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Um massacre para não esquecer

Salmo 91 estreia hoje no Recife. Fotos : Wilson Lima / divulgação

Outubro de 1992. Oficialmente, 111 presos foram mortos na casa de detenção de São Paulo, conhecida pelo nome de Carandiru. Comenta-se, no entanto, que foram mais de 250. A chacina chocou o país e o mundo. Esse episódio virou livro, Estação Carandiru, de Drauzio Varella, e depois teatro. Com texto do jornalista e dramaturgo Dib Carneiro Neto, Salmo 91 aborda o cotidiano selvagem de personagens que se digladiam entre domínios e desejos. Ao dar voz aos prisioneiros, a peça mostra como o sistema carcerário brasileiro está falido.

Composta por dez monólogos, Salmo 91 conta o drama de cada personagem. Dadá, um sobrevivente do massacre inicia a narração. Em seguida, os outros nove presos expõem suas questões.

O texto teve sua primeira montagem em 2007, com direção de Gabriel Vilela, e conquistou o prêmio Shell de melhor autor no ano seguinte. Além da montagem de Vilela, a peça teve outras duas montagens: uma no Uruguai e outra na Bahia. Hoje estreia a versão pernambucana com o grupo Cênicas Cia de Repertório, na sede do grupo, no Bairro do Recife, com direção de Antônio Rodrigues. É a primeira montagem que o grupo fez especificamente para estrear na sede, espaço alternativo importante da cidade, que vem recebendo ao longo dos anos cada vez mais apresentações e projetos. Os ingressos para a estreia já estão esgotados.

Entrevista // Antônio Rodrigues

Antônio Rodrigues, diretor e ator do espetáculo

Salmo 91 é uma peça teatral escrita por Dib, adaptação do livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella. O texto já foi encenado várias vezes e ganhou muitos prêmios. O que lhe motivou a encenar esse texto agora, no Recife de 2015?
A relação com o texto, mesmo que indireta, já é antiga. Antes de montarmos Senhora dos Afogados, tínhamos interesse em um texto do Sergio Roveri que era inspirado no conto Barbara, do Drauzio Varella, que tinha o Carandiru como tema. Passamos um tempo procurando textos para o elenco masculino do grupo, mas não montamos na ocasião. Depois do Nelson (Rodrigues) mergulhamos no texto A filha do teatro, montagem com o elenco feminino do grupo. Quando voltamos à ideia de montar um espetáculo com os atores da cia, fomos pesquisar textos dentro do universo carcerário. Foi aí que entramos em contato com Dib Carneiro Neto, que nos enviou o livro com o texto Salmo 91 e a identificação foi imediata. Não somente pelo universo retratado, uma vez que, apesar de terem se passado 23 anos do massacre, essa questão permanece atual e urgente, como também pelo caráter confessional dos monólogos, que nos permitiria uma encenação onde a relação próxima e íntima com o público fosse potencializada, em espaços alternativos, uma vez que tínhamos o desejo de estrear um espetáculo feito no Espaço Cênicas.

Você assistiu a alguma das outras montagens?
Não tivemos a possibilidade de assistir nenhuma montagem anterior. Em nossas pesquisas tivemos conhecimento da montagem do Gabriel Vilela em São Paulo, da montagem baiana e de uma montagem fora do Brasil, no Uruguai.

Qual a sua abordagem nessa encenação?
A peça pretende construir uma ambientação que condense essa atmosfera trágica dos muros e paredes do Carandiru. O público precisa sentir-se dentro desse ambiente, na intimidade dos narradores e com a proximidade como estratégia de ligação com o universo carcerário. A cena se passa no espaço interno do presídio, o público é levado para dentro da cadeia, seja na intimidade das celas ou nos corredores das galerias. As cadeiras serão dispostas nas laterais da cena, fazendo da assistência um espectador próximo e íntimo dos relatos. Além desta pretensa proximidade, a iluminação será pontual valorizando o jogo de claro e escuro, sombra e luz, que revelam ou escondem as dores e agruras expostas. Os depoimentos do texto sugerem uma composição, tanto em termos cênicos como interpretativos, que oscila entre uma mobilidade pulsante dos personagens e das imagens, como em movimentos muitos precisos e limitados pelo ambiente do claustro. As imagens e visualizações potencializam a composição e construção das personagens, revelando as sensações e pulsações da cena. As narrativas dos monólogos têm caráter íntimo e devastador.

Como funcionou o processo de criação – os ensaios, a escolha do elenco?
O elenco é formado pelos atores da Cênicas Cia de Repertório. Fizemos um levantamento de pesquisa sobre o universo da montagem: assistimos documentários, lemos o livro Estação Carandiru e só não fomos ao presídio porque estourou uma rebelião nos presídios de Pernambuco no período dos ensaios. A mola propulsora da encenação é o trabalho de corpo e voz dos atores, que atuam como coautores das cenas, criando uma nova dramaturgia, a dramaturgia do ator. Toda uma experimentação envolvendo contensão física e expansão energética será combustível na criação de um corpus interpretativo que desenvolva no ator a apropriação da atmosfera densa, da construção de personagem e de uma relação próxima com o público. No início foram trabalhados laboratórios com o universo do texto, sem definição de papeis. Só após uma apropriação das possibilidades que os personagens foram sendo construídos. Todos os atores passaram pelos 10 personagens na sala de ensaio. Tivemos a assistência de direção e preparação de elenco de Sônia Carvalho.

A narrativa explora em dez monólogos intercruzados a visão pessoal dos presos em relação à vida e ao crime. Como você elaborou as cenas e conduziu a visão de cada personagem?
Além de dar voz à margem, cada cena, cada diálogo, é um retrato real daquelas vidas, tirando-as do anonimato e colocando-as em destaque para questionar a violência das paredes e daqueles que a habitam. A cena traz a história de 10 detentos do pavilhão 9, onde oficialmente 111 foram assassinados, mas de acordo com a voz dos detentos foram mais de 250 mortos. A peça não é um relato realista do massacre e foca na perspectiva do preso sobre a vida marginal. Por meio da subjetividade das personagens, o drama desenrola questionamentos sociais sobre a marginalidade, colocando em foco as sensações de medo, desejo, vaidade e violência, revelando uma representação do teor do livro que expõe o que realmente acontecia dentro e fora das celas.

O que você acha de ter no Recife outra peça que dialoga com essa questão do cárcere – no caso , Sistema 25?
O massacre do Carandiru, que ficou conhecido como a maior chacina do sistema penitenciário brasileiro, não é um fato isolado. Ter mais de um espetáculo abordando essa temática, revela que o tema é uma questão que urge, o nosso sistema carcerário padece de reforma. Questões como redução da maioridade penal, pena de morte, entre outras, não são verdadeiramente abordadas buscando as reais soluções. O problema é em toda estrutura do sistema. A violência velada desse sistema é algo urgente e atual.

Ficha Técnica:

Texto: Dib Carneiro Neto (adaptação do best-seller Estação carandiru, de Drauzio Varella)
Encenação: Antônio Rodrigues
Preparação de elenco e Assistência de Direção: Sonia Carvalho
Elenco: Álcio Lins, Gustavo Patriota, Raul Elvis, Rogério Wanderley e Antônio Rodrigues
Ator coringa: Tarcísio Vieira – standy by
Figurinos: Álcio Lins, Antônio Rodrigues e Sônia Carvalho
Adereços: Álcio Lins, Felipe Lopes, Sônia Carvalho e o Grupo
Máscaras: Grupo
Cenário: Antônio Rodrigues
Execução de Cenografia: Felipe Lopes
Execução de Figurino: Francis Souza
Maquiagem: Álcio Lins
Sonoplastia: Antônio Rodrigues
Operação de som: Tarcísio Vieira
Fonoaudióloga: Sandra Carmo
Iluminação: Luciana Raposo
Operação de luz: Nardonio Almeida
Design Gráfico: Antônio Rodrigues
Contra Regra: Monique Nascimento
Produção Executiva: Sônia Carvalho e Antônio Rodrigues
Realização: Cênicas Cia de Repertório

Peça expõe sofrimentos, desejos, frustrações, revoltas dos presos do Carandiru

Serviço:

Salmo 91
Quando: De 1º de agosto a 6 de setembro, sábados às 20h; e domingos, às 18h. Os ingressos para a estreia estão esgotados.
Onde: Espaço Cênicas (Rua Marquês de Olinda, 199 – segundo andar. Bairro do Recife Antigo – Entrada pela Vigário Tenório).
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada mediante apresentação de carteira de estudantes ou RG em caso de maiores de 65 anos.).
Ingressos antecipados no link: http://www.eventick.com.br/salmo-91
Capacidade:65 lugares

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