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Elogio da amizade

Musical Abraço – Nunca estaremos sós, da Cia Dispersos. Foto: Fernanda Acioly

Musical Abraço – Nunca estaremos sós, da Cia Dispersos. Foto: Fernanda Acioly

“Um amigo de verdade é aquele que nos protege dos tormentos do amor, nos afasta da fúria raivosa, faz recuar a morte”, conceitua o filósofo e psicanalista francês Jean-Bertrand Pontalis. E isso é melhor do que a invisível capa protetora dos super-heróis, que sonhamos na infância. Mas os tempos são líquidos, as relações fluídas, os laços afetivos frágeis e os seres cada vez mais volúveis, como esclarece Zigmunt Bauman. E tantos equipamentos (Smartphone, tablets, computadores de todos os tamanhos) não conseguem nos proteger da solidão. E é para falar desse tema complexo – que Cícero defendia que só pode existir entre pessoas de bem – que a Dispersos Cia de Teatro ergueu seu primeiro musical, Abraço – Nunca estaremos sós. A peça encerra temporada neste fim de semana, no Teatro Hermilo Borba Filho.

Para fugir um pouco dessa liquidez, a trupe situou a história nos anos 1990, protagonizada por adolescentes que sonham em viver da música. Nos encontros constantes na casa do personagem Sacola (Mateus Maia) eles conspiram para o nascimento da banda ou conjunto, como se dizia.

O elenco é formado por oito atores-cantores (Duda Martins, Lívia Lins, Gustavo Arruda, Victor Chitunda, Danielle Sena, Juliana Menezes, Glauco Bellardy e Mateus Maia) e quatro instrumentistas (Victor Bertonny, Leila Chaves, Júnior Silva, Luiz Diniz), que executam a trilha sonora ao vivo. No repertório estão canções autorais e desconhecidas, intercaladas por versões de composições de Milton Nascimento, da cantora mineira Liz Valente e outros.

Viver da arte torna-se um sonho possível, por um tempo. Esses jovens acreditam na vida. Eles conseguem montar um musical e começam a fazer sucesso. Mas aí a humana disputa por poder e liderança ganha contornos mais nítidos entre dois integrantes do grupo: Miguel (Gustavo Arruda) e Bebeto (Victor Chitunda). É o começo do fim.

O espetáculo ganha força nas canções, na interpretação cantada, nas coreografias. E perde potência nos diálogos, na dramaturgia textual, que é superficial, ingênua e descamba até para os recônditos da auto-ajuda. Mas o elenco reverte essa fragilidade com a alegria, vitalidade das interpretações e numa ligação direta com a emotividade que o tema da amizade, com suas dificuldades e superações, proporciona.

ABRAÇO - por Fernanda AciolyO trabalho dirigido por Duda Martins e Lívia Lins desliza entre o o passado de sonhos e da concretização da banda e presente do reencontro dos “ex-amigos” 15 anos depois. As vozes são valorizadas pela dupla de diretores musicais, o maestro Victor Bertonny e Leila Chaves, que tornam a montagem contagiante. O elenco “solta a voz” lindamente.

Os personagens Paulinha, Bebeto, Téo, Sacola, Soninha, Miguel, Maria e Gabi conquistam a plateia. Com seus modismos, gírias até os hits musicais dos 90.

O espetáculo é caloroso, energético. O público é acolhido com um abraço antes do início da apresentação e isso começa a fazer a diferença. A encenação toca nas nervuras das esperanças de que os encontros sejam mais reais e menos virtuais. Que nossos afetos sejam mais comprometidos e menos descartáveis.

Talvez esse texto descambe para um tom meio meloso, contaminado pela peça. Acontece. É que em meio a tantas guerras (de todas natureza), acreditar que o mundo e as relações podem ser melhores pode direcionar para aquele julgamento de Pessoa sobre as cartas de amor, que são ridículas. Mas isso também passa por subjetividades. Depende do dia, da hora, do valor do encontro.

É que Abraço remete para um lugar mais ingênuo, mas de esperança. É um refúgio possível, em que são espelhados o quanto de responsabilidade nas nossas acões para harmonizar o mundo ou pelo menos nossa roda de amigos. A peça tem uma nostalgia, daquelas que abalam o coração. Mas tem principalmente muita juventude, com seu impulso vital. Nesse caso, as precariedades viram trunfos, por carregarem nessa vertente da emoção que humaniza.

Essa turma criou Abraço com suor e dinheiro do próprio bolso, sem apoio financeiros do poder público ou privado. Esse dado atravessa como metaficção do enredo. É para aplaudir jovens que apostam na cena teatral, depositam energia e os melhores sentimentos nessa arte.

Serviço
ABRAÇO – Nunca estaremos sós
Quando: Sábado (27), às 19h e domingo (28), às 18h; (últimas apresentações)
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 à venda no ingressoprime.com; 99574-7657 ou 2h antes, na bilheteria do teatro
Duração: 1h20

Ficha técnica

FICHA TÉCNICA:
Texto: Bruno Gueiros
Direção geral: Duda Martins e Lívia Lins
Direção musical: Victor Bertonny e Leila Chaves
Produção geral: Dispersos Produções Criativas
Elenco: Duda Martins,Lívia Lins, Gustavo Arruda, Victor Chitunda, Danielle Sena, Juliana Menezes, Glauco Bellardy, Mateus Maia
Músicos:
Violões: Victor Bertonny e Leila Chaves
Baixo: Júnior Silva
Percussão: Luiz Diniz
Vozes: Manu Rodrigues e Mateus Amaral
Cenário: Lucas Maia
Figurinos: Duda Martins e Livia Lins
Coreografias: Danielle Sena e Juliana Menezes
Iluminação: Lucas Maia
Projeto gráfico: Marcos Lima
SOCIAL MEDIA: Mateus Fontes
EQUIPE DE PRODUÇÃO:
Gerente de Produção: Mateus Fontes
Assistentes de Produção: Gabriela Cavalcanti, Nathalia Timba, Lillian Mendonça e Ninna Valentini

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