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Brincadeiras de Natal

Espetáculo junta várias manifestações populares. Foto: Inaldo Menezes/PCR

Todo Natal tinha aquela alegria na praça: os folguedos populares. O auto marítimo desse ciclo chamado fandango com seus marujos de roupas branquinhas fazia a imaginação voar para longe, em busca de terras desconhecidas.

Conta-se que o Fandango original já fez parte de peças teatrais da marujada, e da nau catarineta. O termo suscita versões controversas. Há pesquisadores para explicar a origem árabe da manifestação e outros que garantem que ela vem da Península Ibérica. Existem outras vertentes.

O fandango sobrevive em Alagoas. E um dos grupos de lá, do Pontal da Barra, do mestre Vavá, participa da montagem Brincadeiras de Natal. O elenco veste as roupas branquinhas e bem passadas que lembram outras trupes que olhos mais verdes viram no passado.

A futura secretária de Cultura do Recife, Leda Alves, estava lá, sentada na primeira fileira, acompanhando ontem o espetáculo Brincadeiras de Natal, na Praça do Arsenal, no Bairro do Recife. A encenação reúne o Reisado da Boa Vista (Garanhuns), Fandango do Pontal Barra das Alagoas, Guerreiro do Sol Nascente (Água Fria, Olinda), Pastoril Estrela Brilhante (Água Fria, Olinda) e Boi Estrela (Prazeres, Jaboatão dos Guararapes).

Neste domingo haverá mais uma sessão, às 18h. O cantor Geraldo Maia interpreta as jornadas dos vários folguedos e o ator Júnior Aguiar é uma espécie de mestre de cerimônias, que anuncia os brincantes. A direção é de Marcondes Lima e a direção musical de Dinara Pessoa.

SERVIÇO

Brincadeiras de Natal
Quando: hoje (23), a partir das 18h
Onde: Praça do Arsenal, Bairro do Recife
Quanto: Gratuito

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Bonequeiro e estudioso da cultura popular

Chico Simões é mamulengueiro, educador comunitário, ator, mágico, palhaço e ventríloquo. Desde 1983 viaja pelo mundo convivendo e aprendendo com mestres de várias tradições culturais. Depois de circular por três anos pelo Nordeste brasileiro convivendo com o amigo Carlinhos do Babau, do Carroça de Mamulengos, seu grupo, o Mamulengo Presepada, começou a atuar em Brasília em 1985. Ganhou do Mestre Solon, do Mamulengo Invenção Brasileira, os primeiros bonecos e a bênção para seguir caminho. “Aprendi como os mestres sobretudo sobre a vida e sobre o conhecimento, porque em nenhuma relação de aprendizado se falou em dinheiro. Ninguém paga para aprender e ninguém cobra para ensinar entre a gente. A gente aprende por convivência. Então é uma educação completamente diferente. Uma outra maneira de ver a vida”, conta Simões, que esteve no Sesi Bonecos do Mundo sábado passado, em São Paulo.
“Outra coisa, para cada um basta o suficiente para viver. Ninguém tem mais, não acumula, se tem um pouco mais já é pra dividir, pra repartir, pra compartilhar, e assim vai vivendo, mesmo com toda a dificuldade. E vi que não era só uma técnica, não era só um jeito de brincar. Era um jeito de viver e ver a vida e de compartilhar as coisas que a gente aprende”, ressalta. Chico ganhou diversos prêmios, entre eles: Bolsa Virtuose do Ministério da Cultura para pesquisar na Europa as origens das tradições do teatro popular brasileiro. Em 2009 Foi “Visit scholar” na Universidade de Berkeley – Califórnia – USA.

Bonequeiro Chico Simões, do Mamulengo Presepada, do Distrito Federal, atua pela valorização dos mestres populares. DUDU SCHNAIDER /DIVULGAÇÃO

Entrevista: Chico Simões

“Se os estados/governos/sociedade do Nordeste dessem a metade do valor que os estados do Sul dão aos seus fazedores de culturas a situação já melhoraria bastante”

“Tramita no Congresso uma Lei dos Mestres que poderá conceder bolsas vitalícias aos mestres de culturas populares”


Qual o lugar da cultura tradicional, em especial da arte dos bonequeiros populares em meio à cultura de massa e a complexidade do mundo globalizado?

Então vamos globalizar também as culturas tradicionais e especialmente os mamulengos. A globalização não pode ser sinônimo de massificação… A cultura de massa está vivendo seus últimos dias. A própria tecnologia esta democratizando os meios de produção, divulgação e comercialização de produtos sustentáveis e o mamulengo é um exemplo dessas permaculturas que estão falando por aí… Todo mundo sabe que toda monocultura é prejudicial à vida no planeta. O grande lance é mesmo a diversidade e nela cabe não só o mamulengo como também o rock and roll. Já sobrevivemos a tempos piores….

Além de aprendiz de feiticeiro, você também é um estudioso dos bonecos. Em suas andanças pelo Brasil, o que você pode colocar como realidade nas regiões e nos estados?
Sem demagogia nenhuma, o SESI BONECOS é uma exceção nacional e um bom exemplo a ser seguido por outros produtores e pelo estado, de como respeitar os brinquedos e os brincantes de culturas populares oferecendo-lhes respeito e dignidade, sem folclorizá-los nem inferiorizá-los… O resultado é que todos, principalmente o público, ganham com esse tratamento.
O Brasil é um continente de diversidade e combinações culturais incríveis e maravilhosas, mas as desigualdades ainda prevalecem… Posso dizer que se os estados/governos/sociedade do Nordeste dessem a metade do valor que os estados do Sul dão aos seus fazedores de culturas a situação já melhoraria bastante. Mesmo no Nordeste a situação do brinquedo e dos brincantes é bem diferenciada. Em Pernambuco, de onde vem o nome mamulengo, se destaca o brinquedo feito na Zona da Mata e os mestres ainda brincam pelos sítios e salões recolhendo entre o público os recursos necessários pra poder seguir brincando e o estado de vez em quanto contrata uma brincadeira para algum evento. Mas nos outros estados, como Paraíba onde o brinquedo se chama Babau; Rio grande do Norte, onde o brinquedo se chama João Redondo ou Calunga; e no Ceará e Piauí onde se chama “Cassimiro Coco”, a situação dos mestres é de completo abandono pelo estado, que ao invés de incentivar, desestimula os brincantes. Se algo não for feito vamos observar não o fim, mas uma grande descontinuidade na transmissão da arte e dos segredos do mamulengo, da velha para a nova geração de brincantes. É como se estivéssemos matando, por descuido e abandono, nossa “galinha dos ovos de ouro”.

Existem políticas públicas para os bonequeiros no Brasil? Você tem notícias de algo nesse sentido em outros lugares do planeta?
No Brasil estamos na reta final para o registro do teatro popular de bonecos como patrimônio imaterial e o próximo passo será a adoção de políticas de salvaguarda… mas isso tudo esta só no papel e com tantas mudanças a cada gestão política não temos nenhuma garantia de que um dia teremos uma política consistente que beneficie diretamente os mestres e seus aprendizes. Tramita no congresso uma Lei dos Mestres que poderá conceder bolsas vitalícias aos mestres de culturas populares em geral, que podem vir a atender os mestres mamulengueiros, mas pelo andar da carruagem até que um mestre seja contemplado com esse direito talvez a figura do mestre como entendemos hoje nem exista mais…
Na Itália tem uma escola livre de guaratelle (boneco tradicional), Na inglaterra o Punch and judy é o oitavo símbolo nacional mais querido pelo povo e o brinquedo tem até lugar especial para apresentações super concorridas entre o público. Na França a escola da UNIMA (união Internacional de Marionetistas tem curso especial para os alunos interessados no Guinol… No Japão o Kabuki é uma arte milenar e os artistas são reconhecidíssimos pelo estado e pelo povo japonês, na China os elencos de teatro de bonecos popular, geralmente as óperas são estatais e o no Oriente Médio e índia os brincantes são tidos pela sociedade como uma espécie de sacerdote que andam de casa em casa levando alegria e espiritualidade para todos. Em outros países não sei…

Que políticas públicas precisariam ser implantadas para garantir a sobrevivência do brinquedo, a existência digna dos seus artistas e a ampliação dessa arte?

Campanhas publicitárias de valorização dos mestres e de suas brincadeiras. Reconhecimento legal do direito dos mestres com mais de 65 anos de idade receberem pensão vitalícia – Lei dos mestres. Campanhas junto às escolas públicas para que os brinquedos sejam objetos de estudos e os mestres do brinquedo sujeitos de ensino. Estabelecimento da obrigatoriedade das prefeituras destinarem recursos aos grupos de culturas populares do município.
Edital específico para apoio ao teatro popular de bonecos onde estejam previstos montagens, encontros ou festivais para realização de oficinas, rodas de prosa e toda maneira de troca de experiência e convívio entre os mestres e os aprendizes.

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