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A expressão do indizível:
Stoklos performa Lispector
ao som de Elis Regina

Cena de Abjeto-Sujeito: Clarice Lispector por Denise Stoklos. Foto: Leekyung Kim / Divulgação

A arte de três mulheres-criadoras incríveis, de diferentes gerações, se junta no espetáculo Abjeto-Sujeito: Clarice Lispector por Denise Stoklos. Com textos selecionados de Clarice Lispector, canções interpretadas por Elis Regina e atuação de Denise Stoklos, a peça fica em cartaz no Sesc 24 de Maio entre os dias 10 de março e 3 de abril, de quinta a sábado, às 20h e domingos, às 18h. A direção é assinada por Elias Andreato e o dramaturgismo por Welington Andrade.

Criadora do teatro essencial, Denise Stoklos leva à cena alguns textos de Lispector, a exemplo dos contos A quinta história e O ovo e a galinha; os romances Água viva e A paixão segundo G.H. e a crônica Vergonha de viver. A artista aponta que a ideia não é representar nenhuma personagem, “mas sim reapresentá-las, trazendo uma ideia cênica a partir das questões levantadas por Clarice”.

Um símbolo muito forte na obra clariciana, que o espetáculo explora do início ao fim, é o olho. Alusões à visão e metáforas do olhar se espraiam ao longo do trabalho. A narradora de A quinta história assiste diariamente, estupefata, ao cortejo das baratas; em A paixão segundo G.H., a visão da barata leva à epifania; em O ovo e a galinha, a narradora de manhã na cozinha “vê” o ovo – o que a convida a iniciar uma longa viagem através da linguagem; em O búfalo, a personagem busca insistentemente o olhar do animal, tendo seu olhar, por fim, penetrado por ele; em Amor, a epifania se dá porque Ana vê um cego.

Foto Leekyung Kim / Divulgação

Quando tinha 17 anos, no final da década de 1960, a estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, já era uma leitora empenhada de Clarice Lispector. Nessa época, Denise Stoklos colaborava para um jornal da Faculdade. Com a justificativa de fazer uma entrevista, a atriz descobriu o endereço de Clarice na lista telefônica, foi ao Rio de Janeiro e de um telefone público, embaixo do prédio, fez um contato com a escritora.

Foi atendida por Clarice que após alguns minutos perguntou: “Você não veio me entrevistar, você veio me conhecer, não é? Então, deixe de lado a caneta e o bloco de anotações e vamos conversar.” Stoklos mantém aquele encontro aceso na memória.

O dramaturgismo é assinado por Welington Andrade e a direção é de Elias Andreato 

O dramaturgista Welington Andrade distingue linhas que fazem o trajeto do que é abjeto. São textos, como ele explica, que vão da negação do sujeito até a constituição da subjetividade. “Trata-se de uma transição, de um percurso, de uma coisa levando a outra. Essas relações podem ser observadas em diversos textos de Clarice, como nas interações das personagens G.H com uma barata – algo repulsivo porque abjeto – e aquela do conto O búfalo, que se identifica com o animal a ponto de odiá-lo”, situa.

A cena é ocupada, além da “reapresentação” de figuras claricianas, por canções na voz de Elis Regina, registros mais soturnos e existencialistas da cantora, como Meio-Termo, Os Argonautas e uma versão à capela de Se Eu Quiser Falar com Deus. A voz de Elis compõe o ambiente para Denise desenvolver sua partitura coreográfica.

Depois das 16 apresentações em São Paulo, Abjeto-Sujeito: Clarice Lispector por Denise Stoklos se apresenta no Festival de Curitiba, no Sesc da Esquina, dias 8 e 9 de abril.

FICHA TÉCNICA
Concepção e Interpretação: Denise Stoklos
Direção: Elias Andreato  
Dramaturgismo: Welington Andrade
Textos: Clarice Lispector
Canções: Elis Regina
Iluminação: Aline Santini
Espaço Cênico e Figurino: Thais Stoklos Kignel
Fotos: Leekyung Kim
Assistente de Direção: Cristina Longo
Segundo Assistente: Wallace Dutra
Cabelo: Eron Araújo
Operação de Luz: Maurício Shirakawa
Operação de Som: Vanessa Matos
Diretor de Produção: Ederson Miranda
Assistente de produção: Sofia Gonzalez
Segundo assistente: Alexandre Vasconcelos
Produção Geral: Mira Produções Culturais

SERVIÇO
Abjeto-Sujeito: Clarice Lispector por Denise Stoklos
Quando: 10/03 a 03/04, quinta a sábado, às 20h e domingos, às 18h
Onde: Sesc 24 de Maio (Rua 24 de Maio, 109, Centro, São Paulo, SP – 350 mts do metrô República)*
*Obrigatório uso de máscara e apresentação de comprovante de vacinação contra covid-19 (físico ou digital), evidenciando as duas doses, ou dose única.
Ingressos: R$40 (inteira); R$20 (Credencial Sesc, meia-entrada: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos, aposentados e pessoas com deficiência). Ingressos à venda a partir de 08/03, às 14h, no portal sescsp.org.br/24demaio e 09/03, às 17h, nas bilheterias da rede Sesc SP.
Duração: 75 minutos.
Classificação Indicativa: Não recomendado para menores de 14 anos.

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Nelson Rodrigues no Arraial

Viúva, porém honesta será encenada na Rua da Aurora. Foto: Pollyanna Diniz

Nelson Rodrigues ainda está rendendo nos palcos pernambucanos, ainda bem! Desta vez, no Teatro Arraial, na Rua da Aurora, 457, Boa Vista. Hoje, às 19h, o grupo Magiluth e os diretores Cláudio Lira e Carlos Bartolomeu participam de uma mesa redonda. Vão discutir o tema “Nelson Rodrigues nos palcos recifenses”. Já amanhã e sexta-feira, também às 19h, o Magiluth volta a apresentar a sua versão de Viúva, porém honesta. E no sábado, no mesmo horário, a Cia. Macambira de Teatro faz uma leitura dramatizada seguida de roda de diálogo do texto Perdoa-me por me traíres. Toda essa programação é gratuita, mas está sujeita à lotação da sala (94 lugares).

Escrevemos sobre Viúva, porém honesta.

E queria publicar um teaser do espetáculo O beijo no asfalto, direção de Cláudio Lira, que estreou no centenário de Nelson Rodrigues no Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro, e será apresentado em outubro, no Teatro de Santa Isabel.

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A paixão segundo Beth Goulart

Simplesmente

Foto: Festival Recife do Teatro Nacional/Divulgação

– Escrevo para mim, para sentir a minha alma.

Sou intuitiva. Sinto mais do que penso. Escrevo para entender melhor o mundo.

Escrever é um aprendizado, assim como viver.

As frases ditas por Beth Goulart no papel de Clarice Lispector talvez possam ser usadas para a própria atriz. Ela está no palco para descobrir a si mesma, para testar limites, e de forma aparentemente muito mais ampla – não só no que se refere ao seu ofício de atriz. O espetáculo Simplesmente eu, Clarice Lispector nos desafia – nos surpreendemos tentando desvendar o que daquele personagem é Beth e o que é Clarice. E isso não é tão fácil assim…afinal, muitas vezes não conhecemos nem as pessoas com as quais convivemos diariamente!

Entrevistei a atriz dias antes da apresentação da peça, que abriu na última quarta-feira o 13º Festival Recife do Teatro Nacional, e ela disse que encontrou a sua própria emoção para então levar ao palco a verdade da escritora de A hora da estrela. Que essa foi uma sugestão do Almir Haddad, que trabalhou na montagem como supervisor – Beth está no palco, fez o texto e ainda dirige. Bom, a língua presa e o sotaque nordestino (misturado ao paulista da atriz? alguns se perguntaram se não era demais…e parece que ela não consegue levar o sotaque no mesmo ritmo até o fim ) estavam ali, além da expressão facial. O rebolado e a elegância de menina fina parecem pertencer muito mais à atriz. Mas ainda não é isso.

Por ser tão delicada e ao mesmo tempo tão forte, até quando falava de banalidades, a literatura de Clarice é bem difícil de ser levada ao teatro. No palco, em muitos momentos, a impressão que dá é que aqueles textos não tomam a proporção devida – mesmo que a peça seja entremeada por alguns silêncios, o que se mostra fundamental. Será que  dá tempo do público mastigar aquelas palavras? Bom, não parece que elas fiquem maturando na cabeça e isso aconteça depois que o espetáculo é encerrado…

É bem provável que haja alguma discordância sobre esse argumento. Ainda na escada do teatro, vi uma mulher abraçando outra. Dizia estar emocionada, era fã de Clarice. No twitter, uma garota comentou que estava ′passada`. Talvez porque a literatura de Clarice seja assim mesmo. Alcança de pouquinho. Mas…sempre mas… no espetáculo não consegue arrebatar, comover, ainda que a peça tenha muitas qualidades, principalmente técnicas, como direção de movimento, iluminação, cenário e figurino.

Um dos momentos mais belos é quando a escritora judia clama por Deus – numa oração que é seguida pelo Salmo 23, só que cantado (e foi a própria atriz que musicou o Salmo). A interpretação de Beth Goulart também é correta, precisa, madura, certinha, fruto de competência e de um trabalho de imersão na obra de Clarice que durou dois anos. Além da própria Clarice, Beth traz ao palco quatro mulheres da obra da escritora: Joana, de Perto do coração selvagem, que é o impulso, a jovialidade; Ana, do conto Amor, dedicada ao marido e aos filhos; Lóri, da obra Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, que se prepara para viver um encontro amoroso; e uma mulher sem nome, do conto Perdoando Deus, que mostra o humor inteligente de Clarice.

E aí é muito bem solucionada a transição entre esses personagens e Clarice, com trocas de roupa, mudanças na iluminação. E ao, mesmo tempo, como diz o próprio texto. “Joana, como separá-la de mim? Fazê-la diferente do que sou”, diz Clarice referindo-se à personagem. Mesmo que cause algum incômodo – por causa dos brancos quase em excesso, a iluminação de Maneco Quinderé é bem bonita e nos dá a ideia de uma página em branco, de uma tela a ser pintada, como explicou Beth Goulart na entrevista.

Bom, o que mais permanece para mim é a análise sobre o ofício da escritura, a necessidade da palavra, o aprendizado da escrita, que, como disse Clarice, é a própria vida.

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