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Rumos Itaú Cultural quer compreender a produção artística pós-pandemia

Eduardo Saron e Valéria Tolon apresentaram novidades do Rumos 2023-2024

O edital Rumos Itaú Cultural mudou de perspectiva: o foco da edição 2023-2024, a 20ª do edital, será a criação artística. O anúncio foi feito durante uma coletiva de imprensa on-line realizada na manhã desta segunda-feira (31), com as presenças de Valéria Toloi, gerente do núcleo de Formação do Itaú Cultural, e Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú.

Desde 2013, o Rumos mantinha um formato aberto, recebendo propostas de todas as áreas artísticas e culturais e de modo bastante amplo, abarcando iniciativas de escopos  diversos, como catalogação, seminários, projetos de formação e criação, o que fomentava ainda a interseccionalidade entre as linguagens.

Já nesta edição, a ideia é priorizar a criação. O material de divulgação diz que não serão aceitos “Projetos que não tenham por finalidade ou resultado uma criação artística e/ou obra intelectual”, e explicita: “Na edição deste ano também não serão aceitos projetos ou propostas que tenham por finalidade a realização de cursos, oficinas, encontros, debates, palestras e seminários; programas, intercâmbios ou residências com o objetivo de estudo, aperfeiçoamento ou formação; mostras, exposições, festivais e feiras; rodas de leitura e saraus”.

Eduardo Saron explicou que há uma intenção da instituição de compreender a cena artística pós-pandemia: “Observando outros editais, a própria Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo, elas estão dando conta de um universo bastante amplo e que bom que isso esteja acontecendo na nossa cena artística e cultural brasileira. Então, quando o Itaú Cultural se debruça é: onde a gente pode de fato fazer diferença? A nossa decisão foi colocar um foco maior, verticalizar a compreensão e poder ter um mapa dessa produção e desse pensamento artístico (pós-pandemia)”, conta.

Valéria Toloi apontou que já havia uma demanda grande de projetos de criação no Rumos e que, focando na criação, o edital aposta no processo. “É uma escolha também de dizer para esse artista que a gente está apoiando que ele tenha um momento para olhar o processo. Isso é raro hoje em dia: você ter um tempo dentro do lugar em que você precisa circular, mostrar o seu projeto, finalizar o seu projeto”.

Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú

Valores – Os projetos selecionados pelo Rumos vão receber até R$ 100 mil bruto. Não há uma definição de quantos projetos receberão o apoio. Na última edição do Rumos, lançada em 2019, 11.246 projetos inscritos foram examinados e 90 projetos passaram na seleção.

Ao serem questionados pelo Satisfeita, Yolanda? sobre os valores líquidos que seriam recebidos pelos proponentes, pessoas físicas e jurídicas, Eduardo Saron e Valéria Toloi disseram que não havia como definir uma regra geral. “A gente não tem como saber ou como quantificar com certeza qual vai ser o imposto, depende de uma série de fatores, Imposto sobre o Município, Imposto de Renda Pessoa Física, o regime da pessoa jurídica. Mas o que a gente diz é: se cerque de informações para que você tenha garantias de uma planilha muito clara e objetiva; mas, para os selecionados, aí a gente entra auxiliando cada caso de uma maneira específica”, explicou Valéria Toloi.

As inscrições para o edital estarão abertas entre 1º de agosto e 22 de setembro de 2023. Na primeira fase da seleção, 46 pessoas de todas as regiões vão avaliar os projetos, o que garante até quatro leituras por profissionais diferentes; na segunda fase, 20 pessoas, entre gestores do Itaú Cultural e convidados externos farão a seleção, o que garante que cada projeto seja lido por até 10 pessoas. Os critérios de seleção são singularidade, relevância e pertinência.

A partir desta terça-feira (1º), os gestores do Itaú Cultural vão participar da Caminhada Rumos, encontros com a classe artística que vão acontecer em todas as capitais do país e no Distrito Federal.

O encontro desta terça-feira será na sede do Itaú Cultural em São Paulo, na sala Itaú Cultural, das 20h às 21h30. Não é necessário reservar ingressos e a entrada está sujeita à lotação do espaço. O encontro será gravado e disponibilizado posteriormente no site do Rumos.

No Recife, o encontro será realizado no dia 8 de agosto, no Teatro do Parque, das 19h às 21h.

Confira o site Rumos Itaú Cultural 2023-2024.

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Experiência artística do êxtase vai à exaustão

Nereu Jr / Divulgação

Foto: Silvia machado / Divulgação

Crowd (Multidão), espetáculo da franco-austríaca Gisèle Vienne, abriu a 7ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, na noite de quinta-feira, 5 de março. A artista buscou o mote da coreografia em suas experiências dos “clubs” de Berlim dos anos 1990 para erguer uma impressionante encenação de rave regada a música techno, manipulação de tempos e ritmos estampados nos corpos bem treinados de 15 jovens dançarinos.

Ao som de uma trilha eletrizante concebida por Peter Rehberg, com músicas de artistas como Jeff Mills, Global Communication e Underground Resistance, Crowd propõe nessa festa selvagem um mergulho interior nessa jornada hedonista. Experimentos para a figura perder o controle coletivamente na perspectiva de vivenciar algo profundo. É o que defende Gisèle Vienne.

A artista compõe imagens exuberantes. O chão é coberto por uma espécie de terra e lixo orgânico, permitindo que esse cenário remeta a uma noite de farra, que entra pela madrugada na Europa, em São Paulo ou em qualquer outro lugar.

Os 15 dançarinos entram em cena se movendo muito lentamente, o que, num primeiro momento, pode parecer uma representação de seres de outro planeta. Mas não é isso. Ou é, noutros termos? Eles se aglomeram, traçam marchas solitárias.

É a produção de um exercício de transe pela imersão em um ambiente sonoro intenso e repetitivo. A luz de Patrick Riou equaliza significados desse cenário, desenhando quadros de efeito impactante, das figuras que atravessam a noite perseguindo prazeres efêmeros ou um sentido para a vida.

Da plateia captamos o conjunto, um bloco de gente, ou cenas específicas, fisgadas dessas pequenas narrativas que surgem por todo o palco – encontros rápidos, corpos balançando em convulsões, beijos fugazes, jogos de mãos bobas que escorregam pelo corpo alheio, brigas, luxúria, solidão, estrago. Esses seres humanos falíveis acionam em 90 minutos amplificação narcísica.

Para mim, mais do que o êxtase proposto pela diretora, o que chega é o esgotamento pela repetição em vários ritmos e andamento nos movimentos dos intérpretes. Apreendo o que essa quantidade exagerada de opções, de ofertas, de relacionamentos não assegura ou atrai para uma relação duradoura. Tudo é fugaz.

Essa experiência sonoro-motora imersa em um ambiente de alta voltagem vibratória, pelo volume alto, pelas escolhas das músicas, pela simulação da perda do controle dos movimentos, tudo isso me remete a reflexões sobre os mecanismos inconscientes que alimentam a máquina capitalista atual.

As modulações de movimento, manipulação do ritmo, do tempo e intensidade dos gestos dos corpos expõem as emoções diluídas na multidão – algo opaco e translúcido – em estados alterados de consciência.

Os recursos técnicos, de produção e de efeito, como uma lata que explode ou fumaça que brota dos casacos são realmente impressionantes. A preparação do elenco expõe um virtuosismo, como se diria na modernidade, de trabalhar os corpos em câmera lenta, com movimentos em looping ou congelados em “frames”, que são realmente incríveis.

Mas é certa a associação com o estado psíquico do país e da plateia presente à abertura da MITsp, de um esgotamento causado por ataques constantes à democracia, às liberdades individuais e coletivas, às ofensivas ao direito de desejar e ser, as investidas contra a arte.

Abertura

O lugar de resistência da MITsp parece construído às custas de muito sacrifício, esforços que, quem está de fora, talvez não consiga supor. Mais uma vez, a mostra foi erguida em quatro meses, realmente um trabalho hercúleo. Em sua fala, o diretor de produção Guilherme Marques exaltou o trabalho da equipe e convidou o grupo para se juntar na frente do palco. Foi um dos momentos mais emocionantes da abertura, o esforço tornado carne.

Elegantíssimos os mestres de cerimônia da MITsp, os atores trans Gabriel Lodi e Renata Carvalho. O sempre admirado Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP, – um exemplo de combatividade em prol da cultura –, avança com seu discurso e postura coerentes desde a primeira versão da mostra. O diretor do Itaú Cultural Eduardo Saron reforçou o apoio da instituição ao evento e à cultura. O jornalista Celso Curi leu o Manifesto Artigo 5º, pelas liberdades.

Ah, os políticos… destoam do ritual, principalmente os que ocupam cargos nas gestões de centro, de centro-direita. O mundo já está muito complicado para quererem repassar responsabilidades das diretrizes culturais insuficientes.

Sigamos, pois, lutando pela arte e pelas vidas. Inclusive as nossas.

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