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Recife perde André Filho, um trabalhador do teatro

André Filho morreu no último sábado, aos 62 anos. Foto: reprodução blog Fiandeiros

O ano era 2016. Vento forte para água e sabão, oitavo espetáculo e o segundo infanto-juvenil da Companhia Fiandeiros de Teatro, estreava no Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife. Numa entrevista ao Satisfeita, Yolanda? o diretor André Filho dizia que o tema mais significativo da peça era a morte, um assunto ainda repleto de tabu nas peças voltadas à infância.

“Resolvi seguir o caminho dessa discussão justamente pela contramão, ou seja, falar sobre morte a partir da vida, o sopro da criação, a relação com o divino que vem de nosso pulmão. Procurei contrastar o macrocosmo e o microcosmo, aqui simbolizado pelo clássico e pelo popular, respectivamente, mas sem mensurar valores de importância. Vida e morte, luz e sombra, ausência e conteúdo, tudo se complementa, assim como tudo que existe no universo.”

O foco na atuação e na dramaturgia, a musicalidade, a delicadeza e a sensatez marcam o trabalho de André Filho, encenador, ator, músico, diretor musical e dramaturgo, um trabalhador do teatro, que faleceu no último domingo, 10 de setembro, aos 62 anos, vítima de complicações de uma pneumonia.

André deixa a esposa, Daniela Travassos, a filha Maya, de 1 ano, e o legado de um trabalho duradouro e consistente nas artes da cena de Pernambuco, que inclui a Companhia de Teatro Fiandeiros, que atua há 20 anos no Recife e foi criada em parceria com Daniela e Manuel Carlos, e a Escola de Teatro Fiandeiros, que existe há 13 anos, e ocupa um espaço significativo na iniciação e na formação artística na cidade.

Manuel Carlos, André Filho e Daniela Travassos, fundadores da Cia de Teatro Fiandeiros. Foto: Eduardo Travassos

Formado em Matemática pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), André Filho fez o Curso de Extensão Musical, terminado em 1989; o curso básico de Formação do Ator oferecido pela Fundaj na década de 1990; e o curso de Formação do Ator da UFPE.

Na segunda metade da década de 1980, assinou muitas direções musicais ou composições de trilha para espetáculos que tinham a direção de José Manoel Sobrinho: Cantarim de Cantará (1985), O mágico de Oz (1986), Avoar (1986), O menino do dedo verde (1987), Com panos e lendas (1987) e Cantigas ao pequeno príncipe (1996). “Fico pensando como seria minha trajetória de encenador se ele não tivesse surgido como diretor musical, com quem eu dividi muitas construções de espetáculos. Ele aprendeu a lidar com o ator e a atriz nessa perspectiva do canto, nessa relação íntima do teatro com a música. André tinha um foco que era pensar a música no espetáculo cênico como dramaturgia e isso somava muito ao trabalho dos encenadores com quem ele trabalhou”, diz José Manoel.

A última experiência de trabalho de José Manoel Sobrinho com André foi no espetáculo Sistema 25, direção de Sobrinho, em que André Filho assinou duas composições. “No caso do Sistema 25, ele não era o diretor musical, era Samuel Lira, mas quando ele compôs,  estudou as cenas e veio discutir comigo os arranjos, porque ele pensava o arranjo como processo dramatúrgico”, complementa.

Nas experiências como ator, o diretor mais frequente foi Antonio Cadengue (1954-2018), na Companhia Teatro de Seraphim: André Filho atuou em peças como Em nome do desejo (1990), O jardim das cerejeiras (1990), Senhora dos Afogados (1993), Os biombos (1995), O alienista (1996), Menino minotauro (1997), Autos Cabralinos (Auto do Frade e Morte e vida severina), de 1997, Lima Barreto, ao terceiro dia (1998), Sobrados e Mocambos (1999) e Todos que caem (2000).

Em 2003, surge a Companhia de Teatro Fiandeiros. Numa entrevista para o Satisfeita, Yolanda? dez anos depois, André Filho relembra o início da companhia e os motivos pelos quais aqueles artistas permaneciam juntos.

“Nós nos reunimos em 2003. Nosso começo não foi muito diferente de outros coletivos: artistas que se juntam querendo se expressar coletivamente através de sua arte. Tínhamos origens distintas – éramos músicos, palhaços, professores, arte educadores, alguns já com experiência em trabalho de grupo, outros não. Eu havia sido convidado pelo Sesc para dirigir uma leitura dramatizada da peça A tempestade, de William Shakespeare. Convidei alguns atores para participar e o resultado é que, depois da leitura, o grupo quis continuar se encontrando para ler outros textos e conversar sobre teatro. Então decidimos seguir em frente com o processo de estudo e, daí, surgiu a Fiandeiros”, relembrava.

Na Fiandeiros, os campos de trabalho muitas vezes se misturavam: produção, gestão, atuação, direção, dramaturgia, direção musical e ensino de teatro.

Entre as produções mais marcantes do grupo estão Outra vez, era uma vez… (2003), texto de Filho, que assinava também a direção e direção musical, e ganhou o Prêmio Funarte de Dramaturgia na região nordeste em 2004; Noturnos, de 2011, texto e direção de André; e Histórias por um fio (2017), peça em que o artista assinava o texto e também estava em cena como ator, sob a direção de João Denys. Denys lembra com carinho dessa experiência. “Ele ficou muito satisfeito, porque não se achava lá um bom ator, mas foi muito reconhecido, até ganhou um prêmio no Janeiro de Grandes Espetáculos”, comenta o diretor. Naquela edição do festival, em 2018, a peça levou no total sete prêmios: Melhor Espetáculo, Diretor, Ator, Ator Coadjuvante, Cenário, Iluminação e Sonoplastia/Trilha Sonora.

“André era um sonhador, generosíssimo, sereno, aquela pessoa que fazia do teatro a vida dele. É uma criatura que vai nos deixar um vácuo, mas esse vácuo será preenchido com as sementes que ele deixou nos seus alunos, naqueles que o acompanhavam”, finaliza Denys.

Como artista que desde cedo acreditou no teatro como uma arte coletiva, André Filho era um defensor das políticas públicas para a cultura e o teatro. Articulado, tinha sempre uma opinião sensata, mas enfática, sobre as questões da cidade e do estado. Foi ouvido em praticamente todas as matérias sobre política cultural publicadas no Satisfeita, Yolanda? desde a criação do nosso site em 2011.

Neste ano, por exemplo, comentou as deficiências do Sistema de Incentivo á Cultura (SIC) e o valor irrisório do então Prêmio de Fomento às Artes Cênicas, que destinava uma verba de R$ 100 mil para ser dividida entre cinco produções. “Quando falamos nos festivais pelo país afora que o nosso fomento tem esse valor, as pessoas não acreditam! Destinar R$ 20 mil para realizar uma montagem é um desrespeito com a classe”, pontuou.

André Filho construiu uma trajetória que não se deixou marcar por egos e afetações. Quando questionado o que era preciso para ser um bom encenador, em 2016, disse que não se considerava e nunca havia pretendido ser um encenador. “Apenas procuro fazer um teatro que busca dialogar com a plateia, ser compreendido e me sintonizar com o mundo à minha volta. Uma vez vi uma entrevista com Abujamra que ele dizia que ‘ser encenador é a arte de ser dispensável’. Acho que é por aí. O que é mais bacana é que nosso trabalho é completamente invisível, quem brilha no palco é o ator. O trabalho do diretor é escrever no palco uma dramaturgia, escrita ou não, de maneira poética. Eu acho que para ser um bom encenador a primeira coisa que se tem a fazer é compreender que seu trabalho é invisível e que a cada novo processo se volta à estaca zero, do aprendizado. Quando isso não acontece corremos o risco de ficarmos repetitivos e presos ao passado. O tempo do teatro passa e não volta. Não adianta. Quanto mais tentarmos voltar ao que nos deu brilho um dia, mais nossa luz se apagará. Toda vez que penso nisso sinto quanto estou distante de ser um bom encenador”.

 

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Sopro na dramaturgia para criança

O esetáculo Vento Forte para Água e Sabão, com montagem do Grupo de Teatro Fiandeiros. Foto: Rogério Alves /Divulgação

O espetáculo Vento Forte para Água e Sabão, da Companhia Fiandeiros de Teatro. Foto: Rogério Alves

A vida é breve e imprevisível. É preciso aproveitar cada segundo, entende a Bolonhesa depois que fez amizade com Arlindo. Metáfora poderosa, essa curiosa relação entre a bolha de sabão e a rajada de vento. Juntos eles vão experimentar as belezas e os sabores do mundo, mesmo sabendo que é tudo muito arriscado. O oitavo espetáculo da Companhia Fiandeiros de Teatro e o segundo voltado ao público da infância e juventude, Vento Forte para Água e Sabão está em cartaz aos sábados e domingos, às 16h, no Teatro Hermilo Borba Filho até o final do mês.

Para falar da fugacidade dessa passagem pela Terra e a ameaça constante da morte, o diretor levou para cena alusões a planetas, astros, estrelas, galáxias em contraponto lúdico com a bolha de sabão. No elenco da peça, incentivada pelo Funcultura, estãoTiago Gondim, Daniela Travassos, Geysa Barlavento, Kéllia Phayza, Victor Chitunda e Ricardo Angeiras.

O musical tem texto assinado por Giordano Castro e Amanda Torres. O ator do Grupo Magiluth fala um pouco sobre a dramaturgia, na entrevista a seguir.

Giordano Castro, ator e dramaturgo. Reprodução do FAcebook

Giordano Castro, ator e dramaturgo. Reprodução do Facebook

Como foi o processo para criação da peça Vento Forte para Água e Sabão?
Esse processo surgiu na oficina Fronteiras da Linguagem, na Fundaj, ministrada por Luiz Felipe Botelho. Um dos exercícios da oficina era experimentar a escrita a partir de um universo. Eu e Amanda, que éramos um grupo, ficamos com o universo do fantástico. E aí a gente enveredou por essa escrita. Eu e Amanda tínhamos vontade de escrever para criança. Queria escrever de como falar sobre morte para criança. Essa foi a proposta inicial e foi daí que surgiu a história da bolha de sabão e do vento.

Que valores você destaca na peça?
Acho bastante subjetivo. Na verdade, a gente enquanto fazedor artístico se propõe a criar uma obra. As leituras dessa obra, como ela é recebida, quais as mensagens e os valores que cada um tira dela é um processo de fruição pessoal. Acho que seria até uma arrogância minha. Sei o mote, a abordagem da morte para criança. O importante é apreciar e ver o que ela suscita em cada pessoa.

Como a peça dialoga com o Brasil de hoje?
Essa peça foi escrita há um bom tempo. Faz uns 4, 5 anos, não lembro bem. Se esse viés é o momento que a gente está vivendo agora, crise politica e tudo mais, acho que ela não dialoga diretamente com isso. Ela dialoga com uma questão que vai ser sempre falada, que é a vida e dentro dessa vida, a morte, que também faz parte dela. E é sempre um assunto delicado para qualquer pessoa, mas falar para uma criança… A primeira experiência com a morte pode se dar em várias linhas, mas quando se fala que é uma pessoa mais próxima, tudo é mais difícil. Mas tenho absoluta certeza que as crianças conseguem lidar e resolver conflitos muito melhor do que os adultos. Então é isso, a peça dialoga com a vida, com o que fazer e o que viver, porque a gente não sabe quando vai morrer.

É mais difícil escrever teatro para crianças do que para adultos?
Tenho achado cada dia mais que o difícil é escrever. Com as tecnologias, principalmente as redes sociais, blogs etc, todo mundo tem a possibilidade de escrever, de se expressar mais do que antigamente, que era preciso um veículo para expor as suas ideias. E hoje a internet democratizou isso. Então cada vez mais tem aparecido pessoas com escritas e estéticas bem interessantes. Escrever para adulto ou para criança acho que é indiferente com relação à dificuldade. O que acho que é importante perceber e olhar é saber o que você quer falar para esse determinado público. Eu tenho uma crença muito forte que a gente não tem que colocar a criança no lugar de uma tábula rasa, que precisa encher de informações. Como eu disse, elas conseguem lidar com muitas coisas do dia a dia, da vida muito melhor do que qualquer adulto. Assim em vez de olhá-las de cima para baixo, vamos olhá-las de frente, olho a olho e saber lidar com essa informação. Então, acho que existe uma preocupação, principalmente pra mim, de um texto para crianças e tal e não colocá-las no lugar de infantiloide ou do bobinho e sim levar em consideração que ela sabe lidar muito bem com o mundo ao redor dela.

O que percebe do teatro pernambucano atual?
O teatro Pernambuco atual hoje acho que tá da mesma forma que todos esses anos… assim. Tá do jeito que tá… não sei responder muito isso não. A gente tá passando por um momento bastante delicado principalmente por causa desse viés político, que a gente não tem muito como separar uma coisa da outra. Essa administração municipal e estadual é extremamente omissa quanto às questões culturais. Vemos cada vez mais os espaços cênicos da cidade não receberem o cuidado que eles merecem. Enfim, acho que a gente passa por momento delicado.

E o que é feito para o público infantil no Recife?
Sobre o teatro feito para infância aqui no Recife, pelo menos os que eu acompanho e eu admiro, eu acho incrível e de ótima qualidade. Eu me refiro a alguns autores. Eu gosto muito de Carla Denise e do pessoal do Mão Molenga. Admiro pra caramba o trabalho de Luciano Pontes. Alexsandro Souto Maior escreve muito para criança e eu adoro. Sempre fui muito fã das coisas de Marco Camarotti também. Então acho que a gente tem uma leva muito boa, de pessoas que escrevem com muita responsabilidade para criança, com muito cuidado. Esse teatro é bem bom. O teatro para criança mais comercial acho que ele tem o seu lugar, apesar de eu não acompanhar, de não curtir, acho que há espaço para todo mundo, que tem lugar pra eles na cidade.

Qual é a peça de teatro que você mais gostou de fazer? Como dramaturgo e intérprete?
A peça que eu mais gostei de fazer… Ah! não sei. Cada peça tem o seu sabor especial. Os trabalhos que faço junto ao Magiluth… Enfim, toda minha experiência teatral está no Magiluth. Cada espetáculo é uma experiência importante e o mais interessante é estar com os meus companheiros, com os meus amigos. A gente se sente bem em cena. É uma continuação da nossa vida, na sala de ensaio, no dia-a-dia. Então estar em cena é mais um momento com eles, que é tão bom quanto. Cada espetáculo a gente se diverte de forma diferente. Eu gosto muito muito muito muito de fazer Aquilo que meu Olhar Guardou para Você; O Viúva porém Honesta é bem cansativo, mas me divirto bastante. Luiz Gonzaga ele tem um lugar também muito legal, adoro estar na rua. O ano em que sonhamos perigosamente é o trabalho que eu me sinto mais concentrado, mais focado, mais cuidadoso enquanto estou fazendo, mas me divirto; mas é em outro lugar, com um cuidado maior.

O que é preciso para ser um “bom” dramaturgo?

O que é preciso para ser um bom dramaturgo?! Eu também estou querendo saber. Quem souber responder por favor me diga, que eu também quero aprender a ser um bom dramaturgo. O que eu busco é sempre ler coisas novas, presto atenção no dia a dia, nos assuntos que as pessoas estão discutindo. Tentando ver, ouvir e prestar atenção em tudo.

Ficha Técnica
Texto: Giordano Castro e Amanda Torres
Direção geral: André Filho
Elenco: Tiago Gondim, Daniela Travassos, Geysa Barlavento, Kéllia Phayza, Victor Chitunda e Ricardo Angeiras
Direção musical e arranjos vocais: Samuel Lira
Direção de arte: João Denys e Manuel Carlos
Direção de produção: Daniela Travassos
Iluminação: João Guilherme de Paula
Operação de luz: João Victor e João Guilherme de Paula
Preparação corporal: Jefferson Figueirêdo
Produção executiva: Renata Teles
Apoio: Charly Jadson e Jefferson Figueiredo
Aderecistas: João Denys e Manuel Carlos
Equipe de apoio confecção de adereços: Maria José Araújo, Marco Antônio, Emerson Soares e Jerônimo Barbosa
Costureira: Ira Galdino e Georgete Bezerra
Cenotécnico: Israel Marinho
Fotografias: Rogério Alves
Design gráfico: Hana Luzia
Assessoria de Imprensa: Míddia Assessoria
Realização: Companhia Fiandeiros de Teatro
Incentivo: Funcultura

SERVIÇO
Vento Forte para Água e Sabão
Quando: Até 29 de maio, Sábados e Domingos, às 16
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Quanto: R$10 (Inteira) | R$5 (Meia) – Neste final de semana vale meia-entrada para todos

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