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Percurso teatral
#Dossiê Aldeia do Velho Chico 2022
#6

Formigas, Lampião, É da carne dos homens, Cia. Biruta e  Ana Paula Ribeiro . Fotos: Divulgação

Cada vez mais me convenço da necessidade de fortalecimento da prática da crítica teatral. Isso inclui a urgência de remuneração dos espaços já existentes na internet (são muitos e é preciso ampliar), com a inclusão desses trabalhos no sistema das artes da cena a partir de editais e similares. Digo isso porque eu mesma, na raça, escrevo há anos sem uma remuneração direta, como muitos dos meus colegas. Alguns festivais investem na movimentação de análises acerca da programação (mas são poucos), o que permite e incentiva a valorização de uma fortuna crítica e de um painel reflexivo sobre a cena.

A ausência de análise, de diálogo, enfraquece uma possível discussão e muitas encenações não recebem um olhar crítico. Enquanto os que recebem várias perspectivas críticas vê dinamizado o próprio trabalho da cena e ganha reforço na projeção do grupo.

São reflexões que chegam como constatação e desafio para que muitos diálogos entre cena e pensamento crítico se estabeleçam e se expandam.

Nada é inocente. Nem a cena. Nem sua recepção nem qualquer avaliação crítica. A análise crítica da qual estou falando aqui é a que se posiciona publicamente, por escrito, por vídeo, por áudio, por outro meio ou tudo isso junto e misturado. A crítica feita entre amigos, na mesa do bar, nos ambientes hermeticamente fechados são importantes com exercício individual de expressão. Mas a que estou pondo em consideração é aquela do contexto da crítica pública, que corre mais riscos – de todo tipo.

Essas questões ficaram bem acesas durante o acampamento da Aldeia do Velho Chico, em Petrolina, e depois, enquanto tudo aquilo reverberava na minha cabeça e no meu corpo, acerca da criação, da recepção e da feitura crítica.

A Aldeia do Velho Chico é um festival multilinguagem. Há uma forte predominância das expressões da cultura tradicional com suas danças e cantos atravessadas de histórias, da ancestralidade que não conseguimos detectar as origens.

Outro dado forte do evento são as apresentações das artes da cena – dança, performance, teatro etc – em formatos de espetáculos ou em processo de criação, células em formação, pílulas carregadas de muita potência, mas ainda sem formatação estética estabelecida.

Então vamos fazer um breve percurso por entre os espetáculos e cenas da Aldeia do Velho Chico.

Formigas bebem absinto no armazém do caos

Cena de Formigas bebem absinto – Foto Tássio Tavares / Divulgação

Público participante do espetáculo Formigas bebem absinto. Foto Tássio Tavares / Divulgação

Nesse percurso começo pelo mais difícil, enquanto recepção no evento.

Formigas bebem absinto no armazém do caos estreou no dia 5 de março, no Theatro Santa Roza, em João Pessoa, na Paraíba. Com direção de José Manoel Sobrinho, texto de Everaldo Vasconcelos e no elenco Anderson Lima, Antônio Deol, Larissa Santana, José Maciel, Margarida Santos, Mônica Macedo, Emmanuel Vasconcelos. Procurei e não encontrei registro crítico acerca da peça.

A montagem tem direção de arte de Tainá Macedo, direção musical de Samuel Lira, preparação corporal de Luiz Velozo, fotografias e designer de iluminação de Bruno Vinelli e produção de Aelson Felinto.

A expectativa em torno da peça era grande, principalmente pelo nome de José Manoel Sobrinho – funcionário do Sesc Pernambuco por muitos anos – ,  que anunciou que o espetáculo seria um outro jeito de experiência estética em relação ao seu próprio percurso.

A teoria do caos é convocada como referencial teórico da cena para falar de uma dinâmica da vida social. É uma teoria cientifica recente e de alto grau de complexidade, que vem sendo aplicada para elucidar fenômenos antes considerados incompreensíveis. O Caos torna questionáveis as nossas maiores certezas e suscita novas indagações no que se refere a nossa própria realidade.

Fala-se que mudança mínima no início de um evento pode ocasionar consequências  imprevisíveis, metaforicamente justificado pelo chamado “Efeito Borboleta”. É muito citado o exemplo do vestibulando que perde o exame porque o pneu do ônibus furou e partir desse imprevisto prosaico toda sua vida futura é mudada (universidade, amigos, amores, trabalho, filhos etc.)

O que salientam os artigos dessa teoria é que o Caos não é desordem, mas sim imprevisibilidade. Existe uma ordem no suposto acaso, determinada por leis precisas. Não vou além, para não me perder, pois o caminho é matemático, de lógica bem específica.

O que me parece o primeiro problema do espetáculo Formigas bebem absinto no armazém do caos é que a direção aproxima a peça mais da ideia do senso comum de desordem, remete para os efeitos da instabilidade brasileira, do que perseguir na cena uma regra que testifique o imprevisível.

A utilização de procedimentos e elementos recorrentes do que é considerado teatro contemporâneo no Brasil – uso de microfone, projeção de vídeo, música tocada ao vivo, luz que fragmentando o corpo, luz difusa, atores manipulando a iluminação com holofotes na mão, inclusão do público na cena, não funcionam como uma dramaturgia que dê conta da proposta.  

A dramaturgia textual de Everaldo Vasconcelos emprega em excesso ditos populares, que empobrecem o jogo de cena. A fábula, mesmo com intenção de ser fragmentada, apresenta  uma trupe artística que se encontra e viaja a partir do consumo do absinto. Interpretam personagens clássicos, se relacionam entre si, expõem preconceitos como demonstrações misóginas dentro do grupo, reproduzem a violência do patriarcado.

Há choques entre as camadas dessa leitura do mundo, de uma intenção criativa libertadora, que não se realiza no palco. Pelo menos na sessão apresentada em agosto de 22 em Petrolina.

Se o desejo era explorar o cenário catastrófico desses tempos em fúria talvez as disrupções no palco necessitassem de outras escolhas para essas formigas.

Eu Cá com meus Botões

Ator e bailarino bailarino Adriano Alves em Eu Cá Com Meus Botões – Foto André Amorim / Divulgação

Plateia da peça Eu Cá Com Meus Botões. Foto André Amorim / Divulgação

Ao lado do Teatro Dona Amélia, no beco entre a quadra e o caminho da piscina, foi instalado o ambiente para espetáculos curtos, experimentos em processos que chamo de pílulas e a ação Tecendo Ideias. Uma área de passagem, que às vezes abrigava bem a exibição, às vezes não. As interferências sonoras dos esportes incomodaram algumas vezes, mas não foi a maioria.

A programação artística nesse local começou com o infantil Eu Cá com meus Botões, solo do bailarino Adriano Alves com direção de Thom Galiano. Praticamente sem palavras, mas inspirada na poesia de Neruda e nos textos de Pedro Bandeira, e outros, a cena envereda pela experimentação lúdica, embarca no território das lembranças das infâncias. Com uma partitura corporal de gestos suaves, que sugere uma viagem por aconchegos e afetos com pessoas e animais – reais ou fantasiosos – e brincadeiras encantatórias aos olhos da criança.     

Terceira obra infantil do Coletivo Trippé, que atua há 11 anos no Sertão do São Francisco, a peça Eu Cá com meus Botões aprofunda a investigação do diálogo entre dança e poesia. Os pequenos estavam vidrados no desenrolar da peça, e responderam com alegria às interações do artista. Este é o primeiro solo do bailarino Adriano Alves, que aposta no jogo cênico inspirado nos poetas desde 2012.

Lampião no Reino dos Infernos

Cena de Lampião no Reino dos Infernos. Foto: André Amorim / Divulgação

Espetáculo Lampião no Reino dos Infernos foi apresentado na área externa do Sesc. Foto: André Amorim

O ator e multiartista Sebastião Simão Filho já plantou muitas sementes; já contribuiu na criação de grupos e na formação de atores em Petrolina, Recife e outras regiões. É sua vocação. E ele entende essa arte como essencialmente coletiva e vai agregando.

Para a Aldeia do Velho Chico chegou com Lampião no Reino dos Infernos para apresentar na área externa, no estacionamento, com uma lona sem teto montada onde a equipe manipulava os bonecos (de vários tamanhos e categorizações), os dispositivos de luz e instrumentos sonoros e outras coisinhas mais.

A galeria de bonecos do espetáculo permite uma movimentação interessante, e o elenco jogava afinado no gestual do boneco.

No que trate da dramaturgia, escolher Lampião como protagonista de uma história é sempre um risco. Persona que dependendo do olhar pode ser entendida como “defensora” de pobreza ou um bandido sanguinário. Na peça, ele vai de um a outro.

A trupe de Simão bebe nas tradições populares dos mestres mamulengueiros, nas alegorias do juízo final, sátiras que envolvem moralidade, teatro vicentino e vai antropofagicamente devorando essas e outras referências. Dá seu recado. A manipulação funciona, há sinuosidade, os bonecos são bonitos. O publico gosta e aplaude.

Como a sessão foi no dia em que as apresentações concorriam umas com as outras, em vários espaços da unidade do Sesc-Petrolina, me pareceu que a opção mais acertada para esse Lampião seria de proposta mais compacta.

Estudo Nº1: Morte E Vida

Estudo Nº 1 – Morte e Vida – Foto: André Amorim / Divulgação

Grupo Magiluth e seu Estudo Nº 1 – Morte e Vida – Foto: André Amorim / Divulgação

Situar Estudo Nº1: Morte e Vida, do Grupo Magiluth como uma peça-palestra ainda diz pouco sobre a obra, só para pegar o estribilho da própria montagem. Inspirada no poema dramático Morte e Vida Severina, do pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e na multiplicação de Severinos, o trabalho investiga as causas e os efeitos da atuação humana sobre o clima, que produz refugiados, do Nordeste do Brasil a Kiribati, no Oceano Pacífico.

Essa questão tão séria da ação humana sobre o planeta, as crises que nos deixa a todes por um triz do extermínio, avança na poética desse espetáculo que vibra nas urgências desses dias.

Com direção de Luiz Fernando Marques, o Lubi, essa encenação cutuca o nervo, não poupa a ferida aberta desses tempos tão terríveis. Já assisti algumas vezes ao espetáculo e a cada nova vez detecto um detalhe do posicionamento político libertário do grupo. Os rapazes estão plenos em suas atuações.

Profusão de imagens, corpo, jogos, linguagens, texto, fala, luz e som, podcast. E eles repetem em espiral para falar das ações migratórias à uberização e abrem novos caminhos para pensar, repensar o que estamos fazendo com o mundo, o que mundo dos poderosos está fazendo com os artistas, o que é ser artista nesse mundo da mercadoria. Escrevi na estreia uma critica desse  Estudo Nº 1. Se interessar, vai lá.

Caminhos – Cirkombi

Pedrinho Milhomens, o Palhaço Sequinho em Caminhos Cirkombi. Foto: Tassio Tavares / Divulgação

Exibição de Caminhos Cirkombi no Sesc Petrolina. Foto: Tassio Tavares / Divulgação

Ele tem as pernas tão finas que parecem que vão quebrar quando anda. Um dos seus charmes. Não o único. Pedrinho Milhomens, o Palhaço Sequinho, aventureiro, cozinheiro, marginal, –como se autodefine nas redes – contagia com o seu gosto pela vida. Atuou com seu brincar na Aldeia do Velho Chico.

Marcou presença no último dia da programação, quando aconteciam muitas coisas em sequência acelerada ou ao mesmo tempo. Sua cena foi exibida num espaço exíguo embaixo da escada amarela, naquele corredor… Espaço suficiente para Palhaço Sequinho dar o seu show.  

Caminhos é o nome da brincadeira e tem assinatura na direção de Odilia Nunes, atriz e palhaça de Afogados da Ingazeira. Não pense numa história linear, mas em muitas histórias que entram umas dentro das outras para produzir muita graça. O trabalho é simples, utiliza os truques da palhaçaria para acionar a fabricação do riso.

O tempo do espetáculo é o da preparação de um bolo, que inclui assar e distribuir com a plateia. Mesmo quem não come – porque não tem fatia para todo mundo – o público sai saciado de alegria. Uma delícia de cena. Tão simples que conquista .

Luanda Ruanda – Histórias Africanas

Stephany Metódio em Luanda Ruanda – Foto Fernando Pereira / Divulgação

Como parte da ação A Escola Vai ao Sesc foi exibida a peça Luanda Ruanda – Histórias Africanas, do Coletivo Tear, de Garanhuns. A arte-educadora Stephany Metódio e os músicos Alexandre Revoredo e Nino Alves conduzem o público por uma viagem fascinante.

Durante a encenação, a plateia é brindada com histórias e intervenções musicais, baseadas nos ritmos da cultura africana, com a participação forte das crianças nas bruxarias e preparativos culinários para a reinvenção do mundo. As técnicas teatrais utilizadas por Stephany Metódio envolveram a plateia nesse percurso pelas lendas e costumes afro-brasileiros.   

O espetáculo foi apresentado em dois momentos na Aldeia do Velho Chico: na Ilha do Massangano e no Sesc. Luanda Ruanda é fruto de pesquisas das artistas Stephany Metódio e Marília Azevedo efetivadas em comunidades quilombolas de Garanhuns.

Lady Macbeth: Coroas de Poder e Sangue no Sertão

Maria Santorini em Lady Macbeth: Coroas de Poder e Sangue no Sertão, Foto André Amorim / Divulgação

Lady Macbeth: Coroas de Poder e Sangue no Sertão, da Trupe Holística de Salgueiro parte de uma ideia interessante – de aproximar as tragédias que ocorreram/ocorrem no semiárido nordestino do texto inspirador, mas sua realização conceitual me parece complicada. Muito já se fez com essa personagem intrigante, e poderosa, de William Shakespeare. Sua complexidade se abre a muitas outras interpretações.

A cena com a jovem atriz Maria Santorini é curta. Praticamente uma célula. O trabalho precisa amadurecer em várias camadas. Existe uma versão em vídeo que foi veiculada durante a pandemia, para quem tiver curiosidade. Não é a mesma experiência, mas dá para ter uma ideia.

O experimento diz que Lady Macbeth ousou seguir seu coração e não mais a sua adaga (nome genérico de um tipo de espada curta, com duplo corte).

O propósito de levar a figura de poder para o Sertão é interessante. Compor a personagem com figurino que faz alusão às vestes elisabetanas cria um atrito de imagem positivo, a meu ver. Mas o conteúdo do discurso carece de sustança. Acho estranho o tom de deboche ao falar em morte de rei e de general. E colocar um texto de Osman Lins no meio das falas não me parece muito adequado.  

É da Carne das Mulheres que Nascem os Homens

É da Carne das Mulheres que Nascem os Homens. Foto: Tassio Tavares / Divulgação

 A atriz Ana Vicente, de Juazeiro, Bahia, trabalha cenicamente a energia concentrada para valorizar a força ancestral feminina em É da Carne das Mulheres que Nascem os Homens cena emocionante.

Sua reconexão com esse algo tão valioso e maltratado por milênios e até hoje pelo patriarcado, que é a energia feminina, vai sendo desenvolvida em pequenas ações que clamam por sua ancestralidade. A roupa é acrescida simbolizando peles de outras mulheres, ela mesma saudando ausências.

Essa carne que enaltece as mulheres persegue o equilíbrio das energias criativas Yin (feminina) e Yang (masculina). Nessa luta é primordial a defesa dos direitos de existir, contra qualquer crime.

Eu Vim da Ilha

Trecho da dança Eu Vim da Ilha. Foto: Fernando Pereira / Divulgação

Eu Vim da Ilha, da Cia de Dança do Sesc Petrolina, erguida em 2011, é uma das criações artísticas de maior projeção da cidade, mas ainda com muito espaço para o devido reconhecimento. A inspiração da peça vem do Samba de Véio da Ilha de Massangano, uma dança tradicional que existe há mais de 100 anos e é passada de geração a geração.

São corporificadas na coreografia as práticas das pessoas ribeirinhas, a noção de travessia, as brincadeiras e a cultura do lugar.

A dramaturgia concentra os afetos das relações da Ilha de Massangano (habitada por cerca de 200 famílias), o sentido de pertencimento dos moradores, que os intérpretes incorporam em suas danças.

Com tamboretes nas mãos, roupas coloridas, alegria e muito requebro, remelexo e malemolência, os dançarinos recriam esse encontro dançante, que é uma síntese do espírito festivo e guerreiro dessa ilha situada no Rio São Francisco.

Foi apresentado um pequeno trecho do espetáculo no mesmo beco que leva à quadra poliesportiva.

Criando Peixes no Bolso

Criando Peixes no Bolso. Foto André Amorim

Na tocante cena Criando Peixes no Bolso, o Grupo Mundaú de Experimentos Cênicos, de Garanhuns, trilha caminhos das simbologias dos círculos, da fertilidade da terra, das águas conduzidas em potes e bacias, na oscilação dos sons, no aquecer das chamas. Os elementos da natureza inspiram a criação dessa peça.

É um trabalho de atravessamentos para os envolvidos. O corpo-experimento dos intérpretes que flerta com a poesia de Manoel de Barros. De olhos famintos e atentos aos cursos, deslocamento, mudança. A partitura corporal aponta para o fortalecimento de laços, pelas pulsações da vida, pela busca do sagrado.

O elenco, com Criando Peixes no Bolso insiste em expressar a renovação dos ciclos e a coragem de enfrentar as estações da vida.

Incubadora Teatral e mais

Partilha de processos criativos – Seminário de Teatro – Foto Fernando Pereira

Público da Incubadora teatral. Foto Tassio Tavares / Divulgação

Cris Crispim e Camila da Cia Biruta. Foto Tassio Tavares / Divulgação

Trup Errante apresentou a cena Velho Novo Otelo. Foto Tassio Tavares / Divulgação

Sessão Loré, com Bruna Florie. Foto André Amorim / Divulgação

A noite das apresentações da Incubadora Teatral foi a mais disputada no Teatro Dona Amélia. E que ótimo que essa sessão com quatro experimentos cênicos tenha sido tão prestigiada. Isso pode ser traduzido em indícios de formação de público e valorização do artista local pelo público da Aldeia.

A Cia Biruta, grupo que desenvolve importante trabalho de pesquisa e de formação em Petrolina e região exibiu o trabalho Notícias do Dilúvio – Um canto a Canudos. Essa investigação resgata para a cena o desempenho de mulheres na Guerra de Canudos, fato sempre escamoteado pela história. Cris Crispim e Camila Rodrigues atuam como Das Dores e Dos Anjos, personagens desse trabalho que rememoram cenicamente essa experiência de resistência. Uma versão desse estudo em andamento foi apresentada em 2021, no Cena Agora: Encruzilhada Nordestes…, do Itaú Cultural.

Mistura potente das práticas culturais, danças populares do sertão, fé, estratégias de guerra de aquilombamento pela ótica feminina.

Mais três experimentos integraram a ação da Incubadora Teatral. O solo de Ana Paula Ribeiro explorou a força da mulher, a violência historicamente sofrida, o combate a essas agressões, a postura de uma nova mulher, a partir de um corpo insubmisso e vibrante. A Trup Errante, de Petrolina mostrou a cena Velho Novo Otelo. A cia Teatral Pé na Estrada exibiu o seu trabalho em processo Pensando em Nelson, baseada na obra A Vida como ela É, de Nelson Rodrigues.

O Núcleo de Teatro do Sesc Petrolina, liderado com paixão pelo ator e professor Paulo de Melo compartilhou o processo de uma dramaturgia coletiva que eles estão construindo a partir das (des)lembranças das bisavós. Células poéticas tocantes foram exibidas por um grupo de jovens dedicados e criativos, entregues a essa arte. A proposta amorosa de mergulhar na história de cada um promete frutos deliciosos e comoventes. Os afetos que atravessam. Foi bonito de ver.

A Sessão Loré – 100 anos do Theatro Cinema Guarany, de Bruna Florie, um espetáculo de Teatro Lambe Lambe cuidou de exibir no pequeno formato como era o acesso do público mais pobre ao cineteatro construído em 1922, em Triunfo, interior de Pernambuco.

Muitas outras coisas aconteceram das artes da cena nesta Aldeia que foram ressignificadas, ampliadas, aprofundadas durante a realização da Aldeia. E continuam reverberando no corpo dos artistas, do público e da cidade.

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Para pensar a política cultural do Recife

É necessário muito trabalho nos bastidores para que a cultura  do Recife volte a respirar. Na imagem de Andrea Rego Barros, o urdimento do Teatro do Parque.

Teatro do Parque com vista a partir dos camarotes. Foto: Andrea Rego Barros / Divulgação

* Atualizada em 29/01/2021 às 11h51

A política cultural é feita de escolhas. De prioridades e investimentos. Como na regra máxima da economia: recursos escassos para atender a desejos infinitos. Nessa difícil equação, os gestores decidem o que fazer com o orçamento. Alguns apostam na oitiva da população, especialmente daquela porção diretamente envolvida, para tomar decisões. Uns acreditam no seu poder clarividente de entender o que o setor cultural e os cidadãos querem sem escutá-los.

Mas nenhuma escolha é ingênua. Ou aleatória. Ela está atrelada às ideologias. Verbas materializam aspirações, sonhos, projetos. Do que se pensa que é melhor para o universo individual ou coletivo. E quem detém nas mãos a construção desse mundo; ou seja, quem está no poder, tem a chance de escolher onde e como e porque aplicar os investimentos; fornecer as condições básicas, médias e suficientes para que os habitantes sobrevivam, vivam, existam. Então, alguns atores sociais podem ser inviabilizados, não priorizados por investimentos públicos, lançados tão ao fim da fila que nunca chegam sua vez.

David Harvey chama de mercadificação a transformação em mercadoria de formas culturais, históricas e da criatividade intelectual.

A política cultural neoliberal do governo de Pernambuco e do Recife equaliza a dimensão de entrega das decisões para o mercado. Isso ficou notabilizado nos últimos oito anos de gestão do PSB na Prefeitura do Recife e no estado mais do que isso. Foi uma trilha de perdas das conquistas da classe artística, que precisou se juntar em movimentos vários para frear estragos ou garantir pontos fundamentais.

O Teatro do Parque, equipamento administrado pela prefeitura, fechado durante 10 anos e reaberto no fim do ano passado, é um exemplo – que nem sempre aparece nas notas oficiais – da articulação de muitos artistas. Foram diversas Viradas Culturais, protestos, mobilizações, comissões para o teatro ser devolvido lindinho à população.

Com João Campos, do PSB, ocupando a cadeira de prefeito depois de oito anos de Geraldo Júlio (PSB), entraram em cena no início do mês o professor, escritor, documentarista e produtor cultural Ricardo Mello, no cargo de secretário de cultura da cidade do Recife, e o diretor de teatro, professor, José Manoel Sobrinho, como presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife. Ambos foram recebidos de braços abertos pela maior parte da classe teatral. José Manoel, de forma efusiva.

Ricardo Mello, secretário de Cultura do Recife na gestão do prefeito João Campos. Foto: Reprodução do Facebook

José Manoel Sobrinho, presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife, na gestão de João Campos. Foto: Thiago Faria / Divulgação

Registramos aqui as inquietações a partir das perguntas que fizemos a algumas pessoas das artes cênicas sobre os gestores atuais. Foram dois questionamentos: 1) a opinião sobre a escolha dos nomes 2) as prioridades para a gestão. As respostas foram dadas entre 5 e 15 de janeiro. 

Basicamente são três marcos de recepção. Os que acreditam plenamente em mudanças com a participação desses gestores; os que sabem do valor dos nomes, mas desconfiam do método PSB de administrar; e os que, apesar de torcer para que a cultura recifense dê certo, não confiam na política desse partido, tendo por base os danos ocorridos nos últimos oito anos. 

Mônica Lira, coreógrafa e bailarina do Grupo Experimental pensa que foi imprescindível chamar pessoas realmente da área de cultura. “Tivemos durante essas duas gestões de Geraldo Júlio, infelizmente, pessoas técnicas, homens machistas, principalmente o ex-presidente da FCCR. Eu tive a experiência, inclusive, lá dentro, interna, que foi muito ruim. Então, acredito que vai ser muito importante se eles (Ricardo Mello e José Manoel) tiverem realmente recursos e abertura para construir uma política que já deixou de existir há muitos e muitos anos”.

Diálogo, esse ato básico de comunicação, é um dos quesitos mais reclamados pelos artistas durante as duas últimas gestões do PSB. “É uma expectativa de que seja um novo momento, um fio de esperança, uma luz no fim do túnel. Porque não está fácil ser artista, permanecer artista morando num país como o Brasil e com esse desgoverno. E principalmente numa cidade em que a cultura não tinha nenhuma prioridade. A cultura nunca foi prioridade para essa gestão de Geraldo Júlio, em nenhum momento”, reforça Mônica Lira.

Atriz, produtora e curadora Paula de Renor assume a administração do Parque Dona Lindu / Teatro Luiz Mendonça. Foto: Reprodução do Facebook

Paula de Renor, atriz, produtora e conselheira do Conselho Estadual de Cultura foi convidada e aceitou a administração do Parque Dona Lindu / Teatro Luiz Mendonça, os dois equipamentos juntos. Essa informação foi divulgada neste 25 de janeiro. Além de produtora, com longa temporada no festival Janeiro de Grandes Espetáculos, do qual se desvinculou há cerca de três anos, ela administrou um dos espaços mais queridos do Recife das últimas décadas: o Teatro Armazém. Atualmente ela produz o Reside – Festival Internacional de Teatro FIT-PE.

“Eu aceitei porque eu quero apoiar Zé Manoel e Ricardo, pois eu acredito neles, nos dois. Eu acho que que a gente tem que ocupar os espaços – a gente quer dizer a classe artística – tem que ocupar os espaços que pertencem à classe. Os teatros pertencem à cidade, à classe e eu acho que ninguém melhor do que os artistas, e artistas que são gestores também e produtores, para cuidarem desses espaços. Os artistas, como ninguém, sabem cuidar, porque eles precisam e vivem desses espaços. Então foi por isso que eu aceitei esse desafio”, contou ao blog Satisfeita, Yolanda? 

Ator, diretor e dramaturgo Giordano Castro. Foto: Reprodução do Instagram

Mesmo reconhecendo a importância dos dois gestores, o ator, diretor e dramaturgo, integrante do Grupo de Teatro Magiluth, Giordano Castro, confessa que “não acredito muito em grandes mudanças”, lembrando que é mais uma gestão do PSB no Recife. E que, em linhas gerais, levando em conta o histórico dos últimos oito anos de administração desse partido na capital pernambucana, o resultado foi o desmantelamento de algumas conquistas.

Entre elas,  o enfraquecimento de festivais importantes como o de teatro, o de dança e o de literatura. “São festivais muito fortes na cidade que, de alguma forma faziam com que a vida cultural da cidade do Recife acontecesse de forma fervorosa. E esses festivais, eles acabaram”. E, por isso mesmo, Giordano ressalta a importante da alternância de poder. “Mas sendo João (Campos) o novo prefeito, nós vamos democraticamente viver com ele nesses quatro anos e torcer para que eu esteja de alguma forma errado em relação a isso”.

Artistas e produtores Mísia Coutinho, Paulo de Pontes e Gheuza Sena. Fotos: Reprodução do Facebook

A torcida pelos novos gestores é grande. Muitos atores, diretores, produtores, botam muita fé, principalmente no nome de José Manoel Sobrinho. “Conheço de perto a dedicação dele, o empenho e a competência”, frisa a produtora e atriz Mísia Coutinho. O ator e produtor Paulo de Pontes corrobora que as escolhas não poderiam ser melhores. “Já nos dá certa esperança”. A atriz Gheuza Sena também aposta suas fichas em José Manoel “que é uma pessoa que eu conheço a fundo, acompanho bastante o trabalho dele, já muitos anos foi meu professor na Fundaj”.

“Para mim, Recife nunca esteve tão bem representado na parte da cultura”, aposta a atriz, modelo e palhaça Fabiana Pirro. “Ricardo Mello é super engajado em várias áreas da cultura, e não é só um administrativo. Ele é uma pessoa realmente das artes, sensível, muito acessível. Acho que ele vai fazer um grande trabalho à frente dessa pasta”. “E Zé Manoel, minha Nossa Senhora, já participamos de vários projetos, foi ele foi quem fez a gente circular o Brasil todo no Palco Giratório com Caetana e Divinas; sempre nos defendeu. Colocou o Sesc Pernambuco no patamar que você sabe bem. Viva as deusas das artes porque a gente precisava de uma pessoa como o Zé, muito trabalhador, muito disposto a realmente mudar o panorama para os artistas e valorizar os artistas”, diz.

Mais do que apoio da classe, eles vão precisar de recursos e de apoio político. “Para que possam atuar concretamente, se fará necessário recursos que possam apoiar e fomentar as ações culturais necessárias para um efetivo fortalecimento das cadeias produtivas dos segmentos culturais, bem como instrumentalizar todos os equipamentos culturais do município, no que tange à manutenção e programação num formato democrático e valorizando as produções locais sem esquecer as produções visitantes” aponta o jornalista, ator e diretor Manuel Constantino.

Ator, diretor e gestor Quiercles Santana. Foto Reprodução do Facebook

O diretor teatral, produtor e gestor Quiercles Santana lembra que José Manoel assumiu, anos atrás, um cargo similar na cidade de Camaragibe e as coisas mudaram muito de feição por lá durante a sua gestão. “Mudaram para melhor, quero dizer. Incrível o que ele sabe do ofício e como a cabeça dele funciona a mil por hora”. Quiercles comemorou a entrada dos dois no que ele chama de campo de batalha. “Porque se trata de fato de um campo de batalha. E é provável que mesmo sendo almirantes de brigada, muito bem habilitados, nem sempre consigam escolher os soldados certos para lutar ao lado deles nas trincheiras. Espero estar errado, do fundo do coração. Mas é que a prefeitura (e não somente ela) está cheia de mortos-vivos, defuntos que esqueceram de deitar faz tempo, mas que continuam ocupando cargos lá, esses fósseis, empurrando com a barriga, cristalizados em formas de gerir e pensar a cultura datadas de meados do século XIX. E nós precisamos de mais Ricardos e José Manoéis que tragam escutas, sensibilidade e traquejo nas realizações que precisam ser concretizadas na área”.

A capacidade de José Manoel de enxergar a periferia é lembrada pelo diretor e professor Rodrigo Dourado. “Eu acho que é uma marca, quer dizer, ele é um homem que olha para as regiões periféricas. Que esse movimento de interiorização que ele realizou no Sesc possa ocorrer nas periferias culturais do Recife. Que saia um pouquinho desse modelo neoliberal dos centros e dos centros culturais regidos por instituições financeiras”.

Diretor do Grupo João Teimoso e da Guerrilha Cultural, Oséas Borba espera que a prefeitura deixe de lado a política de eventos, priorize cada segmento, dê uma atenção especial aos equipamentos culturais e aos editais. “Então quem sabe a gente não volta ao Conselho Municipal de Política Cultural funcionando como ocorreu no início?”.

Os integrantes d’O Poste – Agrinez Melo, Naná Sodré e Samuel Santos – assinalam que durante toda gestão passada, as artes cênicas tiveram perdas que dificultaram a fruição, a criação e a produção em geral. “Perdemos o departamento de artes cênicas, o prêmio de fomento ao teatro , o SIC ( depois de 06/ 07 anos voltou ). Então José Manoel como presidente da Fundação e que tem uma ligação íntima, direta com a classe artística, é ciente dessas perdas e ele tem um histórico de luta cultural e social junto à Feteape (Federação de Teatro de Pernambuco), ao Sesc e outros e que vai pensar e agir para que retornemos a fruir, produzir o teatro e a dança como expressões de respeito e respeitadas no Recife”.

Diretor do Trema! Festival, o ator Pedro Vilela engrossa o coro dos que vibraram com os nomes dos escolhidos, mas levanta outras questões sobre a conjuntura e se realmente a nova gestão está interessada na constituição de uma nova política cultural para a cidade. “Anteriormente assistimos a tática de utilizar nomes referendados pelos próprios artistas para servirem de escudos a uma gestão que pouco procurou investir no setor”. Então, no seu entender, é necessário, para além de nomes, um terreno favorável para que as mudanças sejam postas em prática. 

Ator e produtor Diógenes D Lima

Há também desconfianças e constatações de que a Prefeitura  do Recife é um sistema e que o PSB está ocupando o cargo há oito anos – e que gerou a situação atual. 

“Primeiramente, não acredito nesse grupo que está na gestão. Eles já mostraram em outros mandatos que não estão interessados em fortalecer a cultura e os artistas da cidade. Equipamentos, incentivos… Tudo abandonado, sucateado… Enfim. Não dá para acreditar que ‘esse rapazinho’ tem autonomia de mudar a prática desgraçada de anos do partido que ele faz parte”, comenta o ator e produtor Diógenes D LIma.

Diógenes pensa que, diante disso, os nomes escolhidos pouco ou nada farão, embora sejam pessoas capacitadas. “Noutros mandatos desse mesmo grupo político, já vimos essa jogada: botam gente nossa na gestão e logo depois substituem por pessoas estranhas que nunca foram e nada sabem de gestão em cultura. Mesmo assim desejo toda sorte do mundo aos colegas. Conto com o caráter e a honestidade deles”.

A conjuntura sociopolítica econômica da cidade do Recife forçou a jornalista, poeta e atriz Daniela Câmara a encontrar uma fonte alternativa para garantir a sobrevivência. Desde que começou a pandemia ela produz e vende bolos. Essa mudança provisória de função trouxe ainda mais autonomia para criticar o que ela acha errado. “Sem querer desqualificar os gestores e secretários, mas a decepção é muito grande. Sabe, eu acho que quem levanta certas bandeiras de esquerda não deveria estar levantando as bandeiras do PSB. É minha linha de pensamento”.

 

Mônica Lira, coreógrafa e bailarina

As políticas públicas culturais atingem diretamente a vida dos artistas.  E tanto podem alavancar carreiras, grupos, projetar talentos, como atravancar, atrasar, prejudicar em muitas camadas.

O desabafo de Mônica Lira é emblemático. Ela que sempre expressou o Recife nas suas obras sentiu o sentimento de orfandade bater forte. “Me senti abandonada pela minha cidade, porque eu sempre quis permanecer no Recife, amo esse lugar, mas parece que ele não ama a gente. Mas isso é consequência da política”, relata a coreógrafa e bailarina do Grupo Experimental de Dança. “Tenho total consciência de que a cidade foi completamente abandonada em todos os aspectos ligados a nossa área. E vai ser difícil essa reconstrução porque a gente vive um momento de várias crises. Essa crise que a gente está exposta por conta do Coronavírus ela desencadeia outras crises anteriores.  A gente passa por momentos com muita dificuldade financeira há muitos anos. Então agora só ampliou, né? Aumentaram as dificuldades e o desespero é ver artistas passando fome e ver gente morrendo dessa doença horrível”. 

Há três anos a gente perdeu o Espaço (Experimental, na Rua Tomazina, 199, Recife Antigo ) por conta que a Igreja pediu para fazer uma reforma e até hoje não devolveu. A gente está sem teto. A gente está sem trabalho. A gente tá assim sem nada. Então eu penso que os artistas daqui são quase indigentes. Se os artistas do Recife não tiverem suas famílias, não tiverem os seus apoios eles realmente vão para a rua, ficam à míngua. É como todas as pessoas de bem dessa cidade que vivem hoje num estado de calamidade, de muita vulnerabilidade, nas ruas, sem teto, sem comida, sem nada.

Num festival de dança que assisti online, Ailton Krenak (líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro) falou “como é que a gente vai continuar dançando com fome?”. E é bem isso! Acha que é uma extrema responsabilidade assumir, nesse momento que o país atravessa, uma cidade como o Recife para administrar a sua cultura e para tentar fazê-la de novo viver. Porque a gente está atolado nesse mangue, nessa lama, que parece agora pesar de fato uma tonelada em cima de nós.

 

 

Atriz, bailarina e professora trans Sophia William / Foto: Reprodução do Facebook

“Falta representatividade na Secretaria de Cultura do Recife”, entende a atriz e dançarina e professora trans Sophia William . “Mais uma vez se vê um homem branco hetero cis normativo, sendo escolhido para ocupar tal cargo. Não representando piamente a diversidade cultural em que vivemos, não acolhendo essa representatividade em sua figura. O que não me surpreende, enquanto artista negra e trans da cidade do Recife, perceber que essa escolha vem de um prefeito que também detêm tais privilégios”.

Sophia reconhece que o secretário está apto a ocupar tal cargo por ser formado em publicidade, por ter ocupado já algumas gestões culturais, mesmo assim fica temerosa diante das questões sócio-políticas e artísticas da cidade. Ela lembra que os grupos carnavalescos têm visibilidade apenas no carnaval, assim como as quadrilhas têm  apoio apenas durante os festejos juninos. “Parece que há uma compreensão de que os artistas, eles não ocupam outros espaços e não vivenciam outras épocas do ano. Nós estamos fazendo arte o tempo todo porque nós vivemos dessa arte”, reforça.

“O que seria a sanidade de muitas pessoas durante essa pandemia se não fossem os artistas?”, pergunta Sophia William. “Porque, sem nós, os artistas, eu acredito que muita gente não conseguiria estar passando por essa pandemia. Porque nós artistas por muitas vezes seguramos a sanidade de muitas pessoas, com os nossos trabalhos artísticos na internet, travando diálogo, tentando com nossa arte … então, que a partir de agora a arte seja vista por outra perspectiva, entendendo que, sim, nós precisamos de arte entendendo que sim, nós precisamos da cultura”.

PRIORIDADES

Uma questão fundamental, do pagamento dos artistas, que muitas vezes esperam seis meses para receber o cachê, também é lembrado por Sophia Williams como um problema a ser resolvido. Rodrigo Dourado reforça que é preciso ter muito cuidado com essa questão financeira. “A gente sabe que tem muito descaso em relação à gestão dos pagamentos dos artistas”. Eles lembram que quem vive de arte é profissional da arte e necessita receber o recurso com brevidade após a realização do serviço. É urgente acabar com essa lógica perversa, que virou uma marca da máquina pública.

Atriz, modelo e palhaça Fabiana Pirro. Foto: Reprodução do Instagram

A atriz, produtora e palhaça Fabiana Pirro chama a atenção para os trabalhadores, os artistas carnavalescos, que precisam de um cuidado especial do setor público, mais ainda, nestes meses. “Eu acho que essa pandemia nos mostrou bem isso: a gente tem que viver realmente um dia de cada vez, colocando a saúde em primeiro lugar. E eu acho que os gestores têm que realmente organizar o Carnaval para aquelas pessoas todas que vivem do Carnaval não só como uma data específica e sim a vida delas. Há oito anos participo do palco do Marco Zero, por exemplo, mas eu graças a Deus, hoje tenho os meus outros projetos”.

Com a suspensão do carnaval,  milhares de artistas populares que garantem o sustento na festa enfrentam uma situação delicada. Para ajudar alguns desses artistas, e principalmente chamar atenção do poder público de que os mestres e artistas estão passando necessidade, a vereadora Liana Cirne (PT) fez a doação da verba do Auxílio-Paletó para quatro grupos de cultura popular do Recife. Foram compradas 200 cestas básicas e distribuídas entre as agremiações Cruzeiro do Forte, do Cordeiro; Caboclinho Sete Flechas, de Água Fria; Daruê Malungo, da Campina do Barreto, e Maracatu Nação Estrela Brilhante do Recife, do Alto José do Pinho.

O que o poder público vai fazer para garantir recursos aos grupos, artistas, mestres, mestras e profissionais da cultura envolvidos com Carnaval, isso também faz parte da política cultural.

Ator, diretor e jornalista Manoel Constantino. Foto: Reprodução do Facebook

“Diante de um quadro degenerativo e de desmonte que à cultura vem sofrendo no Recife é de extrema importância a escuta, saber, de fato, as nossas demandas, desencadeando um processo de abertura vital, no que tange a ocupação do centro e da periferia, com a produção cultural realizada por seus agentes”, aponta o jornalista, poeta e ator Manoel Constantino.

Diógenes D Lima insiste no assunto. “Dialogar é o início da solução do problema, mas dialogar não é uma prática dos políticos. Sabemos muito bem disso. Eles pensam que Recife e Pernambuco dormem o ano inteiro, só acordando no Carnaval, São João e Natal e isso é uma tremenda ignorância”, critica. E aponta a responsabilidade: “Penso que a prioridade atual é assistir a todos os fazedores de cultura da região (falo região e não apenas o município, porque a cultura do Recife é feita por gente de outras cidades também e essas pessoas viviam no Recife e do Recife antes da pandemia) bem como os que mantém espaços culturais.. A prefeitura tem que viabilizar meios de manter a cultura viva, mesmo com tudo fechado para eventos”.

A atriz Gheuza Sena enxerga como preocupante a manutenção da cultura, dos equipamentos de cultura durante todo o ano. “É preciso criar realmente um movimento que ajude os artistas ao longo do ano. Independente de ciclos já estabelecidos, focar nessa questão de como desenvolver atividades que ao longo do ano fomentem essa vivência dessas pessoas”.

“Tem tanta coisa para Ricardo Mello e José Manoel tentarem consertar que chega ser difícil apontar por onde começar!”, comentou Paula de Renor, no início do mês. “Sabe casa totalmente desorganizada? Bem, acho que não existe gestor bom sem dinheiro, e essa gestão tem que conseguir aumentar o orçamento municipal anual para a cultura, que é vergonhoso. A luta de todos deve ser esta! Além disso, é preciso reestruturar o Conselho Municipal de Cultura, O Sistema de Incentivo a Cultura, o Plano Municipal de Cultura. Fazer uma ponte entre a cultura e o turismo, buscar soluções para a manutenção dos equipamentos culturais do município. E, o mais importante, promover uma gestão compartilhada entre a Secretaria e a Fundação de Cultura, na elaboração e execução de uma política cultural com ações permanentes e continuadas, democráticas, transparentes e acessíveis”. 

Além do diálogo com a classe artística para ouvir as demandas e necessidades reprimidas, o coreógrafo e bailarino Raimundo Branco aponta que é preciso repensar o edital do SIC. “A forma como ele está não atende às artes cênicas. Ele precisa ser revisto para atender a produção como um todo: pesquisa, montagem, formação, fruição, documentação, manutenção”, acredita Branco. O coreógrafo também cobra um posicionamento sobre o papel da representação de dança dentro da FCCR e da Secretaria de Cultura, a valorização do artista e da cultura pernambucana nos grandes eventos e o fim da política de balcão.

Agrinez Melo, Naná Sodré e Samuel Santos, integrantes d’O Poste.

O Grupo O Poste também reivindica a mudança do edital do SIC, “pois ele é excludente e direcionado. E precisa incentivar a linha de fruição, montagem, pesquisa, circulação, formação para os artistas pretos e pretas e artistas em geral. O atual edital é falho”, pensam os integrantes de O Poste.

Agrinez Melo, Samuel Santos e Naná Sodré, do grupo O Poste clamam por ações de visibilidade para negritude. “Faz 16 anos que o grupo existe e tudo que conseguimos foi mérito nosso, com muito sacrifício. Desde o Espaço O Poste ao Festival Luz Negra. Nunca fomos aprovados em editais da prefeitura”. Entre seus pleitos estão “representantes da negritude dentro do quadro de profissionais culturais da prefeitura; incentivo a espetáculos, formação, festivais negros; atividades formativas e de pesquisa na poética negra em todas as esferas artísticas e fomento aos nossos espaços culturais, nossos quilombos artísticos que servem não só de local para apresentar os nossos trabalhos, mas também de acolhimento e escuta para tantos artistas”.

O jornalista Manoel Constantino argumenta que que “se faz urgente que esta nova gestão entenda que a nossa produção cultural possui uma cadeia extremamente competente, geradora de emprego, renda e de entretenimento, tão fundamental quanto os ciclos tradicionais. A gestão deve priorizar o fomento do dia a dia da cultura. E não apenas sazonalmente”. 

E dá como exemplo os imóveis da PCR no Centro e na periferia, que poderiam ser ativados como centros culturais de vivências. “O Pátio de São Pedro, está lá, com casas pertencentes à PCR que poderiam ser espaços vivos da cultura”. Constantino também sugere a reativação do concurso literário do Recife, que é Lei e a reabertura da Livraria da FCCR, voltada para as obras de autores de Pernambuco. “Há tantas possibilidades. E aí depende da vontade política. Vontade política que entenda que a produção cultural é também mola propulsora do PIB”.

Já Quiercles Santana sugere que documentos sejam revisitados, como a última Conferência Municipal de Cultura, para examinar esses arquivos com urgência, porque quase nada foi implementado. O diretor considera que o campo teatral passa por “uma enorme a indigência”. “Os edifícios teatrais estão ferrados, caindo aos pedaços, pedindo socorro. É problema com falta de equipamentos de som e luz (ou com instrumentos obsoletos), com central de refrigeração deficiente, com equipes técnicas e administrativas defasadas. Os diversos festivais que a cidade abriga devem ser ressignificados”. 

Inspirado, Quiercles Santana aponta muitas propostas, entre elas a retomada de projetos como o PAC (Programa de Animação Cultural) e o FALE (Fórum de Acesso Livre ao Estudante), que tinham Fátima Pontes e o padre Reginaldo Veloso à frente, alguns anos atrás. “Na época, escolas recebiam nos finais de semana pessoas ligadas ao teatro, à dança, ao circo, à grafitagem, ao canto-coral, à capoeira, à percussão, às artes visuais, à música e faziam produções muito potentes. Discutia-se sobre sexo, família, futuro, trabalho, drogas, tudo. Era emocionante ver o espírito crítico florescendo nas comunidades de base. Super importante para sairmos da Idade Média em que estamos metidos. Foi deixando as comunidades ao deus dará, que os filhos de Deus estão fazendo o papel que é do poder público. E a arte e a cultura podem ser armas potentes de educação estética e política. Temos artistas importantes que podem circular com oficinas e cursos mais duradouros”.

Oséas Borba toca em outro ponto que é a burocracia de licença de solo para quem trabalha com eventos de rua, como ele, que coordena o Sarau das Artes. “É muito desgastante para qualquer produtor ter que ir em vários lugares, vários órgãos diferentes, para conseguir uma licença para fazer um evento na rua. Então é preciso democratizar isso para os artistas que trabalham com eventos na rua. Além de dar uma atenção especial ao Recife Antigo, ao bairro Boa Vista, a todos esses casarões. Tem muito casarão abandonado que pode virar, como tem pé direito os altos, podem virar excelentes espaços culturais”, sinaliza.

Essas apostas ou mesmo declarações de desconfianças dos artistas da cena traduzem a vontade de que o cenário artístico-cultural do Recife volte a ser vigoroso e vibrante. Nós torcemos para que a capital pernambucana reverta essa condição de apatia e exerça um papel preponderante na cultura do país, que seus artistas tenham toda as condições necessárias para alçar altos voos, realizar seus projetos e exercer o talento. Com reconhecimento, respeito e incentivo do estado. Vamos desejar, que o desejo movimenta o mundo. 

 

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27º Janeiro de Grandes Espetáculos tem programação enxuta, presencial e digital

Janelas para Navegar Mundos, do Coletivo Trippé, de Petrolina. Foto: Wiharlley Rubson

Tudo é uma questão de referencial. A 27ª edição do Janeiro de Grandes Espetáculos – JGE Conecta começa nesta quinta-feira (7) com uma programação enxuta: 35 espetáculos exibidos on-line e 13 presenciais, no Teatro de Santa Isabel, Teatro do Parque e Teatro Luiz Mendonça. No ano passado, uma edição construída depois do revés de 2019 –  que cancelou a apresentação da atriz Renata Carvalho, ocasionando desistências de apresentações de vários grupos em solidariedade à artista – , o festival contou com 90 atrações e programação na capital e em mais seis cidades: Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe, Goiana, Caruaru, Garanhuns e Serra Talhada.

As circunstâncias relativas à pandemia do coronavírus e as restrições econômicas brecaram o ímpeto megalomaníaco costumeiro do festival, mas marcaram uma posição importante de existência/resistência. Além disso, é possível dizer que a programação 2021 tem coerência e a marca de José Manoel Sobrinho, gerente de programação do festival, recém empossado presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife.

A programação inclui, por exemplo, três espetáculos da região Norte: Mestiçagem / Megesitsem, da Contém Dança Cia; Jogo do Bicho, do grupo Garagem (ambos grupos do projeto de residência de Artes Cênicas do Sesc Amazonas, de Manaus); e Lugar da Chuva, do coletivo Frêmito Teatro, do Macapá, em parceria com o Agrupamento Cynétiko, de São Paulo. “O Nordeste precisa dialogar com a produção de todas as regiões do Brasil. Procurei aproximar um pouco mais o Norte, apesar da dificuldade que se tem”, diz José Manoel.

Outra marca dessa programação é a participação massiva de grupos do interior do estado – uma queixa antiga que foi resolvida este ano, em parte, pelas “facilidades” do digital. Só de Petrolina, no Sertão pernambucano, temos os espetáculos Cavalo, da Qualquer um dos 2 Companhia de Dança, que será presencial, no Teatro do Parque; Janelas para navegar mundos (on-line) e Debaixo d’Água, presencial, no Teatro de Santa Isabel, ambos do Coletivo Trippé; Rua dos Encantados, da Cia de Teatro Sarau das Seis; Sentimentos Gis, de Cleybson Lima; Desalinho, do Núcleo 27 de Dança; e Processo Medusa, do Núcleo Biruta de Teatro.

Cavalo, espetáculo da Qualquer um dos 2 Companhia de Dança. Foto: Thierri Oliveira

Grupos consolidados da capital pernambucana, que participam com frequência do Janeiro de Grandes Espetáculos, desta vez não estão na programação. “Os grupos de referência não estão presentes porque não se inscreveram”, explica José Manoel. “O interior inscreveu muito mais do que a Região Metropolitana do Recife. Nenhum espetáculo de dança da Região Metropolitana se inscreveu para a programação presencial. Nós não tínhamos nem a oportunidade da escolha, porque não houve inscrição”, complementa.

Outra perspectiva para a ampliação das inscrições do interior pode estar na participação da Ripa – Rede Interiorana de Produtores, Técnicos e Artistas de Pernambuco na comissão de seleção, que pensou a programação 2021, e fez uma divulgação massiva do edital. Além de Djaelton Quirino, representante da Ripa, participaram da comissão Gheuza Sena (atriz do Recife), Genivaldo Francisco (representante da Amotrans – Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de PE) e Clara Isis Gondim (bailarina de Petrolina).

O Botequim da Elizeth Cardoso, espetáculo assinado pela Amotrans. Foto: Divulgação

Outra questão que talvez deva ser levada em conta é que o edital pedia que os espetáculos inscritos nunca tivessem se apresentado no festival, o que pode ter inviabilizado a participação de grupos da capital que não estrearam trabalhos no 2020 pandêmico.

A programação não inclui também nomes mais consagrados no cenário nacional e internacional. “Não há e não houve nenhuma intenção do Janeiro de Grandes Espetáculos de manter uma distância dos ícones, das referências do teatro brasileiro ou internacional. O que houve foi uma limitação real do atual contexto que a gente vive”, confessou o gerente de programação.

Até a primeira semana de dezembro de 2020, as equipes de trabalho envolvidas no festival não tinham certeza do orçamento do JGE. A programação foi pensada com grupos que aceitaram receber percentuais de bilheteria, ao invés de cachês fixos, ou toparam se apresentar gratuitamente – principalmente aqueles que possuem ligações com grupos de pesquisas de universidades ou com o Sesc do Amazonas, por exemplo. De acordo com Paulo de Castro, diretor geral do festival, o orçamento total do JGE Conecta é de R$ 630 mil.

Novidades – Uma parte substancial da programação do Janeiro este ano integra a Mostra de Escolas Independentes de Teatro, Dança e Circo, com apresentações sem cobrança de ingressos. O público será chamado a colaborar com os valores que desejar e o total será dividido entre os grupos.

Segundo José Manoel, “a mostra tem um caráter pedagógico, de discutir sustentabilidade, como sobrevivem as escolas independentes de teatro, dança e circo que, de fato, são grandes formadores hoje de artistas em Pernambuco. O conceito de qualidade passa pela possibilidade da vivência”.

Outra novidade é a inclusão da linguagem do circo como uma categoria do Janeiro, ao lado de Teatro adulto, Teatro para infância e juventude, Dança, Música e Mostra de Escolas Independentes de Teatro, Dança e Circo.

Desobediência, da Escola O Poste. Foto: divulgação

Abertura – Mesmo que a cerimônia de abertura vá acontecer de forma online, não vai ser desta vez que os espectadores se livraram dos tradicionais e tediosos – com raríssimas exceções – discursos da noite inaugural. A conta do Instagram do festival marcou a participação do secretário de Cultura de Pernambuco, Gilberto Freyre Neto, do prefeito do Recife, João Campos, do secretário de Cultura do Recife, Ricardo Mello, e de José Manoel Sobrinho, gerente de programação da edição 2021 e agora presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife.

Os homenageados desta edição foram divididos por categoria. Na música, o maestro Ademir Araújo e a pianista Ellyana Caldas. No teatro, o escritor e dramaturgo Ronaldo Correia de Brito e a atriz Arari Marrocos, de Caruaru. No circo social, a artista-educadora Fátima Pontes; e, no circo popular, o mágico Alakazam. Na dança, o artista e pesquisador Jailson Lima, de Petrolina, e a bailarina Cláudia São Bento.

A programação de abertura, que será gratuita, contará com apresentações de Laís de Assis, violeira e violonista, e de Gabi da Pele Preta, que se autodenomina “cantriz”. A mestre de cerimônias será a atriz Fernanda Spíndola.

Bilheteria – Tanto para os espetáculos presenciais quanto para os que vão acontecer on-line, os ingressos custam R$ 20 (com cobrança de taxa adicional de R$ 2,50 pela Sympla). As transmissões dos espetáculos online vão acontecer pelo YouTube do festival e algumas conversas chamadas de “Palavração”, pelo Instagram.

PROGRAMAÇÃO GERAL
27º JANEIRO DE GRANDES ESPETÁCULOS – JGE CONECTA

07/01 – quinta-feira

19h30 – Abertura do 27º JGE  (on-line)
Apresentações de Laís de Assis (Recife) e Gabi da Pele Preta (Caruaru)
Gratuito

08/01 – sexta-feira

19h30 – JGE CONECTA AO VIVO – Música (presencial) – Teatro Luiz Mendonça
Augusto Silva & Frevo Novo (Recife) 

21h – JGE CONECTA TEATRO (on-line) – Caipora Quer Dormir  – um espetáculo infantil para adultos (Giselle Rodrigues Britto e Jonathan Andrade, Grupo de Pesquisa MOVER, do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília – UnB     

Caipora Quer Dormir – um espetáculo infantil para adultos. Foto: Diego Bresani

09/01 – sábado

16h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
Desobediência (Escola O Poste de Antropologia Teatral, Recife)
Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

19h30h – JGE CONECTA AO VIVO – DANÇA (presencial) – Teatro do Parque
Cavalo (Qualquer um dos 2 Companhia de Dança, Petrolina) 

21h – JGE CONECTA MÚSICA – (on-line)
Chris Nolasco – Sou Negra (Recife) 

10/01 – domingo

19h30 – JGE CONECTA AO VIVO – CIRCO (presencial) – Teatro Luiz Mendonça
Enquanto Godot não Vem (Cia. 2 em Cena, Recife) 

21h – JGE CONECTA DANÇA (on-line) – À um Endroit du Début (A um lugar do Início, com Germaine Acogny, École des Sables,, Dakar – Senegal)

11/01 – segunda-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

16h – JGE CONECTA TEATRO PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE (on-line)
Re te Tei (Tropa do Balacobaco, Arcoverde) 

21h – JGE CONECTA TEATRO ADULTO (on-line)
A Paixão de Brutus – Um Teatro – Canção sobre o Julio Cesar de Shakespeare (Pedro Sá Moraes, Rio de Janeiro) 

12/01 – terça-feira

21h – JGE CONECTA DANÇA (on-line)
Janelas para navegar mundos (Coletivo Trippé, Petrolina) 

13/01 – quarta-feira

19h – JGE CONECTA TEATRO ADULTO (on-line)
Cachorros não Sabem Blefar (Grupo? Que absurdo!, Caruaru) 

21h – JGE CONECTA MÚSICA. (On-line)
Trajetória Instrumental (Recife) 

14/01– quinta-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

16h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
E nós que nos Queríamos tão Bem (Curso de Interpretação para o Teatro, CIT, Sesc Piedade – Jaboatão dos Guararapes)                                                                                                                              Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

20h – JGE CONECTA AO VIVO – TEATRO (presencial) – Teatro de Santa Isabel
Depois do Fim do Mundo (Cia Experimental de Teatro, Vitória de Santo Antão)

21h – JGE CONECTA DANÇA (on-line)
DNA do Passo (Grupo Destramelar, Recife) 

15/01 – sexta-feira

18h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
Experimento Multimídia: um Jogo Dialético (Curso de Interpretação para o Teatro, CIT, Santo Amaro, Recife                                                                                                                                     Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

19h30 – JGE CONECTA AO VIVO – MÚSICA (presencial) – Teatro do Parque
Viva Pernambuco Ano 20 – André Rio e Convidados: Maestro Fábio Valois e Luciano Magno (Recife) 

21h – JGE CONECTA TEATRO ADULTO (on-line)
Rua dos Encantados (Cia de Teatro Sarau das Seis, Petrolina)

16/01 – sábado

16h – JGE CONECTA AO VIVO – DANÇA PARA CRIANÇAS (presencial) – Teatro de Santa Isabel
Debaixo d`Agua (Coletivo Trippé, Petrolina) 

18h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
O Despertar (Curso de Teatro Cênicas Cia de Repertório, Recife)                                                          Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

21h – JGE CONECTA MÚSICA (on-line)
Revoredo (Garanhuns) 

17/01 – domingo

16h – JGE CONECTA AO VIVO – Teatro para Crianças e Jovens (presencial) – Teatro do Parque
O Espelho da Lua (Tropa do Balacobaco, Arcoverde) 

18h – JGE CONECTA CIRCO (on-line)
O Matuto (Rapha Santacruz, Recife) 

21h – JGE CONECTA DANÇA (on-line)
Sentimentos Gis (Cleybson Lima, Petrolina) 

18/01 – segunda-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

16h – JGE CONECTA TEATRO PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE (on-line)
Salve o Marmulengo (Mamulengo Jurubeba, Recife) 

21h – JGE CONECTA Dança (on-line)                                                                                                 Trastos (Juliana Atuesta, Bogotá, Colômbia) 

19/01 – terça-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

16h – JGE CONECTA TEATRO PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE (on-line)
Memórias da Emilia (Grupo de Teatro Ená Iomerê, do Colégio Diocesano de Caruaru) 

21h – JGE CONECTA TEATRO (on-line)                                                                                                  Lugar da Chuva (Frêmito Teatro, Macapá, e Agrupamento Cynétiko, São Paulo )

20/01 – quarta-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

19h – JGE CONECTA TEATRO ADULTO (on-line)
Congresso do Kaos (Teatro do Amanhã, Jaboatão dos Guararapes) 

20h – JGE CONECTA AO VIVO – MÚSICA (presencial) – Teatro de Santa Isabel
Pajeú de Cantoria e Contações: Paulo Matricó (Tabira) 

21/01 – quinta-feira

19h – JGE CONECTA AO VIVO – TEATRO (presencial) – Teatro do Parque/jardim
Ópera D’Água (Reduto CenaLAB, Surubim) 

19h – JGE CONECTA DANÇA (on-line)                                                                                      Mestiçagem / Megesitsem (Contém Dança Cia, Projeto de Residência de Artes Cênicas do Sesc Amazonas, Manaus)
Gratuito

21h – JGE CONECTA TEATRO (on-line)                                                                                                      Sonhares (Teatro do Instante, vinculado ao Grupo de Pesquisa Poéticas do Corpo, da Universidade de Brasilia – UnB)
Gratuito

22/01 – sexta-feira

16h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
Processo Medusa (Núcleo Biruta de Teatro, Petrolina)
Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

19h30 – JGE CONECTA AO VIVO – MÚSICA (presencial)
Lua Costa Canta Vanessa da Mata (Jaboatão dos Guararapes) – Teatro Luiz Mendonça

21h – JGE CONECTA TEATRO (on-line)                                                                                                       Jogo do Bicho (Grupo Garagem, Projeto de Residência de Artes Cênicas do Sesc Amazonas, Manaus                                                                                                                                              

23/01 – sábado

16h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
Contos em Dor Maior (Escola de Teatro Fiandeiros, Recife
Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

20h – JGE CONECTA AO VIVO – TEATRO (presencial) – Teatro de Santa Isabel
Desatinos (Cia Capela Alquímica, Recife) 

21h – JGE CONECTA MÚSICA (on-line)
Istmo Digital (Sargaço Nightclub, Recife)

24/01 – domingo

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

18h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
DiverCircus (Escola Pernambucana de Circo, Recife)
Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

19h30 – JGE CONECTA AO VIVO – TEATRO (presencial) – Teatro do Parque
O Botequim de Elizeth Cardoso (Amotrans – Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco, Recife) 
Ingresso: 1 quilo de alimento

21h – JGE CONECTA TEATRO (on-line)                                                                                                   Pele Negra, Máscaras Brancas (Cia de Teatro da UFBA, Salvador)

Pele Negra, Máscaras Brancas. Foto: Adeloyá Magnoni

25/01 – segunda-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

18h – JGE CONECTA ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
Desalinho (Núcleo 27 de Dança, Petrolina)
Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

21h – JGE CONECTA MÚSICA (on-line)
Violão Solo Nordestino (Renan Melo, Pesqueira) 

26/01 – terça-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

16h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
O Desagradável Nelson Rodrigues (Teatralizar Curso de Teatro, Paulista)
Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

21h – JGE CONECTA TEATRO (on-line)                                                                                              Opereta Popular Canto de Reis (Coletivo Terra, Crato)

27/01 – quarta-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

16h – MOSTRA JGE ESCOLAS INDEPENDENTES DE TEATRO, DANÇA E CIRCO (on-line)
Ubu, O Rei do Gado (Escola Municipal de Arte João Pernambuco, Recife)
Gratuito com campanha de arrecadação no Picpay e QR Code

20h – JGE CONECTA AO VIVO – Música Instrumental (presencial) – Teatro de Santa Isabel 
Festa Eslovaco Pernambucana  (Coletivo Brasil-Eslováquia, Conselho de Artes Eslováquia)

28/01 – quinta-feira

10h – JGE CONECTA PALAVRAÇÃO – (on-line)
Conversas virtuais

19h30 – JGE CONECTA ENCERRAMENTO
PRÊMIO JGE COPERGÁS – Teatro do Parque

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José Manoel Sobrinho dá “nó em pingo d’água”

 

José Manoel Sobrinho, encenador, professor e gestor cultural. Foto: Anderson Freitas

Pelo porte franzino, ele bem que poderia ser um personagem de Ariano Suassuna, João Grilo ou Chicó. Pela atitude ligeira e o gosto pelos desafios e os triunfos nas pelejas da vida pode lembrar Trupizupe, o raio da Silibrina, figura criada para o palco por Bráulio Tavares. José Manoel Sobrinho é um agrestino de Bezerros, que tem sua marca na história do teatro brasileiro a partir de Pernambuco.

Não são poucas as suas façanhas. De montagens teatrais que dirigiu, ele contabiliza mais de 100. Além de encenador e ator, tornou-se um articulador afiado nas reentrâncias da política cultural.

Durante 42 anos foi funcionário do Sesc-PE, chegando ao cargo de gerente de cultura, o mais importante do organograma para a área. Foi desligado da instituição no mês de agosto e recebeu o apoio da classe artística que redigiu uma carta dos fazedores da Cultura para exaltar a importância da atuação de “Zé Manoel”. Sob sua liderança, foram estruturadas redes de fortalecimento da cultura pernambucana e com o Brasil.

Por alguns dias sentiu na pele a insegurança que é comum à maioria dos artistas brasileiros, que vivem de produção. Desde os 17 anos, trabalhava com emprego fixo. Mas, uma semana depois, ele já está envolvido com várias atividades culturais, algumas remuneradas, outras não. É a sua natureza. Não ficar parado e ser generoso.

Acostumado com a casa cheia de gente desde criança, de parentes e agregados, ele adotou isso como hábito e seu apartamento é sempre um pouso para os amigos. Isso diz muito do seu jeito de encarar a vida, com trocas e aprendizados.

“Sou um artista, um educador que se transformou em gestor da cultura e isso não foi sem dor, sem luta. É triste de dizer, mas optar por artes em um país como o Brasil é quase uma insanidade”. Quem pode dizer que ele não tem razão? Com tudo que ocorre neste país? A sensação que temos é que a Cultura está sempre em risco. “Sempre que se instaura uma crise é a cultura a mais penalizada”.

Vamos “ouvir” o que o filho de Seu Eloi e dona Estefânia, pai-do-coração de Cláudio Siqueira, tem a nos contar sobre sua experiência neste Planeta azul. É uma longa entrevista.

 

Meu pai viajava muito, por conta das empresas em que ele trabalhava.
Eram aventuras incríveis: até os meus 11 anos eu me mudei 30 vezes

Como foi sua infância? Quais as lembranças mais marcantes?

Meu avô paterno, João Noel, era sanfoneiro, tocava 8 baixos. Eu adorava ficar vendo. Aprendi a ler com os livros de cordel, os almanaques do Biotônico Fontoura, Carta do ABC, Tabuada. Minha tia-madrinha, Zoé, cantava lindamente. E dançava. E eu dançava muito nos bailes de forró que aconteciam na casa de meu avô paterno. Eu cantava e dançava muito. Cantava agudíssimo seguindo o tom de minha madrinha. E durante a semana passava as tardes no bananal, cortando cachos de banana e cantando o repertório. Depois ia cortar palma pras vacas ou fazer farinha na Casa de Farinhas.

Em Bezerros, ainda no sítio, tinha as festas na fazenda de Dona Carmem Moury Fernandes: São João (pamonha, canjica, milho assado, fogueira e fogos) , Natal, Páscoa, as manifestações populares, o pau-de-sebo, os fogos de artifício. Tinha também os terços e as noitadas religiosas onde eu cantava nos catecismos, acompanhava as rezas.

Teve uma época que eu achava que seria padre.

Outro dado da minha infância é que fiquei pouco tempo fixo em uma escola: meu pai viajava muito, por conta das empresas em que ele trabalhava. Eram aventuras incríveis: até os meus 11 anos eu me mudei 30 vezes: Bezerros, Pesqueira, Gravatá, Vitória de Santo Antão, Jaboatão dos Guararapes, Sirinhaém e Recife. Era um vai-e-vem enorme, ficávamos pouco tempo nos lugares.

Meu pai trabalhava em consertos de estradas, pistas, vias públicas e a gente o acompanhava para todo canto. Por isso, somente entrei em uma escola regular na antiga quarta série. Tive que fazer um exame de admissão, porque não tinha nenhum registro escolar, anterior. Tenho poucas memórias de escolas, professores, amigos de turma até chegar aos 12 anos de idade.

Bom, é importante que diga que éramos muito pobres, meu pai chegou a pedir esmolas para nos dar alimentação. Ele mesmo passou muita fome procurando emprego, foi vítima de exploração de mão de obra, trocou voto por vaga de emprego sem nem sequer saber o que era isso. Muito subemprego, trabalho assalariado, abuso de poder, coronelismo no Agreste, empreiteiros, usineiros. Meu pai chegou a se deslocar de Bezerros até Timbaúba – uns 180 km, de bicicletas -, à procura de emprego, por causa de um boato de que uma usina abrira vagas. E era boato mesmo.

Mas, as minhas memórias são de um casal feliz, trabalhador, “fazedor de menino”. Lembro do nascimento de minha irmã, Jô Francisca, bilheteira do Teatro Arraial Ariano Suassuna. Foi uma noite de fogos, pirão de frango, arroz branco e, para os adultos, cachimbada, uma bebida alcoólica, com mel. E muitas visitas com presentes para a menina.

E sua juventude?

Minha juventude foi de muito trabalho. Sou de família pobre. Sou uma pessoa de classe média. Desde os 12 anos que trabalho. Fui vendedor de picolé em Prazeres e na Praia de Piedade, – cheguei a vender 200 por dia; vendi bananas na feira, vendi sandálias, revistas e gibis, vendi artesanato de isopor na feira de San Martin. Ainda fui entregador de refeição a motoristas e cobradores de ônibus. Depois comecei aos 14 anos a dar aula de reforço escolar; cheguei a ter mais de 20 alunos. Finalmente, virei comerciante em casa, abrimos uma “vendinha” que no começo eu tomava conta.

Tirei muita água de dentro de casa. Quando chovia, a nossa casa era inundada. Foram muitas noites acordados, enfrentando as cheias de Prazeres. Foi uma juventude cheia de aventuras e trabalho.

Sofri muito bullying, porque não tinha farda ou sapato pra ir à escola e porque era magro, tímido e sem porte de elegância. Esse período foi ruim – era sempre o último nas filas, mesmo quando eu era o mais alto da turma.

E estudava muito. Lia todas as revistas e gibis e colecionava álbuns de figurinhas. Eu inventava muita coisa. Estudei um pouco da trajetória da italiana, de Gênova, Beata Paola Frassinetti, criadora da Congregação das Irmãs Doroteias, para participar de um programa de TV, que, graças a Deus, não fui: Silvio Santos.

Nesse período andei quilômetros de bicicleta, dancei em muitas festas na minha casa ou nas dos vizinhos. E, realmente, namorei. Naquela época eram namoros românticos, de jovens, mas depois dos 17 anos dei um tempo. Melhor pular essa parte.

Aos 14 anos comecei a fazer Teatro no Colégio Paola Frassinetti, em Prazeres. Frequentei muito a Biblioteca Central de Pernambuco e o Gabinete Português de Leituras – nossas viagens eram de trem. Alguns passeios me são inesquecíveis: a Festa da Pitomba dos Montes Guararapes, andar de lancha da CTU no Rio Capibaribe com meus irmãos menores, ir à Praia de Piedade. Ah! E no final de ano passear pelo Recife para ver a decoração de Natal.

Lia tudo o que era publicado em edições populares da Literatura Brasileira. Aos 17 anos já estava dando aulas em uma escola e aos 18 comecei a dar aulas no mesmo Colégio Paola Frassinetti, meu primeiro emprego formal.

 

DE ATOR A ENCENADOR

 

Sistema 25, sobre o sistema prisional. Fotos: Rogério Alves

Foto de 1974, no Colégio Paola Frassinetti, primeira ação em Teatro: O Deus Único, de Érico Veríssimo.

Mário Antonio Miranda, José Manoel e Carlos Lira em A bomba, de 1979

A bomba, de Alexandrino Souto, com direção de Mário Antonio Miranda. 

Mário Miranda, Carlos Lira e José Manoel

Montagem Beckett and Lispector  com direção de Breno Fitipaldi, no Teatro Joaquim Cardozo

Então como você foi atraído para o teatro?

Fui atraído para o teatro por uma professora de português do Colégio Paola Frassinetti, em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes, e depois pelo Teatro Experimental de Olinda, com Valdi Coutinho. Foi Valdi quem me deu todas as oportunidades, me iniciou em tudo. Comecei como ator sob direção de Carlos Bartolomeu, no espetáculo Debu Le Rá, com adaptação de Bartolomeu a partir de obra de Oswald de Andrade.

Como ator fiz poucas coisas e me orgulho muito de ter passado pelo Teatro de Amadores de Pernambuco em A Capital Federal e A Promessa, de Luiz Marinho, como ator substituto. Dividir cenas com Geninha da Rosa Borges, Reinaldo de Oliveira, Diná de Oliveira, Renato Phaelante, Fernando de Oliveira, Vicentina do Amaral… Fico comovido quando penso nisso: dividir cenas com esses e essas gigantes. 

Você atuou pouco como ator, por quê?

Eu me transformei em encenador por necessidade, por sorte, por senso de oportunidade, mas eu queria mesmo era ser ator. E depois que eu comecei a dirigir, essa rotina foi enfraquecendo o ator que há em mim. Muito comprometido com a direção de espetáculos fiquei sem tempo para estudar e praticar interpretação. Conto nos dedos os espetáculos que fiz como ator: 3 no Teatro Experimental de Olinda; 6 na TTTrês Produções Artísticas; 2 no Teatro de Amadores de Pernambuco e alguns poucos independentes, dentre eles Seltrap, com Luiz Felipe Botelho e Beckett and Lispector, com Breno Fittipaldi, em ambos eu dei muito trabalho aos diretores.

Fui dirigido ainda por Carlos Bartolomeu, Mário Lima, Reinaldo de Oliveira, Geninha da Rosa Borges, Antônio Carlos Vander Vélden, Mário Antônio Miranda, Carlos Varella: poucos, para quem tem 45 anos de carreira, mas com quem aprendi muito.

Além de pouco tempo pra estudar interpretação, comecei a ficar com medo. É uma pressão muito grande, uma cobrança muito grande, talvez excesso de zelo ou insegurança mesmo. O fato é que tenho certeza, eu deveria ter me focado mais na carreira de ator.

Como foi sua formação na área?

Como eu disse, o início como encenador foi uma necessidade do grupo, uma urgência, era difícil ter diretores disponíveis para trabalhar com artistas e grupos da periferia. Participei de muitos cursos, oficinas, ações formativas, movimentos políticos e, principalmente, muitos festivais de teatro. Os festivais foram as principais escolas de minha geração.

Como você qualificaria sua educação formal?

Absolutamente atípica. Já falei que entrei numa escola e me mantive com regularidade a partir da quarta série, depois fui pra escola privada, graças a uma bolsa que meu pai conseguiu com Maria de Lourdes Chaves, proprietária e Diretora do Colégio Paola Frassinetti. Ela foi minha maior incentivadora. Lá eu fui presidente do Centro Cívico e vivi a experiência do movimento estudantil. Concluí o antigo primário e o científico (fundamental e médio), já emendei com a Fesp, cursando História, depois fui para a Funeso – Olinda, novamente História, de onde saí para a Universidade Federal de Pernambuco, Licenciatura Plena em Educação Artística (fui jubilado no quinto ano). Depois fui fazer Administração em Marketing, que odiei, e finalmente, o Curso de Letras (Vernáculo). Cursei todas as disciplinas de uma Especialização em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, mas não apresentei o texto final. Explico: Eu fazia muito Teatro e viajava muito, passava muito tempo fora do Recife e com isso eu atrasava o curso e desistia. Errei. Pronto. Reconheço. Entrei em muitas faculdades, mas sai de todas. Somente me formei em Letras, aos 50 anos. Não faria isso, hoje. Mudaria o rumo dessa prosa.

Quais são as suas expertises?

Não sei cozinhar, nem dirigir veículos, nem nadar, nem tocar instrumentos musicais: queria muito tudo isso. Andar de bicicleta é meu maior orgulho, andar bem. Sou datilógrafo de certificado e tudo. A vida me levou por muitos caminhos e lugares. Acho que minha maior expertise é viajar, fazer amizades, reconhecer os méritos de todos os outros. Sou um trabalhador inveterado e incansável,

Você montou mais de 100 espetáculos no período de 1977 até 2020. Como foi essa proeza?

Hoje eu entendo que foram muitas as motivações e pelo fato de não ter medo de arriscar. Foram escolhas por força do meu desejo de associar o trabalho de encenador ao de ativista político. Quando eu dirigia um espetáculo para um grupo eu aproveitava para, na medida do possível, participar do processo de organização e fortalecimento do grupo. Muitos desses trabalhos eu fiz por meio de projetos e como conclusão dos vários cursos que ministrei. Também pelos muitos convites que recebi de produtores. Tive a oportunidade de trabalhar com quase todos os produtores do Recife dos anos 1980 e 1990. Tem um fato que preciso frisar, eu era muito organizado com as questões de tempo, agenda muito disciplinada o que me dava condições de dirigir alguns espetáculos, simultaneamente.

De que forma você classificaria essas encenações? É possível agrupá-las por temática? O que existe em comum entre essas montagens?

De certo modo é possível agrupar: montagens de conclusão de cursos e de projetos; espetáculos da TTTrês Produções Artísticas e dos grupos do Sesc; montagens dos grupos independentes e dos produtores. Em comum entre a maioria, a narrativa política, recortes ideológicos, compromisso social. Nunca desassociei meu trabalho de encenador das lutas políticas. Agrupar por temáticas (luta das mulheres, erotismo, morte, lutas sociais, liberdades humanas etc.), ainda poderia identificar espetáculos para crianças e jovens, de rua, para espaços alternativos.

Avoar, de 1987, pela TTTRES Produções Artísticas, ficou 10 anos em circulação. Com direção musical de André Filho, iluminação de Xislane Ramos de Pontes . Elenco: Carlos Lira , Cira Ramos, Paulo De Pontes, Flávio Santos, Otacílio Júnior, Rudimar Constâncio, Ivone Cordeiro, Célio Pontes, Hamilton Figueiredo e Kátia Ribeiro. 

O que motivou as escolhas, esses espetáculos, esses autores?

Não há uma resposta conclusiva, porque foram muitas as motivações. Sobre a dramaturgia brasileira recaíram muitas das minhas opções: autores nacionais, pernambucanos, jovens autores. Há um autor com o qual trabalhei muito, o paulistano Vladmiir Capella. Conheci a obra dele através da Ingrid Dormien Koudela. Vladimir era defensor de um teatro sem faixa etária e eu também. Nós dois escolhemos trabalhar pensando nas crianças e nos jovens por um bom tempo, mas tratando de todos os temas, sem receio e da obra dele eu dirigi Como a Lua (3 versões), Avoar, Com Panos e Lendas, Antes de ir ao Baile e Píramo e Tisbe. Com ele me aproximei da APTIJ – Associação Paulista de Teatro para a Infância e a Juventude e isso fez toda a diferença. Também acompanhar os trabalhos de Ilo Krugli e Bia Lessa. A primeira montagem de Como a Lua foi decisiva para muito do que eu fiz até agora.

Por esses dias, começando a trabalhar com a Cia. Oxente, de João Pessoa, observei que além de pernambucanos, os autores paraibanos estiveram presentes na minha trajetória: Bráulio Tavares (Trupizupe, o Raio da Silibrina e Quinze Anos Depois), Altimar Pimentel ( Flor do Campo e Viva a Nau Catarineta) e José Bezerra Filho (Lampiaço, o rei do Cangão) e isso começou durante as várias temporadas que fiz em João Pessoa e no Festival de Campina Grande.

Durante um tempo fiz espetáculos como O Mágico de Oz, O Menino do Dedo Verde, Cantigas ao Pequeno Príncipe e O Regresso. Poderia elencar muitos recortes, acho que fico devendo, quem sabe eu mesmo faça um estudo mais aprofundado sobre minhas escolhas.

Há alguma peça que você se orgulha mais ou que riscaria do seu currículo? 

Nenhuma tiraria do meu currículo. Tenho o maior orgulho, inclusive dos meus maiores erros como encenador. Ao decidir dizer tantos sim, claro, que corri muitos riscos, mas quem me convidou, também se arriscou. Tenho muito orgulho de nos anos 1990 ter montado Jesus Homem, de Plínio Marcos e, de, para interpretar Jesus, ter escolhido uma atriz negra (Nika di Oliveira). Igualmente ter montado Cantigas ao Pequeno Príncipe com Érico José, também negro para interpretar uma personagem tão obviamente loura. E não só isso, pelo fato de serem negros, mas pelo fato de que nós desconstruímos narrativas enrijecidas, estereótipos.

Também me orgulho de ter, no começo dos anos 1990, ter dirigido Janos Adler, de Luiz Felipe Botelho sobre a temática do HIV. Nos anos 1980 eu montei Anjos de Guarda, de Zeno Wilde e realizamos o Teatro em Residências (De Porta-em-Porta), com mais de 100 apresentações, mais que um espetáculo, uma vivência para nós e para todas as famílias que nos receberam. Um Barco chamado Brasil, texto de Romildo Moreira para o Projeto Vamos Teatralizar a Constituinte de 1988.

Avoar, de Vladimir Capella, foram mais de 10 anos, ininterruptos, em cena e, mais recentemente a minha experiência um pouco radical com o Sistema 25, inspirado em conto de Plínio Marcos, com dramaturgia dos atores.

Essa é uma pergunta de respostas infinitas, melhor para nesses exemplos.

Ah! Tenho muito orgulho de ter trabalhado com o Grupo Loucas de Pedras Lilás, com as meninas da Casa de Passagem, com a atriz e produtora Socorro Raposo e com o produtor Bóris Trindade.

Por que foram rareando seus trabalhos?

De 1977 a 1999 fiz muitos espetáculos, mas com o meu crescimento dentro do Sesc, na função de gestor e as tarefas nos diversos projetos, inclusive na condução das políticas de cultura em Camaragibe e, por ministrar muito cursos e oficinas, a minha produção como encenador foi rareando. Tem outro fator: os grupos e as produtoras foram sendo extintos e as opções foram reduzindo. Também a minha opção por estudar literatura no curso de Letras me deixou com tempo mais reduzido. Outras escolhas, outras funções, outros caminhos.

 

ARTICULAÇÃO, AÇÃO, LINGUAGENS

 

Como foram seus processos de montagem?

Uma experiência que destaco foram as montagens para a rua, dentre elas, Um Barco Chamado Brasil, com texto de Romildo Moreira, para o Projeto Nacional Vamos Teatralizar a Constituinte e O que se Enxerga depois do Medo, de Wilma Lessa e Williams Sant’anna, com o Teatro Pesquisa Sesc: Núcleo Domínio Público.

Muita coisa mudou em cada geração, seja nos sistemas de produção, seja na dramaturgia, nas narrativas, nos temas, no modo de fazer, de lidar com atores e atrizes. Mas, foi na relação com os públicos que senti as maiores mudanças. Mais até do que nos aspectos estéticos. Antes, eram públicos enormes, hoje, o teatro é para poucos: esta mudança me chega de maneira pouco vibrante.

Quando você começou havia uma dificuldade de comunicação. Atualmente, com todos os recursos tecnológicos, é possível acompanhar procedimentos, estéticas e resultados de grupos distantes. Você entende que houve mudanças de criação e registro?

Tudo mudou muito: nos processos de criação, na temporalidade dos espetáculos, nos sistemas de produção, na estrutura dos grupos, na estética, nos modos de organização das experiências e nos registros. Algumas coisas mudaram para melhor, mais autonomia para os criadores, maior descentralização dos processos. Também muitas mudanças nas relações com a crítica e com os registros. Hoje se escreve mais, se registra mais, só os públicos que chegam menos.

Como você define sua estética e sua ética na criação dos trabalhos?

Quando paro pra pensar em tudo o que fiz, identifico claramente uma vertente política em meu teatro, uma presença ideológica. Não adianta: eu preciso me sentir útil. Há um certo compromisso com a pedagogia, com a educação, com o conceito de experiência. Sempre gostei da ideia de um espectador ativo, dentro do jogo, em muitos casos, quase atuando, pouco passivo. Sou um encenador de poucos elementos visuais, mas não abro mão de uma luz conceitual. Dos anos 1970 a 1990 eu também fui iluminador, meus espetáculos tinham forte dramaturgia de luz, e até hoje é assim> O que mudou é que eu não faço mais luz. Sou econômico em direção de arte, gosto de palco mais nu, porém, a música é um elemento dramático que recorro, antes funcionava como personagem, agora, na estética contemporânea, como dramaturgia.

Trabalho e trabalhei com muitos criadores musicais: André Filho, Allan Sales, Sérgio Kyrillos, Nando Lobo, Toinho Alves (do Quinteto Violado), Ediel Guerra (de Arcoverde), Osvaldo Costa (do Cabo de Santo Agostinho), Sagrama (Cláudio Moura), Sônia Guimarães e mais recentemente, Samuel Lira. Hoje, observo que meu teatro conseguiu acompanhar o tempo, passei por muitos fundamentos, mergulhei em muitos universos, estou em diálogo com a cena contemporânea porque entendo o fluxo e a dinâmica da cultura. É difícil, mas eu busco, estudo, pesquiso.

Como são feitas as escolhas e procedimentos de linguagens?

Não há uma regra. Muitos fatores interferem nas tomadas de decisão: o momento politico, a estrutura de produção, o perfil dos artistas, a dramaturgia de referência. Atualmente, me sinto mais frágil na relação com atores, preciso estudar mais, entender melhor este universo, mas isto não me deixa inseguro, fico mais inquieto. A juventude me provoca, me chama e eu vou.

 

TEATRO PRA CRIANÇAS E JOVENS 

 

Há especificidades, como defendia Marco Camarotti, do teatro que deve ser feito para crianças e adolescentes?

Não tenho elementos teóricos para contradizer Marco Camarotti, nosso maior estudioso e pesquisador da arte realizada para crianças e jovens, porque sei que o processo de evolução das pessoas é algo em camadas, crescente, a partir do que descobrem e experienciam em suas trajetórias. E a arte precisa reconhecer essas fases. Porém, também entendo e Marco falava sobre isso, que cada pessoa é um mundo, um universo, um mistério. E, sendo assim, reconhecemos que cada um desenvolve o seu potencial de modo diferente, a depender de sua realidade e de seu padrão social, das oportunidades e das escolhas.

Quando dirijo um espetáculo para crianças e jovens procuro construir um sistema de ações que possibilitem leituras e relações simultâneas por públicos das mais diversas idades. Sou contra a indicação etária, a classificação por idade. Eu faço porque as leis exigem e o padrão social hierárquico e autoritário me impõem. O discurso da moralidade e a prática da falsa moral cristã enclausuram , mediocrizam e enquadram os seres: tudo sob a égide da defesa da família. Sob o falso discurso da imoralidade.

Nós sabemos que a criança ao ver um corpo nu jamais trata com imoralidade ou criticidade, é apenas um corpo nu. A indecência está na cabeça dos adultos, com seus interesses e limites e medos. Objetivamente, eu construo meus espetáculos sem esta preocupação de separar crianças e jovens. E posso dizer, por causa vivida, a criança entra no jogo, basta haver a oferta da possibilidade. Quando ela não quer, dorme. E eu também acho isso bastante normal. Cabe à criança definir como e por quanto tempo se relacionará com uma obra de arte.

O que mudou para esse público desde que começou a fazer teatro?

Já tratei de temas como a morte para crianças e o resultado foi muito satisfatório, da mesma maneira que lidei sobre o nascimento sem falar de cegonha e sem esconder a verdade. Trabalhar para crianças e jovens é sempre um desafio muito grande. Pra mim, a diferença hoje em relação ao século XX é a relação com as tecnologias, e não somente com as crianças. As tecnologias estão isolando muito as pessoas e isso tem repercutido no universo do espetáculo. Penso que essa questão do isolamento social em decorrência do uso das novas tecnologias é que estará exigindo dos artistas de teatro um olhar especial e cuidadoso. Mas haverá saídas, isso haverá.

Hoje os desafios são maiores?

Não maiores, nem menores, têm a dimensão de seu tempo.

José Manoel Sobrinho, Foto: Acervo pessoal

SAÍDA DO SESC… FUTURO

 

O que significou o Sesc na sua vida?

Difícil sintetizar. Entrei no Sesc aos 19 anos e lá me mantive até os 62. Penso como sendo um território amplo, aberto, cheio de possibilidades. No Sesc fui professor de teatro (minha carteira profissional está assinada como professor de teatro, no dia 1º de Junho de 1979).
De 1977 a 1979 fui prestador de serviços e já comecei dando aulas e dirigindo o Grupo de Teatro Amador do Sesc, na Unidade de Santa Rita, no Recife. Por mais de 20 anos fui professor. Depois assumi a coordenação de cultura do Sesc Santo Amaro, no Recife, depois coordenador de Cultura do Sesc Pernambuco e finalmente Gerente de Cultura. Foi uma empresa que me reconheceu pelo trabalho. Ajudei a construir uma Rede incrível de Arte e Cultura no Sesc de Pernambuco e do Brasil. Tenho um amor enorme pelo Sesc e uma profunda gratidão. Não consigo pensar diferente. Por meio desta instituição vi surgirem artistas, pesquisadores, técnicos, professores de artes. Conheci pessoas geniais. Muito de minha formação humana, artística, intelectual foi forjada em seus territórios. Tive muita autonomia para trabalhar, pude inventar e desenvolver muitas coisas. O Sesc está conectado à minha vida, não tem como me desconectar.

Quando exercemos uma atividade com paixão, o trabalho se torna mais que obrigação / sacrifício/ meio de sobrevivência. Parecem-me que suas ações de trabalho sempre tão apaixonadas passavam de longe desse limite labutar do capitalismo. O que é o trabalho?

O trabalho? Um direito, lugar de fruição, de construção de relações. Não separo muito trabalho, construção, diálogo, enfrentamento, planejamento, carreira, salário, formação. Claro que estou me espelhando em minha experiência. Para muitos, trabalho também é violência, arbítrio, autoritarismo: nem sempre a sociedade industrial, patriarcalista, escravocrata permitiu que o trabalho fosse um lugar de libertação. Não sou ingênuo. Seja no Sesc ou nos outros lugares onde atuei, o meu trabalho esteve associado à ideia de coletivo e de criação. Ah! Não posso desassociar trabalho de renda, salário, construção de bens que me possibilitassem vida justa.

A classe artística / cultural de Pernambuco fez uma petição pública (Carta dos Fazedores da Cultura ao SESC PE) com questionamento ao Sesc por sua saída e de apoio a você pelos projetos desenvolvidos ao longo de sua trajetória. O que achou disso? [A carta e a resposta do Sesc estão copiadas abaixo da entrevista]

Eu fiquei profundamente sensibilizado com as reações de apoio a mim, tanto da classe, quanto dos integrantes da Rede Sesc em todo o Brasil e no estado. Em relação aos setores da Cultura penso que o fato de ter estabelecido uma relação franca foi o que mais me fez bem. Em uma função como a de gerente de Cultura do Sesc, a gente se vê diante de muitos desafios.

Há um princípio que eu procurei seguir sempre: se a pessoa procurava o Sesc com uma proposta e se eu percebesse que não havia possibilidade, eu dizia o não, de imediato. É preciso saber dizer não, rápido, objetivo e explicar o porquê do não. Eu disse muitos nãos, mas explicava. Se fosse algo compatível, o sim era logo e se eu tivesse dúvida pedia tempo para avaliar. Acho que essa postura me ajudou muito nas relações com o setor.

A Cultura é uma área muito penalizada e não dá para ficar adiando posicionamento. E tudo precisa ser explicado. As pessoas merecem e têm esse direito.

Sobre a carta, acho importante, um ato político, um posicionamento do setor que só tem acumulado perdas. Não me refiro ao fato de ser em minha defesa, mas por ser um alerta para todos. A luta é grande. Também um ato de generosidade para comigo. Não foi um pedido para um retorno meu, foi antes, uma reação com receio do que poderia acontecer depois. A carta é um ato político de resistência da categoria.

O que achou da escolha do seu sucessor, Rudimar Constâncio?

Rudimar Constâncio é um profissional muito preparado, um artista, pesquisador, estudioso da Cultura e da Educação, um homem formado em História, Mestre e concluindo um doutorado com o desenvolvimento de duas pesquisas, absolutamente necessárias. Um jovem de posições firmes, muito querido e respeitado no meio. Também conhece muito a Rede Sesc, tem um serviço prestado há 28 anos à Instituição e aos seus clientes. Já foi gerente das unidades do Sesc em Arcoverde e Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, e vinha conduzindo o Teatro Samuel Campelo. Diretor, professor e ator de Teatro com vasto conhecimento e incursão pelo interior de Pernambuco.

Não tenho nenhuma dúvida de que dará certo. Ele, no entanto, vai precisar muito do apoio da Direção do Sesc.> Não se faz politica de cultura sem recursos, sem liberdade de criação. Não me preocupo com a condução do Sesc, o que me preocupa é a ação predatória do atual Governo Federal com as intervenções nocivas do presidente e de seus aderentes das politicas econômicas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é o segundo maior inimigo da Arte, da Cultura, da Educação, da Saúde e de todas as politicas sociais da atualidade.

Quais são seus planos agora? Projetos adiados devem ser retomados ou iniciados, não?

Vou me candidatar a um mestrado, de preferência na área da gestão cultural. Pretendo estudar e contribuir com o setor público, principalmente junto com aos municípios. Não dá mais para que os municípios deixem as políticas de Cultura em décimo plano. Vou estruturar minha consultoria em gestão da Cultura e oferecer os meus serviços. Ajudar na estruturação do setor. Vou intensificar meu trabalho de encenador e devo acelerar o meu trabalho com a Cia Oxente de Atividades Culturais de João Pessoa. Gostaria de realizar um trabalho de ator, estou conversando com Érico José, quem sabe eu consiga construir uma proposta com ele.

Nós, da Cultura, somos militantes. Se precisar trabalhar 15 horas num dia a gente trabalha.
Isso faz uma diferença enorme 

Como diz a sabedoria popular, 42 anos não são 42 dias. É muito investimento emocional, físico, intelectual depositado nesse emprego. Conte algo que você considera especial que ocorreu no seu período de instituição? E algo absolutamente abominável? 

Nós, da Cultura, somos militantes. Se precisar trabalhar 15 horas num dia, a gente trabalha. Isso faz uma diferença enorme. Nesses 42 anos, poucos funcionários da Cultura não se engajaram nesse processo. Foram muitas as realizações, difícil nominar uma. Acho que a efetivação da Rede Sesc de Cultura no estado e sua conexão com o país. A construção ou reforma dos equipamentos de Cultura: eu estive envolvido em todos. Também a criação dos postos de trabalho, eu estive envolvido. E a direção sempre acolheu. Tenho o maior orgulho. Também na criação dos principais projetos, participei ativamente.

Tem um fato que aconteceu nos anos 1980 que foi difícil. O ex-presidente do Sesc, Manoel Ramos de Almeida se candidatou a deputado estadual pelo antigo PDS e queria que eu o apoiasse. E eu me neguei e cheguei a ser convidado a deixar o Sesc. Eu o enfrentei e não saí. Foi bem difícil. E foi caso único, porque o Sesc é apartidário, não se envolve em lutas partidárias, trabalha com as gestões independente de sua tendência. O Sesc tem autonomia.

Nessa trajetória, você tem arrependimentos? Principalmente na vida pessoal, de ter deixado de fazer algo pelas obrigações com a carreira na empresa?

Não me arrependo de nada do que fiz, sou um homem que faz escolhas. Talvez me arrependa do que não fiz. Tenho experiências incríveis na minha vida. Comecei como professor de teatro no Sesc e fui construindo uma relação com a Instituição. Comecei pelo Sesc Santa Rita, depois fui para Casa Amarela, depois Santo Amaro e por fim para compor a equipe junto à direção. O Sesc me deu muitas oportunidades e eu aproveitei todas. O reconhecimento que obtive foi resultado de muito trabalho e empenho, mas também é muito coletivo. O meu reconhecimento está associado às oportunidades.

Outra coisa difícil é esta sensação de que o setor da Cultura está sempre em risco.
Sempre que se instaura uma crise é a cultura a mais penalizada. O Brasil é assim… 

 

A ARTICULAÇÃO NACIONAL

 

Em 2019, vistoriando a construção do Cinema do Sesc no Centro de Produção Cultural de Garanhuns, ao lado de Naruna Freitas, da área do Audiovisual do Sesc Pernambuco

Como funcionou a articulação das ações do Sesc PE com nacional?

O Sesc é uma instituição federativa, com autonomia administrativa em cada estado, mas tem o Departamento Nacional que cumpre um papel fundamental para o país. É o DN o órgão responsável pela formulação das políticas do Sesc para o Brasil. O Sesc Nacional é muito importante, organiza, amplia os espaços de reflexão, articula toda a Rede Sesc. O Regional de Pernambuco ocupa um lugar de muito prestígio nesta rede e isso independe de pessoa, são muitas pessoas. Eu fui apenas parte desta rede, deste colegiado. Tive a sorte de ter participado nos grupos de trabalho que formularam várias políticas do Sesc: política de Cultura do Sesc para o Brasil, das Artes Cênicas, da Literatura. Ainda: participei em menor escala das formulações das políticas de Música, Artes Visuais e da criação dos Marcos Referenciais de Memória Social e Patrimônio Cultural e também de Arte-Educação. Direito e diversidade são os princípios das políticas do Sesc para o Brasil e eu creio que serão mantidos. O diálogo da Cultura com a educação e com a ação social são outros eixos e eu participei dessas construções. Isso faz parte da missão do Gerente de Cultura do Sesc e eu, felizmente, tive todas essas oportunidades. Pude trabalhar diretamente com muita gente com destaque como Álvaro de Melo Salmito, Sidnei Cruz, Márcia Rodrigues Costa, Wagner Campos, Maria Helena Kuhner, Maria José Gomes Duarte, Marcos Henrique Rego, dentre muitos em âmbito nacional. Em Pernambuco, trabalhar com o Professor Josias Albuquerque, Edson Wanderley Neves, Antônio Inocêncio Lima, Silvia Cavadinha, Teresa Ferraz e, ultimamente, com o diretor Oswaldo Ramos foram oportunidades que agregam valor a qualquer profissional. O professor Josias me deu muitas oportunidades de trabalho, de crescimento e me permitiu atuar na construção desta rede de teatros, galerias de artes, salas de experimentação em artes e cultura. Professor Josias fez a grande diferença na minha carreira.

 

A ARTICULAÇÃO COM O INTERIOR SEM COLONIZAÇÃO

É muito frágil a construção das políticas de cultura nos municípios brasileiros, em todos, independente de se é capital ou interior, mas no interior é muito mais difícil

Os saberes existem em toda parte, mas nossa história está carregada de hierarquias e dominações. Como você liderou na prática a articulação com o interior sem colonização?

Minha relação com o interior do estado é anterior ao Sesc, muito anterior. Começou com o Teatro Experimental de Olinda, TEO, em 1977, com o Protec – Projeto Teatro Comunitário, que eu participei e coordenei por um bom tempo. Com o Protec, além do Recife, nós trabalhamos com Igarassu, Limoeiro, Caruaru e Arcoverde. Arcoverde foi nosso principal polo descentralizado. Trabalhamos com núcleos de articulação. Depois com o grupo TEO no espetáculo Os Mistérios do Sexo, nos apresentamos em várias cidades.

Depois da experiência com o TEO vieram as ações com a TTTrês Produções Artísticas, nosso grupo de Jaboatão dos Guararapes. Com o nosso Projeto de Circulação de Teatro pelo Interior fomos a mais de 40 cidades do estado. Finalmente, o Sesc e a possibilidade de uma atuação mais continuada. E a ação junto com a Federação do Teatro de Pernambuco, Feteape e as diversas oportunidades de trabalho com o Festival de Inverno de Garanhuns, FIG, e trabalho em Caruaru, quando Arari Marrocos me contratou para uma ação junto à Casa de Cultura José Condé.

Além do tempo de trabalho com Leda Alves na cidade do Cabo de Santo Agostinho e a experiência com Camaragibe. Tudo isso foi me mostrando a grande potência criativa fora da capital. Sou agrestino, sou de Bezerros e isso também me influenciou muito.

Outra vez eu preciso afirmar: nada foi só. Nunca trabalhei sozinho, nem minha articulação foi algo que me isolou, ao contrário, só foi possível porque foi uma ação em coletivo. Muita gente, muitos trajetos diferentes. Aprendi muito com os movimentos populares, com as periferias, inclusive aprendi que NÃO HÁ CENTRO, todo lugar é centro. Certa vez, numa roda de conversas em Palmas, Tocantins, eu caí na besteira de dizer que o Tocantins era longe. De imediato alguém da plateia disse: não. Recife é que é longe, tudo depende de onde se vê. Nunca mais eu disse que um lugar era longe.

Sei que esses processo de valorização das ações feitas no interior vêm de muitos anos. O incentivo a festivais, fortalecimentos de grupos. Como você lidou com as peculiaridades de cada regional / cidade ?

Aprendi com Viola Spolin que criatividade é um fenômeno que todo mundo tem, basta ser provocado, estimulado, potencializado. Não importa se mora em Bezerros, no sítio Serra dos Bois, onde eu nasci, ou se mora em São Paulo. Todo mundo pode e merece oportunidade. As políticas necessitam sair deste lugar de centro. Bodocó é um grande centro de criação, assim como Triunfo, Goiana.

A questão é que a construção das políticas não passa pelo sentido de direito. As oportunidades estão associadas ao poder econômico e aos acessos à comunicação e isto é uma aberração. Sempre procurei trabalhar com os artistas, técnicos, produtores e públicos em situação de igualdade, mas é muito difícil. É muito frágil a construção das políticas de cultura nos municípios brasileiros, em todos, independente de se é capital ou interior, mas no interior é muito mais difícil. Os criadores e trabalhadores da Cultura com atuação no interior do estado passam por muitas dificuldades e reparações são urgentes.

Tenho certeza que isso passa pela lógica eurocentrista, capitalista, branca, machista, patriarcal, colonizadora. 

Claro que eu não comecei com uma consciência formada, cometi muitos erros nessa trajetória, mas fui permitindo a mim mesmo aprender, pela escuta, pela troca, pelos afetos e pelas construções. Você mesma, Ivana Moura, participou, como artista e como jornalista e crítica de artes de muitos momentos estruturadores. Você acompanhou muito as ações do interior do estado nas áreas de teatro e dança, principalmente. Muitas lideranças artísticas se destacaram a partir do trabalho realizado em Caruaru, Palmares, Limoeiro, Timbaúba, Surubim, Goiana, Garanhuns, Belo Jardim, Pesqueira, Arcoverde, Serra Talhada, Salgueiro e Petrolina, para destacar alguns outros polos de criação. Eu sempre fui muito misturado, não foi apenas por meio do Sesc, mas o Sesc, os últimos 20 anos, foi fundamental.

 

FORMAÇÃO DE ATORES 

 

O curso de formação do Sesc foi ganhando espaço na lacuna do CFA e da Fundaj do Derby?

O Curso de Interpretação para Teatro – CIT surge como uma continuidade ao que surgiu nos anos 1980. Ele nasceu nos anos 1980, antes do da Fundaj e do CFA (Curso de Formação do Ator, da UFPE) – só que era mais tímido. Chamava-se Curso Regular de Teatro – CRT. Muita gente deu aula entre os anos 1980 e 1999: Luiz Felipe Botelho, Williams Sant’anna, Gilberto Brito, Leila Freitas, Otacílio Júnior, Amélia Conrado, Kalyna de Paula, Wellington Júnior, Paulo Henrique Ferreira, Roberto Lúcio, Galiana Brasil, vários outros… A partir de 2000, ele ganha outra dimensão. Sob a coordenação de Galiana Brasil, nós, juntamente com Roberto Lúcio, construímos uma nova grade programática, atualizamos o conceito do curso. Reconfiguramos para atender aos ditames dos novos tempos. Muita gente foi aluna do CIT, desde quando era CRT (Curso Regular de Teatro). De 2015 para cá, ele tem passado por outras reformulações, agora com Rita Marize Farias, Rodrigo Cunha, Almir Martins. Muita gente tem dado aulas no curso nestes últimos 8 anos, dentre eles Luís Reis, João Denys, Cira Ramos, Paula de Renor, Antonio Cadengue, Mariane Consentino, Anamaria Sobral, Maria Clara Camarotti, Leidson Ferraz, Samuel Bennaton, entre outros vários.

Quais avanços foram feitos desde a criação do primeiro curso?

O CIT tem cumprido um papel estratégico fundamental no Recife e em Jaboatão dos Guararapes, seus dois núcleos. Rudimar Constâncio tem cumprido um papel importante para o CIT no Sesc Piedade. Mais uma vez a equipe tem estudado novas atualizações, mas o CIT atualmente está sintonizado com o pensamento do teatro contemporâneo. A estruturação da coordenação pedagógica do curso com Rodrigo Cunha e Almir Martins, o novo sistema de avaliação, o acompanhamento do desempenho dos alunos foram avanços mais recentes da pedagogia do curso.

Qual o diferencial do curso de formação do Sesc em relação a outros oferecidos em Pernambuco?

Pernambuco tem uma oferta muito boa para quem deseja estudar Teatro, não apenas no Sesc. Felizmente, muitos egressos dos cursos da Universidade Federal de Pernambuco, especialistas, mestres, doutores estão criando outros ambientes no estado e eu acho isso muito relevante. No caso do Sesc, tem a marca da Instituição, sua própria história, a qualidade de sua equipe de professores. Mas, sinceramente, as outras escolas também tem profissionais muito bons, cada um com sua pedagogia e com suas metodologias. Seguramente, o maior diferencial são os resultados históricos dos cursos do Sesc.

Qual o período que você esteve no Curso Básico à Formação de Atores da Fundaj?

Iniciei na Fundaj em 1990 e fui até 1996. Cuidei de duas disciplinas, em turmas diferentes: improvisação para o teatro e Interpretação e em três turmas fui responsável pelas montagens de conclusão: Flor do Campo, de Altimar Pimentel; Píramo e Tisbe, de Vladimir Capella; e Janos Adler, de Luiz Felipe Botelho.

Como era o funcionamento lá dentro?

Foi uma experiência e uma oportunidade importante pra mim, muita gente surgiu ou cresceu vivendo as experiências nos corredores da Fundaj, no Derby. Aliás, sinto falta dos trabalhos da Fundaj, do Teatro José Carlos Cavalcanti Borges, uma linda casa de espetáculos.

Se não me falha a memória, foi numa montagem de conclusão de curso da Fundaj que você recebeu uma crítica em que dizia mais ou menos que os alunos-atores derraparam na lama e nunca se ergueriam?

Sim, foi na montagem de Janos Adler, que era uma encenação na lama, um crítico insinuando que o texto e a montagem estavam além do elenco. Não concordei, como não concordo até hoje… dentre outros artistas, lá estavam Robson Queiróz, Janine Aroucha, Márcia Cruz, dentre outros. Um elenco incrível que o tempo se encarregou de consolidar.

O que você pensa da crítica feita em Pernambuco? Há pouco tempo alguns artistas afirmaram para uma revista local que não existe crítica teatral. Você concorda com isso?

Leio tudo o que posso, me reabasteço lendo as análises, observações, considerações dos críticos de artes. Sinto muita falta dos espaços, das colunas, do trabalho dos críticos. Já tive alguns embates, diálogos bem significativos. A crítica nos ajuda, orienta, problematiza.
Há dois momentos bem distintos, que eu alcancei: de 1976 a 2000 e de 2000 pra cá: um tempo em que os críticos atuavam nos grandes veículos de comunicação e depois os críticos nos veículos online. E há ainda o período de transição, de 1990 a 2005. Não tenho muita segurança nestas datas, mas é o que me salta os olhos.

Em qualquer época, a crítica cumpriu e cumpre um papel muito importante. Havia uma maior sistematização, antes. E um certo glamour. Adoro ler os livros dos críticos dos anos 1970 a 1990, lá estão informações e reflexões muito potentes sobre o teatro, a arte que se produziu. Penso que ainda faltam escolas que estimulem esta função. Sinto falta. O crítico cumpre um papel de mediação, necessário, relevante.

Como você avalia a pedagogia do teatro desde sua entrada nessa função e as mudanças ocorridas ao longo dos anos?

De 1977 até 2010, aproximadamente, eu dei aulas, muitas. Tenho certeza de que mais de 1 mil alunos de teatro passaram por mim, no Brasil inteiro. Dei aula em quase todos os estados do Brasil, em cursos e oficinas de curta duração, e em muitas cidades de Pernambuco. No Recife e na RMR dei aulas seguidamente, a muitas turmas. Mas, parei. Chegou um momento em que percebi que, para dar aulas, eu teria que estudar e pesquisar muito mais. E eu não tinha tempo.

Minhas tarefas na gestão, no Sesc Pernambuco, na Rede Sesc no Estado e no Brasil, meu envolvimento com formulação de políticas, a minha relação com a Literatura, tudo me fazia perceber que ministrar aulas de teatro seria uma irresponsabilidade. Com muita dor, eu parei. De vez em quando eu ministro alguma oficina, mas somente se me sentir seguro. Preciso ter responsabilidade com o que faço e sala de aula é algo primoroso. Quero e vou voltar, mas antes vou me preparar.

Ocorreram muitas mudanças, as pedagogias de ensino do teatro foram ressignificadas e eu não acompanhei a contento. Por isso, parei. O pensamento da mulher e do homem contemporâneos e as lutas da atualidade levaram as artes à revisão de pensamento e novos valores foram elevados, as lutas dos movimentos por reparação, os direitos humanos interferindo diretamente nas artes, as questões de acessibilidade, a afirmação da politica de direito, as novas estéticas, o pensamento performativo, as novas tecnologias, tudo fez com que o Teatro se reconfigurasse. Um exercício duro e penoso para a minha geração, mas necessário. E urgente.

 

O PROJETO GIL VICENTE E O
GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA

 

O que foi o projeto Gil Vicente e em que condições ele funcionou?

A poeta e escritora Maria de Lourdes Hortas foi diretora de Cultura do Gabinete Português de Leitura, no Recife, e me convidou para coordenar um projeto denominado Projeto Gil Vicente. E eu fui. Foi uma oportunidade excelente para eu estudar a dramaturgia de Portugal e sua relação com o Brasil. Realizamos muitas ações, trabalhos, também, com a poesia, um mergulho em Fernando Pessoa, as narrativas de Almeida Garret, também estudamos a dramaturgia dos anos 1990.

No final de 1989 começamos os trabalhos que se prolongaram até 1992. Em pouco tempo, a direção do Gabinete montou uma galeria de artes e um teatro, ambos no pavimento térreo do lindo prédio da Rua do Imperador e, com um elenco incrível eu dirigi A Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, em versão adaptada por João Denys Araújo Leite, direção de arte de Luiz Felipe Botelho, músicas e sonoplastia de André Filho. Gostei muito da experiência, dirigir esse espetáculo, cumprir temporada e participar de outras ações no Gabinete. Dirigi também um trabalho a partir da obra de Fernando Pessoa.

O que você lembra do Recife dessa época?

Tenho medo de parecer saudosista, mas eram tempos de muita ebulição, Recife tinha muitos grupos, produtores, casas de espetáculos com temporadas, espetáculos de longa vida, espaços alternativos. Na contramão, não tinha aparatos públicos, nenhum edital. Os artistas trabalhavam muito e não ganhavam quase nada. Aliás, nesse último aspecto não mudou.

Outro dado que eu lembro e sinto falta, as Universidades e Faculdades tinham grupos muito importantes: UFPE, Unicap, Fafire, As Instituições bancárias: Bandepe, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil. Tinha os grupos da Fundaj, AABB, Sindicato dos Bancários, Chesf, Coperbo, além dos do Sesc. Esses grupos eram muito independentes, mesmo sendo vinculados às empresas, contratavam diretores, montavam obras da dramaturgia pernambucana, brasileira ou estrangeira, algo pujante. Lembro da movimentação e das lutas politicas, constantes e de resistência. Havia até o Prêmio Espontâneo para os Melhores do Ano. E muita briga, muita briga, muita resistência do pessoal das artes.

 

AS AÇÕES NOS PRESÍDIOS

 

Em que consistiam as ações desenvolvidas nos presídios?

A atriz pernambucana Maria Rita Freire Costa, uma atriz que merece ser estudada, havia realizado experiências com teatro em unidades prisionais em São Paulo, Belém e Brasília e apresentou ao Ministério da Justiça uma proposta para realização de um projeto de ressocialização por meio da arte. E eles toparam e lançaram uma proposta nacional por meio de diversas entidades.

A entidade que se interessou em Pernambuco foi a Feteape – Federação do Teatro de Pernambuco. O Projeto Nacional chamava-se Nimuendaju – Aquele que constrói o seu próprio caminho, uma expressão do Tupinambá. Num encontro em Brasília, Pernambuco foi representado por Teresa Amaral. A Feteape assumiu o projeto em Pernambuco para realização conjunta com a Secretaria de Justiça de Pernambuco. A assistente social Iluminata Rangel Macedo assumiu a coordenação na Secretaria.

Em Pernambuco, o projeto aconteceu em dois momentos distintos e com nomes diferentes: Projeto Coringa e Projeto Alvará de Expressão, em ambos eu fui o coordenador artístico. Consistia na realização de ações formativas (oficinas, cursos, palestras, rodas de conversa, seminários e encontros sobre artes e teatro) ministradas por artistas do estado. E ações de fruição com apresentações de espetáculos nas unidades prisionais. Foram mais de 50 espetáculos de teatro e dança.

Na fase seguinte foram estruturados grupos de teatro nas unidades, com diretores teatrais fixos, com a realização de montagens, estreias, temporadas nos presídios, circulação dos espetáculos entre as unidades e diversas apresentações em teatros, dentre eles o Teatro de Santa Isabel, Teatros Apolo, Barreto Júnior, e no Cabo de Santo Agostinho e Garanhuns. Todas as etapas do projeto foram realizadas com residentes dos Presídios Aníbal Bruno, Barreto Campelo, no Feminino do Bom Pastor, no Hospital de Custódia Psiquiátrica de Itamaracá e na Unidades de Palmares e Pesqueira. Também com passagem pelas Unidades de Caruaru, Limoeiro e na Penitenciária Agrícola de Itamaracá.

Quais as forças você precisou desafiar para pôr em prática ações humanitárias com relação aos presos?

Por incrível que pareça, as forças que tivemos que enfrentar foram os dirigentes religiosos das unidades prisionais e os advogados que não entendiam porque um preso se envolveria com teatro no presídio. Recebemos muito apoio das equipes da Secretaria de Justiça, das áreas de segurança e dos juízes das varas de execução penal. Nunca houve nenhum incidente envolvendo os mais de 200 artistas que passaram pelo projeto.

O que houve de desdobramento desse trabalho?

O que destaco dessas experiências é a comprovação de que a arte é potente, humaniza, tem potência social, inclusive em casos extremos, como são os presídios de segurança máxima. Não há romantismo nesta minha leitura, o que eu vivenciei foi um aprendizado excepcional para todos nós, inclusive para a área de segurança dos presídios. Em mais de cinco anos não houve, sequer, um incidente envolvendo a área de segurança.

Quais as linhas ideológicas de sustentação do projeto?

A base conceitual e prática do projeto eram as ideias de Paulo Freire, Augusto Boal, Bertold Brecht, Grotowski: teatro político e pedagogia do teatro. Muitos espetáculos foram montados com dramaturgia brasileira e, também, com dramaturgias criadas pelos participantes dos grupos por meio de oficinas de escrita dramatúrgica com Williams Sant’anna, Wilma Lessa, Romildo Moreira, Carlos Lira, Normando Roberto Santos, Paulo Oliveira Lima e eu. Textos de Samuel Beckett (Esperando Godot), Timochenco Wehbi (A longa jornada de Zero à Ene), Marcus Acioly (LatinoAmérica), dentre outros. Muitos grupos e artistas do teatro e da dança participaram deste projeto. Além de Teresa Amaral, Zácaras Garcia também participou da coordenação do projeto, iniciado no governo de Miguel Arraes e encerrado no governo de Jarbas Vasconcelos.

Como e por que acabou?

Um secretário de Justiça achou que o projeto não deveria continuar.

 

ENTIDADES DE CLASSE E GESTÃO PÚBLICA

 

Existe uma tradição combativa em Pernambuco das organizações artísticas. Conta como foi, quais os cargos e quais as lutas enfrentadas na Feteape, Confenata.

Vou dizer um chavão; teatro é arte de coletivo. E eu sempre levei muito a sério isso. Trabalhei muito com produtores e elencos, mas são os grupos a minha paixão. É um mecanismo fantástico, as relações são diferentes. O modo de produzir, de criar, no grupo ganha uma dimensão da vida, uma extensão, algo que me fascina. Por conta disso, meu engajamento, desde cedo nos processos de formação política e de fortalecimento de grupos.

Assumir em 1980 a presidência da Associação de Grupos de Teatro de Jaboatão dos Guararapes foi o primeiro exercício. Era um movimento incrível, com várias ações, festivais. Logo depois, com a TTTrês Produções Artísticas fizemos o Movimento de Teatro Periférico, uma articulação pelas cidades da Região Metropolitana do Recife e, concomitantemente, o Projeto Teatro no Interior com circulação por muitas cidades de Pernambuco, Paraíba, Ceará. Como consequência, a presidência da Federação do Teatro de Pernambuco, Feteape, seguida da coordenação da Coordenadoria de Teatro para o Interior, também na Feteape. Depois a Confederação Nacional do Teatro – Confenata, onde fui Secretário-Geral e depois Diretor da Regional Nordeste II (da Bahia a Paraíba).

Essas organizações da sociedade civil, entidades de representação dos grupos e artistas do Teatro foram, juntamente com os festivais locais e nacionais, a minha maior escola de formação. Antes de me formar em Letras, pela Fafire, passei pela Fesp/UPE e pela Funeso nos cursos de História, e por quase 5 anos, pelo Curso Licenciatura Plena em Educação Artística, da UFPE: nenhum deles eu concluí, viajava muito e não conseguia. Entrei na universidade com 18 anos, mas só me formei no ano que completei 50: escolhas. Isso eu mudaria hoje, mas…

Como surgiu e o que fez a TTTrês Produções?

A TTTrês Produções Artísticas foi fundada em 1979, em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes, por mim, Carlos Lira e Mário Antônio Miranda, todos vindos do Sesc e do Teatro Experimental de Olinda. O nosso desejo era ter mais autonomia para trabalhar, definir nossas propostas de trabalho. Aprendemos cedo que cada artista necessita ser protagonista de sua história.

A TTTrês tinha como objetivo principal ser nosso espaço de experimentação. Todos seriamos atores, dramaturgos e encenadores e depois de termos o nosso espetáculo faríamos uma circulação por 500 cidades do Brasil. Elaboramos uma lista de 500 cidades – ao final, nos apresentamos em aproximadamente 100. Foram muitas montagens, muita circulação pelo Brasil, sem edital, sem recursos públicos, a maioria dependendo de renda de bilheteria ou de sobras do meu salário do Sesc. Nossos espetáculos eram seguidos de ações formativas: cursos, oficinas, debates, encontros com grupos. Um incrível exercício de troca entre artistas e públicos.

A cidade de Jaboatão estava meio parada, no quesito teatro, quando você sacudiu o pedaço? Como foi isso?

A nossa experiência de grupo, nós levamos para a proposta de criação da Associação de Grupos de Teatro de Jaboatão dos Guararapes, quando eu fui o seu primeiro presidente. Eram uns 11 grupos da cidade. Realizamos festivais, mostras, temporadas, cursos, oficinas, debates, envolvendo artistas de todos os grupos, uma experiência de gestão cultural por meio de uma entidade da sociedade civil. A sede da Associação era na minha casa, onde também era a sede de nosso grupo e onde nós criamos a Biblioteca Orlando Miranda de Carvalho: no bairro de Prazeres. Naquela oportunidade iniciamos uma parceria com a Diretoria de Cultura de Jaboatão dos Guararapes, cujo diretor era um multiartista, ex-padre, Antônio Carlos Vander Vélden. Com direção dele, chegamos a montar dois espetáculos contando com as participações de artistas de todos os grupos da cidade. Um desses espetáculos era sobre a saga do Padre Vitor Miracapillo, expulso do Brasil pelo regime ditatorial. Era um movimento político de muita força e representatividade e por isso mesmo sofremos muita pressão política e policial. Foi um movimento fundamental para os jovens artistas da cidade.

Não se faz política pública sem recurso,
não se faz Cultura sem investimento.

O que foi o Projeto Camará?

Fui convidado pela Prefeitura de Camaragibe, por meio do seu Departamento de Cultura, para realizar o Projeto Teatro Camará, um curso com até três turmas para atender a uma proposta de campanha. Havia um compromisso do ex-prefeito João Lemos e o convite a mim era para realizar os cursos. E assim foi: três turmas, super lotadas. Antes de terminar os cursos, os alunos deveriam passar por um processo de orientação, principalmente quem era integrante de grupo. Porém, antes de terminar as aulas eu fui convidado e aceitei ser diretor de Cultura de Camaragibe. Aceleramos o processo de escrita e prática de uma política de cultura para a cidade, situada na Região Metropolitana do Recife, com 150 mil habitantes.

Como consequência deste trabalho, fui mantido na equipe de Cultura da cidade, na gestão do Prefeito Paulo Santana, quando foi criada a Fundação de Cultura, Turismo e Esportes de Camaragibe. Por um ano eu fui vice-presidente e por mais 6 anos eu fui presidente e pudemos viver uma experiência trabalhosa, mas com muitas realizações, culminando com o uso de 5% do orçamento da cidade para a Cultura, algo raro ainda hoje no Brasil.

A estruturação das políticas de Cultura, Turismo e Esportes foi um desafio muito grande e urgente. Paulo Santana foi um prefeito exemplar para a Cultura: o mais difícil era o fato de que o orçamento da cidade ainda hoje é pequeno, sobrevive do Fundo de Participação dos Municípios e do comércio local. Mesmo sendo um percentual acima do padrão, era pouco, porque a cidade tem poucos recursos, quando comparamos com outras da RMR. E não se faz política pública sem recurso, não se faz Cultura sem investimento. No entanto, com a organização de todos os setores das artes foi menos difícil construir as bases de um Sistema Municipal de Cultura. Muitos foram os conflitos, principalmente os meus: é muito ruim querer e não poder, saber da importância e atuar com tantos limites.

Como é ser um artista febril e um gestor ousado diante das limitações impostas pela política, pelo mandato e pela mentalidade que impera até hoje de que cultura não é “item” de primeira necessidade?

Bom, eu sou um artista, educador que se transformou em gestor da cultura e isso não foi sem dor, sem luta. É triste de dizer, mas optar por artes em um país como o Brasil é quase uma insanidade. No caso de Camaragibe, foram muitos os enfrentamentos por causa da estrutura precária e da falta de espaços e equipamentos para a Cultura. E claro, a visão de parte da população e de grande parte dos políticos.

Para muitos cultura é supérfluo. Hoje ainda predomina esta lógica. Camaragibe realizou projetos de referência, fez parcerias, mesmo que ainda na época não existissem o Funcultura ou outros editais. Uma equipe muito atuante esteve à frente das políticas em Camaragibe, a cidade conquistou muitos prêmios internacionais e nacionais nas áreas de gestão pública, saúde e educação e isto repercutiu no campo da Cultura. Os habitantes compraram a ideia do projeto e a cidade passou a ter muitas opções e ofertas em programação cultural.

Esse movimento em Camaragibe teve quais reflexos?

Como consequência, novos espaços foram surgindo, grupos e artistas, além de novos gestores a exemplo de Carminha Lins, Saulo Uchôa, Sávio Uchôa, Joabson Guerra, Paula de Tássia, Janaina Amorim, Vilde Menezes, Ciça Portela, Cláudio Siqueira, Bruno Marinho, Lucila Gomes, Vânia Oliveira, entre vários outros. Novas gerações surgiram, posteriormente como desdobramento dessas experiências. Também, Lela Menezes, Uel Silva e Geraldo Cosmo que já atuavam na cidade, mas ampliaram as suas expertises como gestores. Camaragibe foi uma grande escola de gestão da Cultura para quem viveu a experiência.

 

AS RELAÇÕES COM O NORTE DO BRASIL

São muitos Nortes, mas há alguns traços que merecem destaque: o tempo amazônico, o preço amazônico, as distâncias amazônicas e os mistérios dos encantados das matas

O Nordeste ficou pequeno para você, que traçou relação com o Norte do Brasil. O que encontrou e descobriu naquela região? O que se pode aprender dessa ponte com os nortistas?

Os povos da floresta vivem em um mundo especial e particular. Fui muito para a região Norte por meio do Sesc, no início, mas depois, continuei um trabalho no contato com outras organizações ou mesmo por conta própria. Por 10 anos seguidos minhas férias foram no Norte do Brasil. Participei de inúmeros festivais, mostras, encontros, ministrei cursos, palestras, oficinas, fui analista de espetáculos, orientei grupos. Tem muitos pernambucanos no Norte, atuando com a Cultura e no início foram os meus interlocutores: Suely Rodrigues, Judilson Dias e Fabiano Barros, todos foram coordenadores de Cultura do Sesc Rondônia. Porto Velho foi minha porta de entrada, depois trabalhei no Acre, Amapá, Roraima, Amazonas, Tocantins e Pará. No Pará foi onde menos trabalhei.

Cada estado tem suas particularidades, são muitos Nortes, mas há alguns traços que merecem destaque: o tempo amazônico, o preço amazônico, as distâncias amazônicas e os mistérios dos encantados das matas. São muitas culturas, muitos hábitos e a arte explode em suas particularidades. As capitais concentram grande produção, mas eu ainda visitei Xapuri/Acre, terra do Chico Mendes, e Parintins/Amazonas, terra dos Bois Garantido e Caprichoso: mundos indescritíveis. O que mais me chamou a atenção foi a existência de um certo preconceito com a arte produzida no Norte, por parte do restante do país, como se não entendesse a dinâmica e as particularidades da arte produzida no Norte. É uma arte de uma força e de uma dimensão excepcionais.

E o pensamento sobre democracia e mundo que pode ser apreendido.

Os artistas do Norte têm um compromisso visível com as lutas do povo brasileiro, acrescido de suas próprias lutas, têm compromisso com seus púbicos, e realizam uma arte bastante comprometida. Me identifico muito com o que se produz na Amazônia.

 

José Manoel Sobrinho

É BOM SABER O QUE DIZER NA FRENTE DAS CRIANÇAS

Educar uma pessoa a partir do seu próprio corpo, de sua relação com o corpo tem um significado especial

Como você se enxerga? Quais os defeitos do Zé?

Minha avó paterna dizia que eu “era feinho, mas muito inteligente e bonzinho”. E eu cresci acreditando nisso. Ela me comparava a um primo que ela dizia “o outro é tão bonitinho, mas é uma peste”. Eu preferiria, mil vezes, ser lindo e uma peste. Principalmente, ser lindo. E depois, adolescente, eu dizia que não importava ter espelho em casa.

O que eu tiro de aprendizado é que, de fato, precisa ter cuidado com o que se diz a uma criança, porque as verdades, mesmo que relativas, viram absolutas quando ditas de maneira descuidada para uma criança. Ainda mais se quem diz tem a força e o significado de uma avó.

Já adulto, tenho um mantra: “fazer o quê, se a pessoa é fraca de feição?!” Depois eu construí um mantra mais meu: “Ah! Eu só vou namorar com gente bonita. Se eu quiser ver gente feia me olho no espelho”.

O fato é que isso teve uma repercussão muito grande na minha vida: amo o mar e as águas, mas não sei nadar e isto está relacionado a um estranhamento que construí com o meu corpo. E por que eu falo isso hoje? Porque por causa disso eu deixei de ser um ator-bailarino-pesquisador com toda a dimensão que essas profissões têm. Sempre falei isso para os meus amigos e só estou falando isso agora porque sinto que tem função pedagógica. Educar uma pessoa a partir do seu próprio corpo, de sua relação com o corpo tem um significado especial, fará toda a diferença para o que a pessoa será e como será, no futuro. Sei que isso me caracteriza como uma pessoa com preconceito, principalmente comigo mesmo e isso me tirou de muitos ambientes. Não tenho defeito físico, mas construí um conceito sobre meu corpo que não me ajudou e isto é difícil de mudar, nem meus quase 10 anos de terapia tem conseguido. 

Quem você fez sofrer na vida?

Eu, mais do que qualquer outra pessoa. Minha mãe, seguramente, porque sempre fui muito independente e, de certo modo, egoísta. Quando decidi sair de casa, nem conversei, sai. E sei que ela sofreu.

Você me contou que existe uma espécie de tradição na sua família de agregar pessoas. Por exemplo, seus avós adotaram parentes, seus pais também adotaram pessoas e que essa herança passou para você. Agregar, hospedar, acolher são ações comuns na sua vida, que gosta de ter uma casa cheia. São outros laços de família que você compõe. Gostaria de saber mais sobre isso.

Nas casas de meus avós maternos e paternos nunca estavam somente eles e os filhos, sempre tinha mais alguém. Venho de uma família muito grande, mais de 10 tios e tias paternos e também mais de 10 maternos e primos e primas. Fui criança lidando com tia adotiva, depois na minha casa meus pais sempre receberam meus tios e tias e primos e primas. Dividir o quarto de casa era algo muito comum. E era muito bom. Fui criança e adolescente com a casa sempre com pessoas morando, gente muito querida. Nossos beliches (camas duplas) eram territórios de alegria, conversa e risadas. Quando eu fui crescendo isso foi ficando mais sólido.

Entrar no teatro foi definidor. Mesmo na casa dos meus pais ter alguém dormindo, passando dias, noites, era algo comum e corriqueiro. Eles, duas figuras incríveis, nunca me colocaram limites ou brigaram comigo e recebiam a todas e todos muito bem. A receptividade de meus pais e de meus irmãos, o fato de nunca contestarem, penso que me dava muita liberdade para estar sempre convidando alguém. Às vezes, 2 ou 3 ou até mais.

Certa vez, a Equipe Teatral de Arcoverde – Etearc, veio se apresentar em Prazeres, com sua montagem de O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna. Não deu outra, todos ficaram hospedados na minha casa, umas 12 pessoas. Meus pais saíram do quarto deles e colocaram todas as meninas do grupo. Eles dormiram no chão.

Quando sai de casa e vim morar no Recife, não vim morar só: primeiro fui adotado por Rudimar Constâncio, que me acolheu em seu apartamento da Rua do Hospício. Acho que fiquei uns 2 anos morando na casa de Rudimar. Depois, aluguei um apartamento e fui morar, desta vez dividindo com Cláudio Siqueira e Vilde Menezes. Pronto. A partir daí, nunca morei sozinho. Por muitos anos minha casa foi território de pouso pra algumas pessoas amigas, artistas na luta por uma oportunidade, na busca por seu desenvolvimento humano.

Não há necessidade de citar nomes, mas posso dizer que em minha casa moraram artistas de Arcoverde, Sertânia, Petrolina e Camaragibe. Tenho certeza que foi herança de meus avós e de meus pais. É importante dizer que não é porque sou bonzinho, é uma cultura, uma oportunidade para mim. aprendi muito sobre a vida, a arte, a complexidade para se fazer arte e educação no Nordeste do Brasil, no Brasil, por melhor dizer.

Carrega algum sentimento de culpa por algo que fez ou deixou de fazer?

Sempre digo que sou cristão burro, aquele dramático que sofre por todos, tem pena de tudo. Mas arrependimento eu não tenho não, muito menos culpa. Tem uma coisa que eu me queixo, de não ter escrito tudo o que experimentei e vivenciei. Ah! Sim! Entrei na faculdade aos 18 anos, na Fesp – Faculdades de Pernambuco, hoje UPE, mas só me formei aos 50 anos, no ano que completei 50 anos, na Faculdade Frassinetti do Recife – Fafire. Disso eu me arrependo e muito. Também me arrependo de não ter comprado minha casa própria, isso é muito importante que todo jovem faça logo. O Brasil é um país medíocre para o envelhecimento, é importante construir alguma estrutura.

Como você definiria sua vida intelectual? A experiência de vida compartilhada com muita gente pelo seu trabalho forjou ou expandiu sua humanidade?

Poxa! É difícil uma autoavaliação assim. Me considero uma pessoa muito humana, mas sou meio estourado e às vezes magoo as pessoas. Tento me redimir. Dizem que sou difícil de ser convencido, que tenho argumentos pra tudo e isso parece ser uma coisa ruim. A experiência de vida compartilhada me mostrou que, de fato, a vida é bela. Penso que a gente veio a este mundo pra ser feliz e o que for ao contrário, que me deixe ou deixe o outro infeliz, não vale a pena.

Sou um homem de muitas limitações intelectuais, o que me salva é a minha reconhecida generosidade. Eu corro muito, vou atrás, sou entusiasta. O que me fortalece é o meu entusiasmo e a minha energia, sempre fui “assulerado”. Ainda vou desenvolver melhor uma metodologia de pesquisa e estudo. Não tive tanto acesso a um conhecimento universal, tenho muitas limitações, fui um leitor sem muitas opções de escolha, não tinha poder aquisitivo e isso tem repercussões muito sérias no futuro de uma pessoa.

 

ANDAR COM FÉ, MAS COM ESPÍRITO CRÍTICO

Se o Brasil fosse independente não teríamos tanta fome e tanta dor em nossas terras, nem tanta escravidão, poucos bilionários e milhões na pobreza. 

Como é sua espiritualidade?

Sou católico, de origem familiar, mas muito crítico da Igreja Católica, tenho pavor da história de crimes das religiões; tenho muitos amigos e familiares evangélicos, mas acho hoje os mais radicais e intolerantes, os grandes culpados por termos este presidente do Brasil, pessoa que não gosto nem de dizer o nome. O que me alivia é minha espiritualidade, minha relação com a natureza, com as pessoas, com o tempo. Sou uma criatura que reza muito, agradeço a Deus, gosto dos Santos Católicos, procuro entender a força dos Orixás, peço ajuda às minhas amigas espíritas.

Não frequento templos, igrejas de nenhuma religião ou seita, mas se tiver uma cerimônia e se eu me interessar eu vou. Amo conversar com Deus, com Nossa Senhora, rezo o Credo, rezo para os Anjos e para o Meu Anjo da Guarda. Visito templos como se fossem centros culturais. Tenho medo da morte. Ou seja, sou uma pessoa misturada.

Tenho maior carinho e admiração por Dom Helder Camara e por Dom Pedro Casaldáliga. Gritei muito nas ruas em defesa da Teologia da Libertação. Também não celebraria uma missa pela Independência do Brasil, igual fez o Padre Vitor Miracapillo. Se o Brasil fosse independente não teríamos tanta fome e tanta dor em nossas terras, nem tanta escravidão, poucos bilionários e milhões na pobreza. Acho que tenho um espirito revoltoso.

Em alguns momentos da história, as religiões vão bem além de um apoio espiritual. Também serviram como setores de proteção aos mais vulneráveis. Temos como exemplo no Recife a atuação de Dom Helder Camara, que protegeu os mais fracos. Como você vê a atuação das religiões atualmente no Brasil, no Recife?

As cristãs, vejo como um mercado livre, cheias de interesses escusos, com patronos e líderes milionários, cada vez mais dominando os veículos de comunicação, desrespeitando a Constituição Brasileira que garante o livre exercício religioso. Igrejas tradicionais que violentam os povos de religiões afro-brasileiras, intolerantes, segregacionistas que se utilizam da miséria e da fragilidade humana. Religiões históricas que se utilizam da dor dos fiéis para o enriquecimento e a dominação.

Tenho me preocupado com as muitas denúncias de crimes de lideres das religiões de maior espiritualidade. As várias denúncias, que vem de longe, mas seguem até hoje, da invasão dessas religiões em comunidades dos povos originários, demonizando as crenças ancestrais. Padres e pastores que invadem as florestas em flagrante agressão à crença ancestral. Sou cético e descrente das religiões por causa de seus líderes. Muito abuso de poder, perseguição e uso da fé para vender mercadorias.

Jamais votarei em padre ou pastor para função pública. Quem quiser ser politico partidário, de carreira que deixe a liderança religiosa para quem tem vocação e fé suficientes. Por outro lado, sou um homem crente, recorro muito a Deus, confio, creio e agradeço, mas a cada dia fujo de lideres religiosos. Claro que há as exceções, desses, normalmente eu gosto muito.

Você já leu a Bíblia ou a lê com regularidade?

Li a Bíblia como livro de história, acho uma obra linda, de uma humanidade comovente, mas não sou um leitor contumaz. Vou aproveitar o estimulo desta pergunta e reler, terei muito a aprender. Encontro nela princípios fundamentais para a pessoa de boa-vontade, um livro que deveria ser lido por todas as pessoas, como lugar de reflexão para se entender o nosso lugar no mundo. Acho a história de Cristo uma referência para se entender o sentido de reciprocidade, de luta, de crença.

 

AÇÕES AFIRMATIVAS

Se os próximos 520 anos fossem de politicas de reparação, ainda assim não conseguiríamos reparar todos os crimes contra as pessoas pretas, contra os povos originários, contra as mulheres, as pessoas com deficiência, os lgbtqi+, os pobres, os imigrantes

Quais os tipos de posicionamentos frente aos novos movimentos de afirmação? É possível reparação? Negros, índios, mulheres, etc.?

É revoltante viver no Brasil atual, com tanta intolerância e com a chancela do crime, da violência institucionalizada. O Estado brasileiro patrocinando a violência, o arbítrio, a violência desumana contra as pessoas indefesas. Se os próximos 520 anos fossem de politicas de reparação, ainda assim não conseguiríamos reparar todos os crimes contra as pessoas pretas, contra os povos originários, contra as mulheres, as pessoas com deficiência, as pessoas lgbtqi+, as pessoas pobres, os imigrantes.

O mundo tem muitos débitos, o Brasil tem muitos débitos com a humanidade. Eu sou um homem nordestino, classe média, desnutrido, gay e sinto na pele todas as punições por isto.  Mas sou branco. Jamais saberei a dor do desrespeito para com as pessoas negras. Meu corpo não sofreu a punição perversa, não sofreu a pressão da perseguição, não carrega as marcas do degredo e da escravidão. Nunca fui perseguido em um supermercado, mesmo carregando em mim todas as marcas de um povo pobre.

Você pergunta se é possível a reparação e eu digo, é inadiável, mas não será fácil com o Estado brasileiro dominado, um Estado perseguidor; todas as instâncias do legislativo sem credibilidade, atuando apenas para os seus interesses; um judiciário sem posição, que muda de acordo com os ventos; uma polícia enfraquecida como instituição que violenta, inclusive os policiais, estruturas envelhecidas, patriarcais. O trabalho brasileiro absolutamente precarizado. A gestão pública em frangalhos com desmontes da saúde e da educação; os municípios endividados, com a escuta popular cada vez mais escamoteada.

Todos nós não negros, não índios precisamos ter a responsabilidade humana e trabalharmos para diminuir tantas dores, respeitando as diversidades. Sinceramente, este é um tema que me deixa fora do eixo, me chama à responsabilidade para superar os meus limites e não silenciar, não pactuar, não ficar omisso. Tenho consciência de que nunca saberei, em mim, a dimensão dessa dor e de todos os desrespeitos e violências, as macro e as microviolências. Me sinto inteiramente incompetente diante dessa, de fato, pandemia.

Como você se define como homem branco, sempre no comando?

Eu sou um trabalhador brasileiro, militante da cultura. Não tenho protetores. Os espaços que conquistei foram resultado de muitas lutas e suor. Sou defensor dos direitos de todas e de todos, da igualdade de oportunidades; inteiramente comprometido com as lutas libertárias e com as lutas por reparação a todas e todos que tiveram os seus direitos reduzidos por qualquer motivo.

Não tenho dúvidas de que sou um privilegiado e tenho que ficar atento, permanentemente. Tenho contra mim o fato de ser originário de uma sociedade branca, autoritária, repressora, machista, excludente, hierárquica, de politica de balcão, eurocentrista, colonizadora, violenta, escravocrata, de uso da força e do poder. Mas, eu não me sinto herdeiro, não desejo ser herdeiro; também, por motivos já falados nessa entrevista, sou violentado e excluído. Mas, repito: não sou negro e nem sou trans e isso faz uma diferença grande a meu favor. Entendo que não basta ser antirracista, tenho que trabalhar, também, para impedir novos danos. Esta é uma responsabilidade inadiável, de todos. Sofro quando reconheço que poderia ter sido mais propositivo e atento à questões humanas de tanta urgência.

Você viajou muitíssimo a trabalho, mas nunca resolveu sair, se mudar do Recife ou da Região Metropolitana, por quê? Você não teria uma cidade ideal para morar?

No ciclo dos anos de 1980 a 2000 eu recebi muitas propostas de trabalho para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Rondônia, mas nunca foi minha meta. Acho que tem a ver, primeiro com a minha relação com meus pais, preciso ser sincero. Mas, também, porque sempre raciocinei que, se todos fossem, como seriam os territórios de origem?

Uma das minhas maiores felicidades durante os governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram as inaugurações das Faculdades e dos Institutos Federais no interior do Estado e do Brasil. Tenho alunos desde cedo e ouvi muitas narrativas daqueles que, mesmo sem querer, tinham que sair de suas cidades para vir estudar no Recife. E como eram comuns as lágrimas e os desabafos, cresci vendo e ouvindo. Cresci acompanhando o êxodo rural, meu pai, meus tios, primos, todos foram embora para São Paulo, trabalhar na construção civil, depois voltavam, casavam e levaram as mulheres. E nunca mais voltavam. Tive a sorte que meu pai não gostou, minha mãe foi salva do êxodo, mas na cabeça dela este foi um fantasma que sempre a rondou.

Sou herdeiro do êxodo rural, das dores das saudades, e acho, tenho certeza, que fui profundamente influenciado por isso. Daí porque nunca sai.

Claro que perdi em alguns campos, as informações chegavam aqui mais tardiamente, a comunicação toda no Sudeste dominava o povo brasileiro, por isso a força das novelas, dos programas de TV.

Participei do movimento pela Regionalização da Programação da Televisão e do Rádio brasileiros, não podíamos aceitar aquele modelo centralizador, economicamente predatório, excludente. Tudo isso me influenciou para não sair de Pernambuco.

Eu, de minha parte, adoraria morar em Manaus, João Pessoa, Salvador, Brasilia, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre. De Pernambuco… Arcoverde, Petrolina e Triunfo são as que mais me comovem. Do ponto de vista do teatro, adoro os públicos de Pernambuco, tenho muito o que dialogar com todos, não vejo motivos para sair, posso ir e voltar sempre, assim, como sempre fiz. E não me arrependo.

 

HUMANO, DEMASIADO HUMANO

 

Você é querido por muitos. Mas é “persona non grata” em algum lugar ou para alguém?

Não tenho como negar que sou muito querido, sinto isso no dia a dia. Claro que sou persona non grata. Quando fui presidente da Federação do Teatro de Pernambuco, Feteape, nos anos 1980, do século XX, eu era persona non grata dentro da Fundação de Cultura da Cidade do Recife. Quando eu era presidente da Fundação de Cultura, Turismo e Esportes de Camaragibe tinha uma oposição feroz na Câmara de Vereadores, era pequena, mas me criava muitos problemas. E olha que eu acho a existência das oposições algo fundamental para a democracia, a vigilância, a fiscalização e para cobrar o serviço público, mesmo que depois, quando está no poder, não faça.

Penso que muitos artistas e produtores que ouviram um não, de mim, saíram me odiando nos expedientes da fundação. Sou professor desde os meus 14 anos e profissionalmente desde os 18. Claro que tive alunos que me odiavam, não era o professor bonzinho, era bem severo no cumprimento dos acordos.

No Sesc Pernambuco, fiquei muitos anos como Gestor de Cultura, igualmente muita gente deve ter insatisfações. E, tanto na Fundação de Cultura de Camaragibe, quanto no Sesc, eu tinha o papel de ligar e desligar pessoas e ninguém aceita e gosta de ser demitido. Há pessoas que não falam comigo até hoje.

Bom… Como pessoa humana, cidadão do mundo, sinceramente, não vislumbro muitos desafetos, mas eles existem, poucos declarados, mas existem. Sou uma pessoa cheia de contradições, arroubos e isso deve ter incomodado muita gente. E minha capacidade de argumentação e muitas vezes descabida insistência, seguramente, me deu dissabores.

O que significa o silêncio?
Respiração, pausa, Intervalo de grande profundidade, quando o som se permite ouvir na sua sublimação, espaço pra decisão, momento quando o olhar ganha mais força e protagonismo, raciocínio, oxigenação, intervalo do pulso, hora do bocejo, interregno da pulsação, momento oportuno para mudar de direção, de posição. Boa hora pra perdoar, boa hora pra atacar, suspensão da dor, momento exato da morte, momento exato do primeiro, hora exata do nascimento. Movimento imperceptível.

 

POLÍTICA, UMA ARTE DIFÍCIL

 

Você trabalhou durante um tempo com políticas culturais públicas, na articulação. E em Camaragibe no governo mais diretamente. Sua visão é privilegiada. Gostaria que você fizesse uma análise sincera das políticas cultuais que são realizadas especificamente pela Prefeitura do Recife e pelo Governo do Estado de Pernambuco. Sei que essas questões são espinhosas, mas seu olhar é importante. Por que as relações de compadrios e os muros baixos nas políticas pernambucanas são tão fortemente marcadas por resquícios do coronelismo? 

Vou direto ao assunto. Enquanto os setores públicos da Cultura ficarem dependentes e reféns dos partidos políticos não se vai a lugar algum. Enquanto as secretarias e departamentos de Cultura ficarem reféns da Casa Civil ou das Secretarias de Governo, Gabinete, Administração, Economia, Finanças, Planejamento, não se chegará a lugar nenhum.

Os secretários de Cultura precisam de autonomia politica, financeira e administrativa para governar. Há que se ter politica de estado e não politica de governo. Os prefeitos precisam ter responsabilidade na hora de nomear os secretários ou diretores de Cultura. Para mim, falta clareza por parte dos prefeitos e, em muitos casos, responsabilidade, na hora de definir o gestor da área. Não quero, nem devo nomear aqui nenhum município, modo geral, este é um grande problema.

Também não há formação politica nas Câmaras de Vereadores na hora da construção e aprovação de leis para a área: elas precisam ser reparadoras, protetivas, promotoras, para acessibilidade. Há pouca ou quase nenhuma escuta, os interesses são diversos, menos para a área. Não se entende a força que a Cultura tem como geradora de economias: quanto mais se investe na produção local, mais há geração de economia no próprio município. É preciso que se entenda, a prioridade de investimento tem que ser na produção, no artista, no técnico local.

Isso tem inúmeros desdobramentos locais. Na representatividade, na reparação, na democratização, na democracia cultural, na geração de postos de trabalho, na economia e nas finanças, no comércio local, na educação, na saúde, na segurança, na mobilidade urbana, no turismo, na acessibilidade, na estima do município e das pessoas, artistas ou não.

Há que se separar política de Cultura da realização de eventos. No caso de uma capital como o Recife, para mim este é um fator cruel. O evento é muito importante, deve fazer parte da politica cultural, mas não pode ser “a política”.

Quando a secretaria fica à disposição do Carnaval, São João e Natal e as questões prioritárias ficam secundarizadas não tem jeito. Há que se resolver esta equação e isto é uma decisão politica.

Sem querer partidarizar, mas o governo do João Paulo, no Recife, deu sinais de que é possível: não conseguiu consolidar, não deu tempo, mas foi um avanço.

Fortalecer os setores da sociedade civil, ampliar a escuta; honrar os compromissos financeiros com todos, mas em especial com a produção do estado e dos municípios; qualificar os equipamentos culturais com investimentos e com equipe qualificada, treinada; afirmar os Sistemas de Cultura: Conselhos, Fundos, Órgãos públicos da Cultura, investimentos; garantir no mínimo 5% do orçamento para a Cultura; criar linhas de investimento; criar aproximação com a iniciativa privada para que haja investimentos de setores importantes.

São muitas frentes, seguramente aqui ainda falta uma infinidade de questões. Mas, seguramente, não pode ser uma tarefa apenas dos secretários ou diretores de Cultura. Isso precisa ser um compromisso, uma responsabilidade dos governantes e dos legisladores. Será que isso é uma utopia?

Qual sua reação diante do avanço de um pensamento e uma prática mais conservadores, das ideias e atitudes fascistas que povoam o mundo nessa fase?

Sem tolerância nenhuma, inadmissível, criminosos ao extremo, sem chance de diálogo. Tenho medo, tenho muito medo porque os defensores da violência e da morte criminosa são extremistas e eu sou defensor da paz entre os povos. O crescimento da direita fascista no mundo é preocupante. Também é preocupante a adesão de parte da imprensa às ideias conservadoras. Todos sabemos que muitos dos retrocessos brasileiros contaram com o apoio e a ação direta de grandes veículos da imprensa e das comunicações. Políticos, empresários, banqueiros, grupos de comunicação têm participação ativa nos avanços dessa politica excludente, que beneficia as grandes fortunas e empurram os pobres para situação extremada, basta ver o crescimento da fome no mundo.

A arte continuará lutando contra abusos de poder, contra a dominação dos grandes grupos econômicos. E contra as forças politicas que oprimem, basta que a gente observe as reformas implementadas nos governos Temer e no atual: precarização do trabalho, perdas de conquistas históricas, aumento da criminalidade e da violência, crescente armamento da população, perdas no processo de aposentadoria, desmonte das estruturas públicas das áreas da educação, saúde, meio ambiente, cultura, direitos humanos, sem deixar de falar na existência do gabinete do ódio e toda a sua estrutura de disseminação de mentiras e da promoção de perda de segurança.

Como você traçaria uma cartografia dessa situação, desse avanço?

Com o golpe de 1964, o brasileiro ficou impedido de exercer o seu direito ao voto, à escolha de seus lideres e gestores, foram os tempos dos políticos biônicos. Agora, em pleno 2018 o brasileiro, por meio do voto fez escolhas. Isso me assusta, a memória é curta, a significativa eleição de quadros opressores para a condução do Brasil e de estados deixa visível que nossa memória é muito frágil .

Me preocupa a partidarização do Judiciário, a presença do Judiciário em articulação com corruptos, usurpadores do bem da coletividade, a baixa qualidade dos senadores e deputados federais, a presença de líderes religiosos cristãos no Senado, na Câmara Federal, nas Câmaras Estaduais e nas Câmaras de Vereadores, desviando os objetivos e interferindo na ética dessas instituições. Nunca votei, nem votarei em padre ou pastor para cargo eletivo público, as experiências no Brasil são desastrosas, sectárias, excludentes.

Não traçarei uma cartografia da situação, mas chamo a atenção de todos nós, porque não podemos ficar distantes das lutas, das construções politicas para garantir um quadro de líderes políticos mais coerentes e comprometidos com as reais necessidades das comunidades.

 

CARTA DOS FAZEDORES DE CULTURA AO SESC PE

Para: SESC DE PERNAMBUCO

O SESC de Pernambuco tem sido fundamental para a memória, formação e difusão cultural no nosso Estado. Aproximou pessoas – trabalhadores e trabalhadoras da cultura e PÚBLICO. Promoveu inclusão, valorizou e iluminou a diversidade. Criou fluxos de trocas de arte e conhecimento antes nunca vislumbrados. Revelou que a Arte e a Cultura pulsam em todos os rincões pernambucanos. E que Cultura é Direito, é símbolo da nossa identidade, é força econômica.
Toda essa marca histórica foi possível porque José Manoel Sobrinho, nosso Zé Manoel, compreendeu a Missão da Instituição e soube com maestria promover a inclusão definitiva do SESC-PE na História da Cultura Pernambucana, como qualquer um pode comprovar nos registros oficiais e na memória de todos os que testemunharam as realizações que ele promoveu.
Conhecedor como poucos, das realidades do interior do nosso estado, respeitando e valorizando toda sua diversidade, Zé foi – e é – um gestor responsável e consequente, um técnico e especialista ousado, um parceiro generoso e acolhedor.
Neste tempo de agora, em que a cultura tem sido constantemente atacada desde suas bases, a demissão de Zé Manoel, cai sobre nós como mais uma agressão, por tudo que ele representa, e por toda contribuição que com certeza poderia dar, não só para o SESC, mas, enquanto SESC, também para a cultura pernambucana.
Agradecemos a Zé Manoel por ter dedicado 42 anos de sua vida a essa instituição!
Quando o SESC demite um profissional como José Manoel Sobrinho, nos demite também como cidadãos e como artistas.
 

Resposta do SESC ( Oswaldo Ramos, diretor regional) 
Prezada Sra. Paula de Renor,

Registramos o recebimento de carta encaminhada por Vossa Senhoria representando o grupo intitulado “Fazedores de Cultura do Estado de Pernambuco”.
Inicialmente, gostaríamos de agradecer as referências ao Sesc de Pernambuco com relação à sua importância para a memória, a formação e a difusão cultural em nosso Estado. Esse reconhecimento por parte de um grupo seleto de pessoas que subscrevem a referida carta nos envaidece e reforça nosso compromisso com o desenvolvimento cultural no território pernambucano.
Também nos associamos ao reconhecimento do papel extraordinário e essencial do colega José Manoel para a construção desse ativo, que transborda as fronteiras do nosso Estado. Ao longo dos 42 anos de trabalho no Sesc, José Manoel escreveu uma belíssima história de sucesso, que deixa sua marca presente e muito forte no acervo e nas ações promovidas pelo Sesc. Temos certeza de que sua contribuição para a Cultura do nosso Estado continuará, como sempre, bastante relevante e efetiva, independentemente do seu vínculo empregatício com o Sesc PE.
Por outro lado, no próprio Sesc PE, teremos oportunidade de escrever outros capítulos dessa história, se for do desejo dele, pois José Manoel poderá exercer outro importante papel de protagonista, atuando de forma estratégica como consultor, com base na sua experiência e conhecimento em outros trabalhos em nossa instituição.
De forma muito respeitosa, como sempre convivemos, gostaríamos de agradecer mais uma vez, cada segundo desses 42 anos que José Manoel dedicou ao Sesc PE. O seu legado e a sua história permanecerão nos inspirando e nos fortalecendo para continuar essa caminhada, seguindo as diretrizes da Política Cultural do Sesc no Brasil.

Cordialmente,
Oswaldo Ramos

 
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Mostra Capiba chega à 9ª edição

Atriz Augusta Ferra ministra oficina de . Foto:Reprodução do Facebook

Atriz Augusta Ferraz ministra oficina A Narrativa do Contador de Histórias na Construção da Personagem

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Fotos: Reprodução do Facebook

A extensão do ator solitário e a amplitude ensejada pelo palco são ganchos da 9ª Mostra Capiba de Teatro, do Sesc Casa Amarela, que aglutina nove espetáculos de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Sergipe. Em comum, as questões que pulsam na contemporaneidade na construção dessas figuras que abarcam universos tão distintos. O braço formativo do evento é destaque com o oferecimento de três oficinas, duas delas voltadas para o intérprete, além de uma aula-espetáculo. A atriz Augusta Ferraz vai tratar de A Narrativa do Contador de Histórias na Construção da Personagem, que vislumbra compreensão psicológica e afetiva da alma da personagem, entre os dias 18 e 21. O investimento é de R$ 20.

O Ator no Século XXI – Uma proposta de encontro entre o Ocidente e o Oriente, comandada por Samir Murad, combina as técnicas de yoga, taichichuen, kempô e meditações ativas na busca de proporcionar novas experiências corporais, vocais e emocionais nos intérpretes.  Nos dias 22 e 23 de outubro. O investimento também é de R$ 20. Samir também participa da programação de espetáculo com a encenação Para Acabar de Vez com o Julgamento de Artaud.

A terceira oficina desta edição do Capiba é o Ateliê de Crítica e Reflexão Teatral, com as jornalistas e críticas Luciana Romagnolli e Ivana Moura. Busca fomentar o olhar crítico a partir de exercícios práticos e da teoria teatral. O programa ocorre entre os dias 17 a e 21. Neste a inscrição é gratuita. As vagas para todas as atividades são limitadas.

Além das três oficinas, haverá a aula-espetáculo Como era bonito lá, na segunda-feira (17), às 14h, com a atriz, diretora, pesquisadora e professora Nara Keiserman. A entrada é gratuita e a ação acontece no Teatro Capiba.

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Espetáculo é uma ode aos textos de amor de Caio Fernando Abreu. Foto: Demetrio Nicolau / Divulgação

A Mostra começa na sexta-feira (14/10) com No Se Puede Vivir Sin Amor, da companhia carioca Atores Rapsodos. Na peça, a atriz Nara Keiserman celebra a obra de seu amigo e conterrâneo, Caio Fernando Abreu (1948-1996), e como sugere o título tem os escritos de amor como foco. A atriz reúne textos como Metâmeros, Mergulho II, Como Era Verde Meu Vale, Fotografias e Creme de Alface, além de textos inéditos escritos especialmente para ela. A direção é de Demétrio Nicolau.

“A Mostra Capiba surgiu sem grandes pretensões, para agregar valor à programação do Teatro Capiba, do Sesc Casa Amarela. Um teatro pequeno, de estrutura técnica limitada. Mas, aos poucos foi ganhando dimensão, recebendo a produção do estado e do Brasil”, explica o encenador José Manoel Sobrinho, gerente de Cultura do Sesc Pernambuco. “Na última versão serviu como espaço para a pré-estreia do espetáculo Ledores do Breu, da paulistana Companhia do Tijolo. Uma Mostra para espetáculos solo, espaço para experimentações mais individuais. Local de trocas e vivências e que tem servido como ambiente para se pensar o teatro em seus vários aspectos” pontua o diretor.

A programação prossegue com O Açougueiro, defendido por Alexandre Guimarães, sobre sonhos individuais e o poder do preconceito social para empurrar pessoas para o abismo e destruir vidas;  A Mulher Monstro, inspirada em texto de Caio Fernando Abreu e que trata dos demônios conservadores, discriminatórios e a visão equivocada (para melhor) de si mesma. A protagonista interpretada por José Neto Barbosa transita por esse Brasil atual, tão potente de ódio e hipocrisias.

Também estão na programação Histórias Bordadas em Mim, em que a atriz Agrinez Melo passeia por sua biografia com leveza e humor. Já Soledad – A Terra é Fogo Sob Nossos Pés, com a atriz Hilda Torres, leva ao palco a trajetória da militante paraguaia Soledad Barrett Viedma (1945-1973), que foi morta no Recife durante o regime militar. A Receita, com Naná Sodré, percorre as inquietações de uma mulher oprimida, que na cozinha prepara sua libertação. Com elementos de teatro de objetos, Diógenes D. Lima faz de Olinda e Recife um casal muito engraçado em O Mascate, a Pé Rapada e os Forasteiros.

Abalo sensorial 

O dramaturgo, ensaísta, ator e diretor de teatro, o francês Antonin Artaud compreendia que arte e vida estão emaranhadas pela mesma força metafísica. A arte para ele é algo para ser vivido. O ator Samir Murad, da companhia carioca Cambaleei, Mas Não Caí, segue essa vertente no monólogo performático Para Acabar de Vez com o Julgamento de Artaud.  A peça mistura cartas, poemas, manifestos e pensamentos do artista, que por suas ideias foi internado por nove anos em manicômios na França. A peça explora sua relação com o movimento surrealista, o teatro, as drogas, a política e o misticismo.

No encerramento, a Mostra terá Vulcão em que Diane Velôso defende o papel de uma cantora de punk rock que tem um surto mental dissociativo durante um show e mergulha em delírios poéticos, misturando lembranças, desejos e a dura realidade. A direção é do carioca, Sidnei Cruz e a dramaturga é de Lucianna Mauren.

PROGRAMAÇÃO COMPLETA

Nara. Foto: Demétrio

Atriz Nara Keiserman. Foto: Demetrio Nicolau / Divulgação

14/10 – (Sex) – No Se Puede Vivir Sin Amor – (Atores Rapsodos) – Rio de Janeiro –   RJ
Quando: Nesta sexta, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 60’
Classificação etária: 16 anos
Sinopse:
O espetáculo é uma homenagem da atriz Nara Keiserman ao seu amigo e conterrâneo, Caio Fernando Abreu. O trabalho nasceu de pesquisa artística e acadêmica conectada ao tema Teatro e Espiritualidade.
A amizade entre a atriz e o autor determinou alguns aspectos do trabalho, como a predominância do tom afetivo e a escolha dos textos, tematizando o amor e seus derivativos.
No se puede vivirsin amor promove um momento para além do cotidiano, em que a energia promovida pela imantação da cena alcança o espectador. Nara Keiserman pontua: “É claro que sei de cor (de coração) os textos do Caio que escolhi e que são os que mais gosto. Mas os movimentos que vou fazer, o modo como vou falar, como vou cantar melodias que são como sortilégios, são resultado do aqui-agora e acredito que o que partilhamos durante o acontecimento teatral corresponde ao que todos nós, juntos, estamos precisando viver naquele momento preciso.”
Ficha Técnica
Textos: Caio Fernando Abreu
Dramaturgia e atuação: Nara Keiserman
Direção, Iluminação e Arte: Demetrio Nicolau
Cinografia e Figurino: Carlos Alberto Nunes
Orientação Musical: Alba Lírio
Maquiagem: Mona Magalhães
Fotos: Demetrio Nicolau
Filmagem: Daniel Ribeiro
Assessoria de Imprensa: Sheila Gomes
Mídias Sociais: Marina Murta
Produção e Realização: Atores Rapsodos

Alexandre Guimarães. Foto:

Ator Alexandre Guimarães. Foto: Divulgação

15/10 – (Sab) – O Açougueiro – (Alexandre Guimarães) – Recife – PE
Quando: Sábado, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 45’
Classificação etária: 16 anos
Sinopse:
Boi de cercado, boi de abate, carro de boi e o amor proibido entre o açougueiro Antônio, homem simples, cujo sonho de infância era ter um açougue para matar a fome, e a jovem Nicinha. O ator se desdobra em sete personagens para narrar, entre aboios e toadas, uma história de paixão e intolerância que pode se passar na aridez do sertão pernambucano ou, em qualquer lugar, onde a dor e o preconceito são o prato principal das relações.
Ficha Técnica
Intérprete: Alexandre Guimarães
Texto, encenação e plano Luz: Samuel Santos
Preparação vocal: Nazaré Sodré
Preparação corporal e figurino: Agrinez Melo
Maquiagem: Vinicius Vieira
Fotos/Ilustração: Lucas Emanuel

Foto: Ivana Moura

Ator José Neto Barbosa. Foto: Ivana Moura

16/10 – (Dom) – A Mulher Monstro – (S.E.M Cia. de Teatro – Sentimento, Estética e Movimento) – Natal/Recife – RN/PE
Quando: Domingo, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 60’
Classificação etária: 16 anos
Sinopse:
Uma mulher perseguida pela sua própria visão intolerante da sociedade, com características infelizmente não singulares a milhares de brasileiros. Racista, machista, sexista, gordofóbica, homofóbica, reacionária e fundamentalista religiosa são alguns dos adjetivos que descrevem a burguesa decadente. Apesar de seu pensamento político equivocado, A Mulher Monstro ainda sim é uma humana com suas inquietudes e peculiaridades como qualquer pessoa.
A protagonista apresenta dificuldades nas relações, sem saber lidar com a solidão. Vive uma traição e rejeição do marido diagnosticado com câncer. Além de não superar a morte do único filho, vítima de seu preconceito. Ela insiste em não aceitar emergências sociais, as questões políticas ou até mesmo pessoais: como por exemplo, sua própria idade, um governo progressista ou sua atual condição financeira.
A obra é baseada no conto Creme de Alface, de Caio Fernando Abreu, escrita em 1975, em plena ditadura militar, mas só publicado em 1995.
Ficha Técnica
Dramaturgia, encenação e atuação: José Neto Barbosa
Iluminação: Sergio Gurgel Filho e José Neto Barbosa
Maquiagem: Diógenes e José Neto Barbosa
Cenografia e figurino: José Neto Barbosa
Assistência de cenografia: Anderson Oliveira e Diego Alves
Sonoplastia: Diógenes, Mylena Sousa e José Neto Barbosa
Registro: Mylena Sousa
Produção: SEM Cia de Teatro

Agri Melo em tom confessional. Foto: Rubens Henrique/ Divulgação

Agri Melo em tom confessional. Foto: Rubens Henrique/ Divulgação

17/10 – (Seg) – Histórias Bordadas em Mim – (Agrinez Melo – Doceagri) – Recife – PE
Quando: Segunda, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410

Duração: 60’
Classificação etária: Livre
Sinopse:
Um baú, uma borboleta e uma conversa… é assim que se inicia Histórias Bordadas em Mim. Um convite para um chá acompanhado de tareco e um alinhavar de histórias reais, vividas no passado e no presente. A personagem é por acaso a própria atriz e sentada em um baú conta histórias que viveu em sua vida, bebe da fonte de uma pesquisa no griot, povo ancestral que passava conhecimento através da oralidade, vai através da narrativa e numa proposta de encenação enxuta, incluindo o público em suas histórias. Uma pausa para um chá, uma musica e um mergulho nas histórias de alegrias, amor, dor, morte, vida e saudade…

Ficha técnica
Atuação, Produção, Dramaturgia, Figurino, Cenografia e Direção: Agrinez Melo
Assessoria em Dramaturgia: Ana Paula Sá
Assessoria em Direção: Naná Sodré, Quiercles Santana e Samuel Santos
Concepção Musical e Sonoplastia: Cacau Nóbrega
Assessoria em toadas: Maria Helena Sampaio (YaKêkêrê do Terreiro Ilê Oba Aganju Okoloyá)
Maquiagem: Vinicius Vieira
Execução Figurino: Agrinez Melo e Vilma Uchôa
Aderecista: Álcio Lins
Cenotécnico: Felipe Lopes
Foto, Áudio e Filmagem de teaser campanha do catarse: Lucas Hero
Direção e edição de vídeo teaser campanha catarse: Taciana Oliveira (Zest Artes e Comunicação)
Assistente de produção: Nayara Oliveira
Designer: Curinga Comuniquê
Filmagem do espetáculo na integra:Aratu Produções
Fotografia: Rubens Henrique

Naná Sodré. Foto: Thais Lima.

Naná Sodré defende papel que engloba as mulheres humilhadas do mundo. Foto: Thais Lima.

18/10 – (Ter) – A Receita – (O Poste Soluções Luminosas) – Recife – PE
Quando: Terça, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410

Duração: 40’
Classificação etária: 16 anos
Sinopse
A todas as mulheres do mundo! Grita com o corpo a atriz Naná Sodré, na obra tragicômica que descreve um universo de uma mulher num processo de libertação. Num acerto de contas, a anônima confessa como passou a maior parte do tempo temperando suas ilusões com sal, alho e coentro com cebolinha… até mesmo em momentos desatinados. O espetáculo funciona como um refletor que revela as situações vividas no ambiente domiciliar/social de várias mulheres pelo mundo a fora.

Ficha Técnica
Direção, autoria, adereços, sonoplastia e iluminação: Samuel Santos
Atuação, figurino e maquiagem: Naná Sodré
Técnica em rolamento: Mestre Sifu Manoel

Hilda Torres. Foto: Rick de Eça

Hilda Torres assume papel de guerrilheira paraguaia. Foto: Rick de Eça

19/10 – (Qua) – Soledad – A Terra é Fogo Sob Nossos Pés – (Cria do Palco) – Recife – PE19.10 –
Quando: Quarta, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 70’
Classificação etária: 14 anos
Sinopse:
O espetáculo conta a história de Soledad Barrett Viedma (1945-1973), militante paraguaia, que após ter lutado na América Latina, vem militar no Brasil. No Recife, teve sua história de luta contra as opressões de classes sociais e em busca de liberdade e igualdade, interrompida. A obra, não assume tão somente um caráter memorialista e de denúncia, mas sobre algo que se quer contar hoje, traçando uma analogia com os períodos políticos do regime militar e o presente.

Ficha Técnica:
Atriz, idealizadora e coordenadora do Projeto: Hilda Torres
Direção: Malú Bazán
Dramaturgia: Hilda Torres e Malú Bazán
Pesquisa histórica: Hilda Torres, Márcio Santos e Malú Bazán
Pesquisa cênica: Hilda Torres e Malú Bazán
Concepção de cenário e figurino: Malú Bazán
Execução de cenário e figurino: Felipe Lopes e Maria José Lopes (Lopes Designer)
Iluminação: Eron Villar
Operação de luz: Eron Villar, Gabriel Feliz e Nadjecksom Lacerda
Direção musical: Lucas Notaro
Operação de som: Márcio Santos
Arte visual: Ñasaindy Lua (filha de Soledad)
Teaser: Ivich Barrett (neta de Soledad)
Vídeo: Flávia Gomes
Diagramação: Pedro Xavier
Assessoria de imprensa: Márcio Santos
Consultoria do idioma guarani: Adrián Morínigo Villalba
Produção: Márcio Santos
Realização: Cria do Palco.

Foto: Tony Rodrigues

Diógenes D. Lima Foto: Tony Rodrigues

20/10 – (Qui) – O Mascate, a Pé Rapada e os Forasteiros – (Cia. de Artes Cínicas com Objetos) – Recife – PE
Quando: Quinta, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 60’
Classificação etária: 16 anos
Sinopse:
O Mascate, a Pé rapada e os Forasteiros é um espetáculo que utiliza-se da linguagem do teatro de objetos para contar uma versão histórica/fictícia sobre as cidades de Olinda e Recife. Na trama, estas cidades são um casal (Olinda, a mulher e Recife, o homem) que com a chegada de forasteiros exploradores (Portugal e Holanda), se vêem corrompidos por sentimentos de ganância e cobiça.
Ficha Técnica
Texto e Atuação: Diógenes D. Lima
Supervisão Artística: Marcondes Lima e Jaime Santos
Coreografias: Jorge Kildery
Adereços: Triell Andrade e Bernardo Júnior
Iluminação: Jathyles Miranda
Execução de Iluminação: Rodrigo Oliveira
Execução de sonoplastia: Junior Melo
Programação Visual: Arthur Canavarro
Fotografia: Ítalo lima, Toni Rodrigues, Sayonara Freire e Sócrates Guedes
Cenotécnico: Gustavo Oliveira
Assessoria de impressa: Cleyton Cabral
Coordenação de Produção: Luciana Barbosa

Samir. Foto: Reprodução da Internete

Samir Murad leva Artaud ao palco. Foto: Reprodução da Internet

21/10 – (Sex) – Para Acabar de Vez com o Julgamento de Artaud – (Cia. Cambaleei, mas não caí…) – Rio de Janeiro – RJ
Quando: Sexta, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 60’
Classificação etária: 16 anos
Sinopse:
Solo-performático-processual, que tem como argumento básico, a narrativa de algumas passagens de distintos momentos da vida de Antonin Artaud, supostamente reveladores de sua trama pessoal, que são transportados para a cena a partir de possibilidades de linguagem vislumbradas pelo próprio Artaud.
A valorização do trabalho do intérprete, toma forma a partir de experimentações corporais e textuais que se inspiraram em técnicas e conceitos orientalistas e se desdobra em outros elementos da cena, tais como os objetos, as projeções e a música, que devem funcionar com extensão do universo simbólico, proposto pelo foco inicial centrado no ator.
Ficha técnica
Textos: Antonin Artaud
Concepção, Atuação e Trilha Sonora: Samir Murad
Supervisão: Paulo Cerdeira
Cenário original: Milena Vugman
Figurino: Pamela Vicenta
Reazlização: Cia. Cambaleei, mas não caí…

Foto: Marcelino Hora

Atriz Diane Velôso. Foto: Marcelino Hora

22/10 – (Sab) – Vulcão – (Grupo Caixa Cênica) – Aracaju – SE
Quando: Sábado, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 40’
Classificação etária: 14 anos
Sinopse:
Os 20 cantos que compõem a cerimônia teatral Vulcão podem ser apreciados como fotogramas descontínuos, como flaches autônomos de um diário sobre o subterrâneo da alma humana no purgatório do teatro. Oferecemos ao público uma experiência de vivência de uma espécie de teatro primordial – um meio de expansão do imaginário através do corpo, do som, da palavra, da respiração, do silêncio e da música – onde os espectadores entram em contato com a matéria da poesia, cujo mistério transborda pelas veias do sublime.

Ficha Técnica:
Atuação: Diane Velôso
Direção: Sidnei Cruz
Assistência de Direção: Olga Gutierrez e Amanda Steinbach
Texto: Lucianna Mauren
Iluminação: Sergio Robson
Produção: Nah Donato e Diane Velôso
Figurino: Vivy Cotrim e Roberto Laplagne
Sombrinha: Luna Safira
Adereço de cabeça: Roberto Laplagne
Cenário: Sidnei Cruz, Denver Paraízo e Manoel Passos Filho
Arte plástica: Fábio Sampaio
Fotografia de espetáculo e foto design: Marcelinho Hora
Arte design: Gabi Etinger
Trilha sonora: Alex Sant’Anna e Leo Airplane
Operador de luz: Audevan Caiçara
Operação Audiovisual, Vídeo e Assessoria: Manoela Veloso Passos Colaboração: Maicyra Leão
Produção PE: Fabiana Pirro

  • Todos os espetáculos acontecem no Teatro Capiba, no SESC Casa Amarela, às 20h.

AÇÕES FORMATIVAS

Aula-Espetáculo

Como Era Bonito Lá – Nara Keiserman
A Aula-Espetáculo parte de uma versão sintetizada do espetáculo Como Era Bonito Lá, em que são expostos os modos de criação e antecedentes do trabalho e trechos encenados dos contos e cartas relacionadas.

Nara Keiserman
É atriz, diretora, pesquisadora e professora na Escola de Teatro da UNIRIO. Atriz e co-fundadora do Núcleo Carioca de Teatro (1991 – 2001), dirigido por Luís Artur Nunes. Diretora artística do grupo Atores Rapsodos (desde 2000). Preparadora Corporal e Diretora de Movimento da Companhia Pop de Teatro Clássico (desde 1999), no Rio de Janeiro.
Mestre em Teatro pela USP, com a dissertação A preparação corporal do ator – uma proposta didática e Doutora pela UNIRIO, com a tese Caminho pedagógico para a formação do ator narrador. Pós-doutorada na Universidade de Lisboa, com pesquisa sobre Aspectos da cena narrativa portuguesa contemporânea.
Desenvolve Pesquisa Institucional na UNIRIO, denominada Ator rapsodo: pesquisa de procedimentos para uma linguagem gestual. Professora Associada  na Escola de Teatro da UNIRIO, responsável pelas disciplinas de Movimento na Graduação e professora efetiva na Pós-Graduação.
Tem artigos publicados em revistas especializadas e ministra Cursos, Oficinas e Workshops sobre o Teatro Narrativo e sobre o Corpo Infinito do Ator.

Quando: 17/10 – (seg), às 14h
Local: Teatro Capiba

OFICINAS

A Narrativa do Contador de Histórias na Construção da Personagem – Augusta Ferraz

Oficina direcionada para o ator-narrador. O ator contador de histórias. O intérprete que se utiliza das três pessoas do singular (eu, tu e ele), do tempo presente, para narra/contar a mesma história por óticas diferenciadas. O foco é buscar na narrativa do contador de histórias a compreensão psicológica e afetiva da alma da personagem.

Quando: 18 a 21 – (ter a sex), das 9h às 12h
Local: Sala de Dança
Vagas: 10 alunos
Publico dirigido: estudantes e artistas de teatro
Inscrição pelo Link:
https://docs.google.com/forms/d/12-UZ3s2JLGQuUGIwWZoMeD535kOTnDkz33VqbmowHOo/edit

O ATOR NO SÉCULO XXI – Uma proposta de encontro entre o Ocidente e o Oriente – Samir Murad

É a partir dessa premissa artaudiana que o curso será pautado. Com  um intenso trabalho físico e vocal utilizando técnicas psicofísicas direcionadas para o trabalho do Ator, tais como Yoga, Taichichuen, kempô e meditações ativas, tendo como referências os trabalhos desenvolvidos por Peter Brook, Grotowski, Eugenio Barba e Tadeus Kantor, o aluno-ator será levado a experienciar novas possibilidades expressivas corporais, vocais e emocionais, estabelecendo novos limites, desconstruindo barreiras e edificando uma nova base interna mais íntegra e essencial para a sua atuação.

Quando: 22 e 23 – (sab e dom), das 9h às 12h
Local: Sala de Dança – Sesc Casa Amarela
Vagas: 15 alunos
Público dirigido: estudantes e artistas de teatro
Inscrição pelo Link:
https://docs.google.com/forms/d/1nuPQ4Hbdld0UKuxqYRybjtXDCBuRxsQ5j3Io1BqSfRk/edit

Ateliê de Crítica e Reflexão Teatral – Luciana Romagnolli e Ivana Moura

O Ateliê de Crítica e Reflexão Teatral é um espaço de encontro para a discussão crítica sobre teatro e para o exercício da escrita de textos críticos a partir da programação da Mostra Capiba de Teatro, realizada pelo Sesc Casa Amarela, no Recife. O objetivo do ateliê é desenvolver o pensamento crítico e teórico sobre teatro, propiciar olhares sobre a produção cênica pernambucana e proporcionar experiências práticas de crítica que possam reverberar para além dos encontros. As discussões contemplam apontamentos sobre a história e o presente da crítica de teatro no Brasil, o contexto recifense, a função da crítica, os problemas dos juízos de valor, da verdade e da produção de subjetividade, e questões sobre o teatro contemporâneo e o lugar do espectador.

Quando: 17 a 21 – (seg e sex), das 14h às 18h
Local: Cineclube Coliseu
Vagas: 15 alunos
Publico dirigido: artistas de teatro, curadores, programadores, jornalistas, estudantes
Inscrição pelo Link:
https://docs.google.com/forms/d/1383c1symrs2ByZrCFvMJdTqBVuBv6zxmEOxPEZAYnms/edit

SERVIÇO

Mostra Capiba – De 14 a 22 de outubro

Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410

teatrocapiba@gmail.com

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