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Geraldo Julio – Visitas e promessas

Geraldo Julio e Marcos Frota. Foto: Andrea Rêgo Barros

Geraldo Julio e Marcos Frota. Foto: Andrea Rêgo Barros

Uma visita do ator Marcos Frota ao prefeito do Recife rendeu a promessa da implantação do que seria o Núcleo Nordeste da Universidade Livre do Circo – Unicirco. “Ficamos muito felizes porque é um projeto que abre uma janela pra o jovem recifense viver sua realização profissional e pessoal através da arte e da cultura. Vamos nos mobilizar imediatamente para identificar uma área onde possa ser instalada a unidade do Unicirco no Recife e vamos apoiar institucionalmente também, ajudando a encontrar parceiros”, disse Geraldo Julio na notícia que foi divulgada pelo site da Prefeitura.

Os meios de comunicação simplesmente replicaram: “O prefeito do Recife, Geraldo Julio, se reuniu com o ator Marcos Frota nesta segunda-feira (11) e colocou em pauta um tema importante para o desenvolvimento da cultura no Estado: a implantação de um centro de formação circense na capital pernambucana. A proposta tem como principal objetivo tirar da violência e das drogas jovens em situação de risco”, diz a matéria do portal NE10.

Um adendo: lembro que, no começo do ano, quando o maestro Israel de França chegou ao Recife para participar do Janeiro de Grandes Espetáculos, depois da violência que sofreu na Espanha, ele também foi recebido por Geraldo Julio. E saiu de lá com a promessa de que, junto com a PCR, desenvolveriam um projeto para inclusão social de crianças carentes por meio da música. A nota do site da prefeitura ainda diz: “O formato será definido futuramente”. E o prefeito destacava: “O Maestro Israel já é o símbolo do potencial da cultura recifense que se espalha pelo Brasil e pelo mundo. Vamos difundir a vida, o exemplo, o símbolo que ele representa para todas as crianças da nossa cidade. Vamos exaltar a força da cultura; uma pessoa que tem a história de luta, de aprendizado”.

Precisa dizer mais algo? Precisa sim. Precisa de uma resposta. Foi o que fez Fátima Pontes, coordenadora executiva da Escola Pernambucana de Circo (EPC), que usou o Facebook para se manifestar. Embora não seja um posicionamento institucional da Escola, mas da coordenadora e de seus integrantes; e que eles reafirmem que não são contra o projeto capitaneado por Marcos Frota, o texto é um questionamento não só importante, mas necessário.

“Realmente, ser prefeito de uma cidade requer muito mais do que ser gestor. Requer conhecer o que a cidade produz em todos os âmbitos e principalmente no âmbito da Cultura, numa cidade como Recife e toda a sua riqueza cultural. O que mais nos impressiona na forma como são tratadas algumas questões de parcerias para implantação de projetos, sejam eles em que esfera forem, é a questão “amigos do rei”. Pois bem, respeito o trabalho realizado por Marcos Frota como ator, produtor, ou mesmo gestor de projeto social… Só que como é que um Prefeito diz que vai apoiar um projeto de circo numa cidade onde existem 02 projetos de circo social com mais de 15 anos cada e que lutam através de editais públicos para se manterem, sem nenhum apoio direto de nenhuma instância governamental? Há, na cidade de Recife, a Escola Pernambucana de Circo e o Arricirco, dois projetos com reconhecimento nacional e que atendem cada um em média 500 crianças, adolescentes e jovens por ano gratuitamente. Por que não apoiar esses projetos? Como é que se vai dar um terreno a Marcos Frota de graça, sem ele passar por nenhum edital público? Por que ele é amigo do rei? Que diferença tem o projeto do Marcos Frota dos dois citados acima? Como é que o Prefeito vai dar um terreno para Marcos Frota, quando até hoje a Escola Pernambucana de Circo luta para ter pelo menos condições de manter sua sede, toda equipada como é e que serve de exemplo nacional para os que de fora aqui chegam? O Arricirco está até hoje provisoriamente num prédio antigo da Sudene/UFPE, que o cedeu porque não consegue reformá-lo. A Escola Pernambucana de Circo está atrás de apoio para reformar e ampliar sua sede, mas nunca procuramos nenhum político para apoio a essa reforma. Estamos fazendo projetos para editais públicos e é assim que sempre procuramos recursos para nossa ações e também através dos serviços que prestamos com apresentações e oficinas e que, por sinal, quando somos contratados pela Prefeitura, aguardamos meses para receber o cachê. Isso é conosco, mas também com diversos grupos e trupes de artistas circenses na cidade. Isso sem falar nos circos tradicionais que não tem apoio da Prefeitura para se regularizarem, tirarem alvará, etc… Como nos sentimos quando fazemos projetos a todo tempo para nos manter e manter as atividades todas gratuitas e da melhor qualidade, quando nem o resultado do SIC saiu ainda, quando não se tem nenhuma resposta do Fundo de Incentivo às Artes Cênicas da cidade desde a gestão passada? Bom, isso só aumenta nossa indignação pela falta de respeito e compromisso desse Prefeito, que diz estar montando “uma nova prefeitura” quando na verdade está desmontando tudo que poderia ser aproveitado, que o diga a decisão sobre a Escola Municipal de Artes João Pernambuco, que o diga os teatros sem administração e tantas outras mancadas desse Prefeito na área da Cultura na cidade de Recife. Senhor Prefeito, cadê a igualdade de direitos? Para que são criados editais públicos se uma pessoa de fora da cidade tem acesso a coisas que ninguém da cidade nunca teve? Pergunte quantos grupos de teatro, dança, música precisam de espaços para pelo menos ensaiar e não encontram? Quantos grupos de teatro e dança nessa cidade não tem espaço para trabalhar? A prioridade é Marcos Frota, por que? Ressalto e deixo bem claro: NÃO queremos esse tratamento de “amigo do rei”. Queremos igualdade no tratamento a todo e qualquer produtor cultural, de toda e qualquer área da Arte e da Cultura que faz a história dessa cidade. Afinal, os editais públicos são uma conquista da classe artística no país, justamente para acabar com as políticas de balcão. Mas parece que elas estão de volta e com toda força!” (Fátima Pontes)

Na página de Geraldo Julio no Facebook, o post sobre a visita de Marcos Frota teve até esta manhã 165 compartilhamentos.

Ilusão - Um ensaio melodramático circense, espetáculo da Escola Pernambucana de Circo. Foto: Paulo Estevan

Ilusão-Um ensaio melodramático circense, espetáculo da Escola Pernambucana de Circo. Foto: Paulo Estevan

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Os espaços bem delimitados entre ficção e realidade

Fátima Pontes e Leidson Ferraz em Olivier e Lili: Uma história de amor em 900 frases. Foto: Pollyanna Diniz

O que o espectador de hoje busca no teatro? No tempo das emoções afloradas, da “felicidade” estampada virtualmente, do simultâneo? Em Olivier e Lili: Uma história de amor em 900 frases, montagem com direção de Rodrigo Dourado e Fátima Pontes e Leidson Ferraz no elenco, há uma projeção de universos particulares no palco. O tom autobiográfico e confessional permeia o espetáculo, que vi quase no fim da temporada no Teatro Hermilo Borba Filho e agora mais recentemente na VI Mostra Capiba.

O texto base é da atriz francesa Elizabeth Mazev; ela conta, desde a infância, a sua relação com o diretor Olivier Py. Os dois estudaram na mesma escola, descobriram o teatro juntos, viveram perdas e amores. A partir das memórias evocadas pelos personagens, surgiram aquelas dos próprios atores e do diretor, que também foram transformadas em dramaturgia, numa tentativa de trilhar os limites da ficção-realidade.

Estão em cena a infância de Leidson Ferraz e Fátima Pontes, os aniversários, as lembranças da casa de quando criança, o colégio, o teatro, a morte de alguém muito querido. E aí preciso fazer um adendo: é bom explicar que esta é uma apreciação escrita sem imparcialidade; muitas daquelas memórias, principalmente as Leidson, me são muito próximas. Tanto eu quanto ele somos de Petrolina; e ele fala da cidade, do colégio tradicional de freiras, do padre Bernardino. Além disso, nós nos conhecemos desde que entrei no curso de Jornalismo; então a narrativa dele me cativa muito.

Independente disso, da maneira como foi construída a dramaturgia, em algum momento você vai se sentir tocado – e me parece muito deliberada e perceptível ao espectador essa intenção de fazer o público se emocionar, se reconhecer no palco em alguma daquelas histórias.

O que queria discutir é o quanto a montagem se tornou muito mais autobiográfica do que qualquer outra coisa. Em determinado momento cheguei a me questionar: mas e Olivier e Lili? Quem são esses personagens? O tratamento dado à dramaturgia, por exemplo, é claramente distinto.

Quando Olivier e Lili estão no primeiro plano, as frases são mais telegráficas (como imaginei que seria a proposta do espetáculo como um todo); há um distanciamento perceptível entre ator-personagem. Quando no momento seguinte vira vida pessoal, o texto é longo, há um desprendimento de emoção, outra energia se instaura. Claro, estão falando de si mesmos. Mas isso provoca quebras na encenação.

A montagem participou da VI Mostra Capiba

Além disso, as relações são estabelecidas de forma muito clara e cúmplice com o espectador. É diferente, por exemplo, para dar uma referência próxima, do que faz o Grupo Magiluth em Aquilo que meu olhar guardou para você. Ali há uma fusão – o público não sabe o que é ficção e realidade. Em Olivier e Lili as cartas estão postas na mesa: bom, aqui estou vendo o personagem (que também é ‘real’, mas distante de mim, então personagem) e aqui é Leidson e Fátima, o que eles falam aconteceu de verdade. Talvez por isso o diretor tenha optado por colocar em cena também vídeos de Elizabeth Mazev e Olivier Py. Mas que são longos por demais, cansativos, necessários apenas para justificar essa questão do real-ficcional. Para a dramaturgia e para a montagem acrescentam muito pouco ou quase nada. E eles ainda aumentam o tempo da peça – que já é longa. Parece ter sido difícil para a direção o exercício da síntese. Vi pelo menos um momento em que a plateia se perguntou se aquele não seria o final da peça.

Enxergo tanto em Leidson quanto em Fátima muitas possibilidades interpretativas que ainda não se instauraram efetivamente. Faltam nuances e a transição para a adolescência e para a fase adulta na história também não parece muito bem resolvida. Mas são dois atores que se entregam, inteiros em cena; é como se esse projeto também fosse uma declaração de amor deles dois não só à amizade, mas a tudo que o teatro os proporcionou, ao próprio teatro.

Muitos dos elementos do teatro contemporâneo estão na montagem, desde a importância da musicalidade, a profusão de signos, o depoimento, os microfones no palco. Símbolos que juntos constróem uma obra que reverbera muita afetividade e consegue atrair o público.

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Memórias de uma estreia

Olivier e Lili – Uma história de amor em 900 frases será encenada na Mostra Capiba. Foto: Rogério Alves

A long time ago, num reino desencantado, um encenador que merece essa nomeação transformou uma criatura numa atriz. O espetáculo era Woyzeck, do alemão Georg Büchner. O encenador, Moncho Rodriguez. E aqui não estou avaliando método, processo, e relação do líder (que além de diretor de cena é diretor de ator) com o elenco, mas o resultado. O episódio da transformação. Isso sempre me volta como memória agradável e promissora. Então, é possível transformar alguém em um ator?! Bem, não sei se tanto, mas pelo menos naquela montagem a pessoa estava convincente, bela, límpida e transparente.

Assisti à montagem Olivier e Lili: Uma história de amor em 900 frases na estreia, no Teatro Hermilo Borba Filho, que foi um desastre. O som falhou, o vídeo pifou, os efeitos inventados pela equipe não funcionaram. Quer dizer, ficou um espetáculo meia boca, meia sola. Quem é de teatro sabe que essas coisas acontecem. Embora, por problemas técnicos, espetáculos já tenham sido detonados na cidade.

Sabemos também que, muitas vezes, a legitimação ou não de uma obra de arte depende de interesses extrínsecos ou obscuros; ou tão límpidos e transparentes que alguns insistem em não enxergar. É. A vida é cheia de mistérios. E os humanos, quando botam o lado podre para fora, é como um cegueira de ódio.

O texto original, Les Drôles, foi montado por Olivier Py e pela da dramaturga Elizabeth Mazev, em 1993, com direção dele. E passa pela história da amizade dos dois, o que eles enfrentaram quando mais jovens. O amor dos dois artistas franceses pelo teatro. Quem viu a encenação assinada por Py, garante que era leve, bonita e repleta de emoção.

Um parêntese. Em 2009, Ano da França no Brasil, foi apresentada em São Paulo a peça Epître aux jeunes acteurs (Epístola aos jovens atores), de Olivier Py, que além da dramaturgia assinava a direção e iluminação. Como o título sugere, trata da arte teatral e é apresentado como grande poema.

A dramaturgia de Olivier e Lili é problemática, lógico que na minha opinião, por vários aspectos. Entre eles não é possível enxergar os artistas Olivier Py, que foi diretor artístico do Odéon-Théâtre de l’Europe, em Paris, por cinco anos. E que, no ano que vem, assume o cargo de diretor do Festival de Avignon. Tampouco Elizabeth Mazev. Os personagens que dão título à peça ficam só na superfície.

Se esse teatro de fronteiras busca trabalhar com a memória dos atores, tendo por base o texto de Elizabeth, penso que eles não obtiveram êxito.

Dramaturgia evidencia muito mais as histórias de Leidson e Fátima

Talvez fosse melhor chamar a peça simplesmente de Leidson e Fatinha, pelo menos, o público saberia o que o esperava lá dentro: a história de vida dessas duas pessoas. Mas vamos lá. Trabalhando nessa zona de transição, a montagem, como um todo, precisaria avançar mais do que misturar as memórias dos franceses e dos pernambucanos. O que se vê no palco é muito pouco, enquanto pesquisa e experimentação contemporânea. Falta pulsação.

Eu adoro teatro. Os meus amigos, para me provocar, dizem que eu falei que até teatro ruim é bom. Eu nunca falei isso, não exatamente assim. Mas há espetáculos que são precários. Mas uma luz, um brilho no olho do ator, a troca que ele faz com o público, uma entonação, um gesto, revela uma faísca que pode virar labaredas.

Seguindo e voltando à questão do desempenho. As atuações são fracas, dos dois atores. A dele mais do que a dela. Ele é estridente e falta-lhe a graça sugerida pelo texto original. Leidson Ferraz é alto e magro, e Fátima Pontes é baixinha. A direção poderia tirar proveito dessa determinação da natureza. Claro que os dois atores têm potencialidades e podem ser melhor aproveitados. O que enxerguei foi um gestual pouco criativo, com clichês, modulação de voz acomodada e lembranças que não foram bem exploradas cenicamente. Essas são minhas impressões da estreia.

Gente que estava nesse mesmo dia que eu e voltou depois garante que o espetáculo ganhou outro rumo. Mas também escutei a mesma opinião que a minha de outros que viram a peça com tudo de cima. Bem, a minha memória, por enquanto é da estreia. E foi assim que recebi a peça.

A participação do diretor parece forçar uma barra. É lógico que tem muitos diretores que gostam de aparecer na cena. Gerald Thomas é um deles. Mas ele acrescentava, pelo menos, nas suas encenações mais emblemáticas. Não achei que era o caso.

De qualquer forma, pretendo assistir novamente ao espetáculo. Não sei se vai dar para ser hoje, quando Olivier e Lili é apresentado dentro da Mostra Capiba, às 20h, no Sesc Casa Amarela. Se não, no Janeiro de Grandes Espetáculos, que a peça está escalada. Quem sabe não mudo de opinião? Lembrando a música de Raul Seixas, Metamorfose: “Prefiro ser / Essa metamorfose ambulante / Eu prefiro ser / Essa metamorfose ambulante / Do que ter aquela velha opinião /Formada sobre tudo…”

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