é assinada por Juliano Holanda. Foto: Ivana Moura

Antígona desafia o decreto do rei Creonte, que proibia que fossem prestadas honras fúnebres a seu irmão Polinices. Para a jovem filha de Édipo e Jocasta esse era um dever sagrado. Por esse ato, ela foi condenada a ser encerrada viva no túmulo da família. A peça Antígona é uma das mais belas tragédias do dramaturgo grego Sófocles, que completa a Trilogia Tebana, com Édipo Rei e Édipo em Colono.

O dramaturgo e ator francês Jean-Baptiste Poquelin, o nosso Molière se sentiu mal no palco, quando encenava o Doente Imaginário. Seu texto atacava com sarcasmo os doutores da medicina.  Nenhum médico quis cuidar dele. Molière despertou a ira de outros: padres e devotos.

E negaram sepultura em cemitério ao autor de O Tartufo. O dramaturgo mais célebre da sua época, foi plantado em solo não-consagrado, como um proscrito.

O poeta Federico García Lorca foi fuzilado em 1936 na Guerra Civil Espanhola. Seu corpo permanece desaparecido. Seus restos mortais não tem endereço certo.  Crueldade e injustiça aos artistas que “não tiveram sequer o direito de ser enterrados” ou a uma sepultura digna.

Na última música da trilha sonora de Ossos, assinada por Juliano Holanda, o espetáculo do Coletivo Angu de Teatro homenageia seus artistas. Até porque “o palco é nosso solo sagrado”. E clamam pelos ossos de Luiz Mendonça, Pernalonga, Dona Dinah (de Oliveira), Hermilo Borba Filho.

Segue o vídeo.

 

SERVIÇO
Ossos, do Coletivo Angu de Teatro
Quando: Sextas, às 20h, sábados, às 18h e às 21h e aos domingos, às 19h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos
Informações: 3355-3321

FICHA TÉCNICA
Texto: Marcelino Freire
Direção: Marcondes Lima
Direção de arte, cenários e figurinos: Marcondes Lima
Assistência de direção: Ceronha Pontes
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Daniel Barros, Ivo Barreto, Marcondes Lima, Robério Lucado
Trilha sonora original – composição, arranjos e produção: Juliano Holanda
Criação de plano de luz: Jathyles Miranda
Preparação corporal: Arilson Lopes
Preparação de elenco: Ceronha Pontes, Arilson Lopes
Coreografia: Lilli Rocha e Paulo Henrique Ferreira
Coordenação de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: André Brasileiro, Fausto Paiva, Arquimedes Amaro, Gheuza Sena e Nínive Caldas
Designer gráfico: Dani Borel
Fotos divulgação: Joanna Sultanum
Visagismo: Jades Sales
Assessoria de imprensa: Rabixco Assessoria
Técnico de som Muzak – André Oliveira
Confecção de figurinos: Maria Lima
Confecção de cenário e elementos de cena: Flávio Santos, Jorge Batista de Oliveira.
Operador de som e luz: Fausto Paiva / Tadeu Gondim
Camareira: Irani Galdino

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Fósseis do amor e da luxúria

Ossos, com o Coletivo Angu de Teatro, está em cartaz no Teatro Apolo

Ossos, com o Coletivo Angu de Teatro, está em cartaz no Teatro Apolo

Ossos, o espetáculo do Coletivo Angu de Teatro, já nasceu grande. É corajoso. E não vai gerar consenso. A prosa vigorosa do escritor Marcelino Freire chega ao palco potente, com as sujeiras do escândalo. A montagem está impregnada pelas marcas de trepadas pagas, cinismo como moeda de sobrevivência, pequenas ações traiçoeiras para se dar bem. Estão expostas alma, coração, pele, carne até o osso. Heleno de Gusmão é o protagonista que precisa resgatar e devolver o corpo morto de um michê aos pais do garoto, que moram no interior de Pernambuco. Heleno se mudou na juventude do Recife para São Paulo por causa de Carlos, seu primeiro amor, e para escrever peças. Alcançou notoriedade. E perdeu muitas coisas pelo caminho, da ingenuidade à fé na vida.

Enquanto encara a missão “o meu boy morreu” navega por sua própria história, do teatro feito no Recife à conturbada peregrinação de imigrante nordestino que vence em São Paulo.

A tensa, densa e intensa trajetória dramática de Heleno se manifesta enredada entre aventuras intelectual e sexual, com simpatizantes e michês. Ao expor sucessos e fracassos do protagonista como faces da mesma moeda da ilusão, Ossos faz uma ode ao teatro, um metateatro indireto celebrando suas funções.

Um desafio e tanto para o grupo. Materializar na cena os fósseis com a melancolia da infância, a paixão pelo boy, as figuras da noite, os nove irmãos, os outros michês, o IML, o carro fúnebre de Lourenço, os seios de Estrela, o assassinato no ir-e-vir de uma narrativa transbordando de malandragem paulistana.

O espetáculo flui. Os elementos bolem de forma verossímil. O ritmo da prosa de Marcelino – direta, seca, afiada – é amplificado. E ganha reforço na música de Juliano Holanda, que às vezes amacia as situações para provocar um corte ainda mais profundo. O elenco canta bonito. É uma comunhão. Juliano Holanda é aquele artista pernambucano que o Brasil inteiro precisa conhecer. Show de talento.

O discurso indireto livre – técnica que aproxima a voz do narrador com a voz dos personagens – do romance original assume alternadamente planos da memória, alucinação e do desencanto real, que se embaralham em ordem não cronológica. A linguagem do cinema é harmonizada nessa convivência de planos. O teor noir na cartela de cores escolhida para o protagonista e o coro de urubus sem vivacidade, enquanto as lembranças de Heleno são bem coloridas.

Os personagens secundários do romance formam o coro de urubus na peça, que expõe os episódios de forma alegórica. As cenas fortes no envolvimento sexual são ousadas e convincentes. Os corpos desnudos ou cobertos trafegam com desenvoltura pela cena.

Enquanto o público se acomoda, o ator André Brasileiro espia a movimentação dos espectadores da plateia. No palco os homens-urubus traçam suas coreografias. A sombra, o escuro iluminado em partes e um clima de noite gay decadente tomam conta do teatro.

Com temática LGBT, peça mostra o lado humano e sentimental de personagens ainda estigmatizados

Marcondes Lima interpreta Estrela, uma trans

Há o tratamento de uma humanidade sem maquiagem, no fundo machucada por alguma injustiça. A luz de Jathyles Miranda reforça a escuridão da alma, os abismos dos personagens. E dramatiza com vermelhos, monta luzes na beirada do palco num misto de boate e circo, distorce ambientes. O espetáculo tem um tom escuro, numa iluminação que traduz suas figuras atormentadas e febris.

As curvas sinuosas da narração são bem dirigidas por Marcondes Lima e sua assistente de direção Ceronha Pontes. O Coletivo Angu de Teatro mostra plena maturidade com a montagem.

Marcondes Lima mais uma vez assina direção de arte e o elegante figurino da peça, que compartilha com as opções da montagem. A peça apela para o pop, na iluminação, música, direção de arte e até atuação do elenco. A dramaturgia do texto e da cena traz essa combinação Marcelino Freire puro sangue com Marcondes Lima em voo inspirado.

O elenco está afinado. André Brasileiro se dedica a interpretação sóbria, que carrega o peso do tempo e das desilusões do protagonista. O versátil Arilson Lopes faz várias participações e a do Seu Lourenço, o motorista, é preciosa. Marcondes Lima é tão bom ator quanto diretor. Ele defende Estrela, a trans com pulso e graça e arrancou aplausos da plateia na estreia. Ivo Barreto é um ator que consegue fazer um cafuçu e um gay com a mesma propriedade, convicção e alegria de atuar. Tanto Daniel Barros quanto Robério Lucado interpretam os michês com dignidade, demonstrando a mistura de esperteza e graça dos personagens. Barros se sobressai no papel de Cícero e Lucado eleva o tom na dança de “moreno tropicano”.

Marcelino Freire, que tem um livro de contos chamado Amar é Crime erigiu seu Heleno, nesta peça dura e triste, dos fósseis do amor não cultivado, não compartilhado. O personagem não exercita relações amorosas, mas o contato sexual com michês, perfeitos em seus ofícios. Destituído de amor, o sexo de curiosidade, as metidas de rua e o foder gostoso são opções com gosto de morte.

Angu de Teatro - 3

Coro de urubus

A estreia do espetáculo no Teatro Apolo fez a festa na rua do mesmo nome. Uma fila imensa já dobrava a esquina uma hora antes do início marcado. Muitos artistas da cidade compareceram, inclusive o autor do romance e da peça Marcelino Freire.

O calor no Recife e a espera podem ter contribuído para que, psicologicamente, o espetáculo parecesse estendido no final.

E depois teve uma festa na área de convivência entre Apolo e Hermilo Borba Filho, animada pelo DJ Pepe Jordão. Foi de arrasar.

SERVIÇO
Ossos, do Coletivo Angu de Teatro
Quando: Sextas, às 20h, sábados, às 18h e às 21h e aos domingos, às 19h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos
Informações: 3355-3321

FICHA TÉCNICA
Texto: Marcelino Freire
Direção: Marcondes Lima
Direção de arte, cenários e figurinos: Marcondes Lima
Assistência de direção: Ceronha Pontes
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Daniel Barros, Ivo Barreto, Marcondes Lima, Robério Lucado
Trilha sonora original – composição, arranjos e produção: Juliano Holanda
Criação de plano de luz: Jathyles Miranda
Preparação corporal: Arilson Lopes
Preparação de elenco: Ceronha Pontes, Arilson Lopes
Coreografia: Lilli Rocha e Paulo Henrique Ferreira
Coordenação de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: André Brasileiro, Fausto Paiva, Arquimedes Amaro, Gheuza Sena e Nínive Caldas
Designer gráfico: Dani Borel
Fotos divulgação: Joanna Sultanum
Visagismo: Jades Sales
Assessoria de imprensa: Rabixco Assessoria
Técnico de som Muzak – André Oliveira
Confecção de figurinos: Maria Lima
Confecção de cenário e elementos de cena: Flávio Santos, Jorge Batista de Oliveira.
Operador de som e luz: Fausto Paiva / Tadeu Gondim
Camareira: Irani Galdino

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