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Alecrim, alecrim dourado…

Probido retornar, do grupo Teatro Invertido, no Trema! Foto: Pollyanna Diniz

“Cheiro tem história e memória…”

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Nos últimos dois meses senti cheiro de Sertão. De terra seca, mato e alecrim. Lembrei muito desses cheiros ontem quando vi Proibido retornar, do grupo Teatro Invertido, de Belo Horizonte, dentro da programação do Trema!.

O cheiro do Sertão me trouxe de volta a senhorinha toda arrumada, de blush e batom, que me recebeu com o sorriso mais largo desse mundo, mas logo me disse que não tinha água para cozinhar naquele dia. Que a cisterna estava quase seca. E que precisava visitar a filha, que estava de cama depois de uma crise de epilepsia.

O cheiro me trouxe de volta uma família que mora na principal e única avenida de Caiçarinha da Penha, um distrito de Serra Talhada. O pai, talvez parecesse 70, mas não tinha tudo isso. Sentado na calçada, a vida passando só ali em frente. Engatei uma conversa e logo estava na sala – ele me pedindo para tirar uma foto dele com aquele retrato pintado – ele e a mulher, noutros tempos, bem mais novos. Da época do casamento. A neta na barra da calça com os olhinhos curiosos. Lembro que voltei lá depois disso; recebi um abraço como se há muito fosse conhecida e minha falta tivesse sido sentida.

Lembrei da Extrema – um povoado de dez casinhas coloridas e igreja. No meio do tempo. No meio do tudo. No meio do nada. Um caminho lindo até lá.

Lembrei da jovem mãe de um distrito chamado Malhada. 28 anos. Dois filhos. Olhar envergonhado, mas destemido, se é que essa contradição é possível. Conversávamos sobre a educação dos filhos dela. Lá pelas tantas, escuto algo do tipo: “as minhas esperanças se perderam neste lugar. Tenho medo que com os meus filhos aconteça a mesma coisa. Queria ter saído daqui. Foi a vida que não deixou?”. A jornalista já não estava mais na sala.

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Espetáculo traz a história do retirante Moacir, que vai parar na construção civil

O tempo vai e volta em Proibido retornar. Um movimento que faz muito bem ao espectador, que se desgruda da linearidade na qual o texto poderia cair. É uma história por demais conhecida. De um retirante que saiu do interior, foi parar na construção civil e acabou mendigo nas ruas da cidade grande. Dos pilares que compõem a montagem, o texto é, aliás, o que mais nos deixa a desejar. Porque é um discurso maniqueísta, não apresenta nada de novo e esbarra nas imagens já pré-fixadas na nossa mente. O ingênuo homem do campo que sonha em ser gente, a cidade grande e os seus personagens tão cruéis, o arranha-céu opressor.

Quando o texto toma mais força é quando ele se volta para o interior. Interior geográfico e interior humano. Quando fala de um Sertão que geralmente as pessoas só ouviram falar. Quando deixa que a história alcance a poesia simples. Claro que as quebras são fundamentais à proposta do grupo e à encenação – mas o homem morto atrapalhando o tráfego é uma imagem por demais mastigada.

Leonardo Lessa e Robson Vieira

São quatro atores em cena que se revezam em alguns papéis. Moacir Ferreira da Silva, 22 anos, é o garoto que sonha em estudar e crescer. Que aprendeu com a mãe que estar vestido já é lucro pra quem nasceu nu. Tem a mãe, o pai. A empregadora que oprime. Os atendentes de um bar.

É a encenação que garante a força da montagem. A escolha por atiçar os sentidos. O cheiro – que pode ser de Vick ou um fedor insuportável de carniça. O gosto da rapadura. A zoada da britadeira. A ida e volta no tempo. O ritual da areia preta escorrendo pelo corpo do ator nu.

E também algo que comentei quando escrevi sobre Aquilo que meu olhar guardou para você. Talvez o público não queira convite para estar no meio da encenação. Ele simplesmente está. Proibido retornar é assim. Quando menos esperamos, somos “despejados”. Aqueles locais ocupados serão demolidos – precisamos sair rápido. Não temos mais lugar – a não ser o palco. E olhe que houve quem resistisse muito e brigasse com o ator – o que deixou a encenação muito mais viva. “Ei..não bata nele”, gritava a senhora, antes público, agora ocupando outro papel.

Talvez seja mesmo Proibido retornar. Desse caminho que nos leva a outro teatro, a outra forma de enxergar aquele com o qual lidamos.

Dramaturgia e direção são coletivas

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Os atores do Grupo Teatro Invertido se encontraram, como o Magiluth, na universidade, em 2004. Eles já têm cinco espetáculos no repertório: Nossa pequena Mahagonny (2003), Lugar cativo (2004), Medeiazonamorta (2006), Proibido retornar (2009) e Estado de coma (2010). Proibido retornar é o primeiro espetáculo escrito e dirigido só por integrantes do grupo, num processo de criação coletiva. Esta é a primeira vez que eles se apresentam no Recife.

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Assim como o grupo Quatroloscinco, o Teatro Invertido também fez um oferecimento da montagem à atriz Cecília Bizotto, brutalmente assassinada durante um assalto em Belo Horizonte, na madrugada do domingo.

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Na construção civil

Ficha técnica Proibido Retornar

Direção e dramaturgia: Camilo Lélis, Kelly Crifer, Leonardo Lessa, Rita Maia e Rogério Araújo
Atuação: Kelly Crifer, Leonardo Lessa, Rita Maia e Robson Vieira
Preparação corporal: Leandro Acácio
Preparação vocal: Ana Haddad
Cenários e figurinos: Paolo Mandatti e Camila Morena
Iluminação: Felipe Cosse
Trilha sonora: Ricardo Garcia
Produção executiva: Natália Domas

Serviço:
Proibido retornar
no Trema! Festival de Teatro de Grupo do Recife
Quando: quinta-feira (11), às 19h
Onde: Teatro Marco Camarotti, Sesc Santo Amaro
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)

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