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Pessoa, perdoe a falta de abraço

Carlos Paulo no espetáculo Do Desassossego. Foto: Ivana Moura

Carlos Paulo no espetáculo Do Desassossego. Foto: Ivana Moura

Há 15 anos Carlos Paulo interpreta Do Desassossego. Foto: Ivana Moura

Há 15 anos o ator português  interpreta Bernardo Soares. Foto: Ivana Moura

“O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas cousas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual […]”
                                                                                   Fernando Pessoa, Carta a Adolfo Casais Monteiro                                                                                    Lisboa, 13 de Janeiro de 1935

 

O ajudante de guarda-livros Bernardo Soares vive e trabalha na Baixa lisboeta. É cinzenta a paisagem humana e citadina que o rodeia. Dos cafés que frequenta ao escritório da Rua dos Douradores. De figuras como o patrão Vasques, o Moreira ou o moço de fretes. Solitário, mora num quarto alugado. Essa “personalidade literária” troca ideias sobre prosa e poesia com o próprio criador, o escritor Fernando Pessoa (1888 -1935). Os fragmentos literários de Bernardo Soares compõem o Livro do Desassossego. A partir de algumas passagens desses textos o Comuna — Teatro de Pesquisa, grupo com 45 anos anos de existência / resistência, estreou em 2001, em Lisboa, o espetáculo Do Desassossego.

O ator Carlos Paulo atua na peça Do Desassossego há 15 anos. A montagem foi vista por mais de 30 mil pessoas e já rodou por vários países durante esse tempo, na maioria das vezes em espaços pequenos, aconchegantes, intimistas, que criam uma ambiência de cumplicidade.

Com direção de João Mota, cabe a Carlos Paulo conduzir a plateia pelas aflições e intranquilidades de alma e de corpo que pulsam das palavras de Pessoa. O intérprete, que conta com a participação do músico Hugo Franco, se multiplica em seis personagens/ arquétipos: o Escriturário, a Criança, o Mendigo, o Palestrante, Homem/Mulher e Revoltado.

A montagem foi exibida ontem, no Teatro de Santa Isabel, dentro da programação do 23º Janeiro de Grandes Espetáculos. Não funcionou em sua plenitude. As condições materiais (escolhidas e/ou oferecidas) desfavoreceram a fruição. Por alguns motivos. A interpretação intimista, muitas vezes sussurrada, do ator exigia potentes microfones e/ou um espaço menor, que permitisse uma proximidade quase tátil com a plateia.

Quase no escuro em algumas cenas. Foto: Ivana Moura

Quase no escuro em algumas cenas. Foto: Ivana Moura

A luz baixa, quase em resistência, também dificultou, e para quem estava nas poltronas mais distantes do palco, impediu mesmo, de apreciar os detalhes interpretativos do rosto do ator.  E essa penumbra não convenceu como uma opção de dramaturgia da iluminação, como ocorre com o encenador brasileiro Roberto Alvim, que radicaliza nesse quesito do quase escuro. Além disso, o sotaque português, carregado demais neste papel e muitas vezes acelerado, embaralhou a escuta.

Carlos Paulo exibiu também neste Janeiro o recital poético Homenagem a João Villaret, (confira crítica: Poesia da cena portuguesa) junto com a atriz/cantora Tânia Alves e o músico Hugo Franco. Foi no Hermilo Borba Filho, um teatro menor do que o suntuoso Santa Isabel. Utilizando microfones, as mesmas entonações carregadas de sotaque português de Portugal ganharam uma audição melhor pela propagação do som e a dicção menos acelerada, o que resultou numa apresentação mais envolvente. 

O estilo discreto, sóbrio de atuar de Carlos Paulo ganha em Do Desassossego aspectos doces e tristes. Com alguns momentos irônicos e engraçados. Mas o que predomina é uma tensão dolorida, uma dramaticidade para refletir o que há de mais profundo das emoções humanas, avizinhadas pelo tédio ou pelo sentido de inutilidade. O músico faz o papel de Fernando Pessoa, que com a execução musical rasga ou preenche silêncios, evidencia mutações, baliza os ritmos.

Carlos Paulo no espetáculo Do Desassossego. Foto: Ivana Moura

Montagem da Comuna de Lisboa. Foto: Ivana Moura

Do Desassossego é um espetáculo de sensações. Há a orfandade original da Criança, a invisibilidade do Mendigo, a solidão do Escriturário. Em Homem/mulher no espelho, Bernardo Soares nega para si, o amor cúpido, de índole sexual.

“Nós não podemos amar, filho. O amor é a mais carnal das ilusões. Amar é possuir, escuta. E o que possui quem ama? O corpo? Para o possuir seria preciso tornar a sua matéria, comê-lo, incluí-lo em nós… E essa impossibilidade seria temporária, porque o nosso próprio corpo passa e se transforma, porque nós não possuímos o nosso corpo (possuímos apenas a nossa sensação dele), e porque, uma vez possuído esse corpo amado, tornar-se-ia nosso, deixaria de ser outro, e o amor, por isso, com o desaparecimento do outro ente, desapareceria…”

É uma obra pungente, em que o ator na pele do escriturário da rua dos Douradores, expõe as profundezas, a essencialidade da existência. E a encenação pesca essa paixão pelo sagrado no humano. E que a partir do desassossego possa ser erguida a esperança. No futuro, no ser, no teatro.

SERVIÇO
Autoria: Bernardo Soares e Fernando Pessoa
Adaptação: Carlos Paulo
Versão cênica e encenação: João Mota
Operação de luz e som: Paulo Graça
Técnico de montagem: João Monteiro
Gabinete de produção Comuna: Rosário Silva e Carlos Bernardo
Produção executiva da itinerância: Andrêzza Alves e Rosário Silva
Produção local Recife: Companhia Circo Godot de Teatro
Trilha sonora e músico: Hugo Franco
Figurinos e interpretação: Carlos Paulo
Personagem muda: Miguel Sermão e João Monteiro

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Poesia da cena portuguesa

Recital do Teatro Comuna. Foto Pedro Portugal / Divulgação

Recital do Teatro Comuna. Foto Pedro Portugal / Divulgação

Em princípio, Homenagem a João Villaret inspirou desconfiança desde o título, pelo tom laudatório. Quem é essa criatura a merecer tão honrosos agraciamentos, mais de 50 anos após sua morte? E ainda mais sendo um artista da cena…

O Brasil é um país de pouca memória, mas os portugueses parecem perceber a importância de cultuar os seus grandes. Pelo menos é o que faz o da Comuna – Teatro de Pesquisa, de Lisboa. Mas outra cisma ficou instalada a partir da fotografia do espetáculo. Dois atores sentados em banquinhos com estantes de partituras à frente, e um músico no meio, com um cartaz do celebrado por trás.

Aos poucos a apreensão cede lugar a um envolvimento afetivo com o personagem da reverência. É um recital poético clássico, sem aparatos tecnológicos ou pirotecnia.
Em primeiro plano está a história desse ator, diretor e declamador português João Villaret (1913-1961). Histórias para quem gosta de saber de gente, exposta de forma praticamente cronológica pelos atores / cantores Carlos Paulo, Tânia Alves e o músico Hugo Franco.

A poesia das palavras, das entonações carregadas de sotaque português criam redes de afetos para confraternizar com o público. Esse visionário que queria ser bailarino quando criança, se entregou ao teatro e à poesia com força e dedicação. Ator que valorizava a palavra criou até um gênero, o fado falado.

Alternando episódios, canções e até uma gravação da voz do próprio Villaret, somos contagiados pela paixão desse criador irônico, bem-humorado, irreverente, que usava as armas da palavra para combater o fascismo, que aproveitou a chegada da televisão para divulgar a poesia. Na final da década de 1950, ele conduzia um programa semanal, acompanhado pelo pianista Carlos Mayer, seu irmão.

Como talvez soubesse que a vida é curta (ele morreu aos 47 anos) ele empreendeu muitas turnês teatrais, inclusive pelo Brasil, com suas revistas de críticas políticas e sociais.
Sua dicção permitiu que ele fosse sempre aplaudido ao declamar Fernando Pessoa, o que passou até a ser imitado. Ele sugeriu que cada um encontrasse sua própria emoção para expressar os sentimentos dos poetas.

E é justamente ao contar o episódio do encontro de Villaret com Fernando Pessoa que os intérpretes transportam a plateia para Lisboa. Eles falam, o músico toca e nós viajamos no tempo. E saímos do teatro com a alma amaciada.

FICHA TÉCNICA
Concepção: Carlos Paulo
Interpretação: Carlos Paulo e Tânia Alves
Músico: Hugo Franco
Direção técnica: Hugo Franco
Técnico de montagem: João Monteiro
Gabinete de produção Comuna: Rosário Silva e Carlos Bernardo
Produção executiva da itinerância: Andrêzza Alves e Rosário Silva
Produção local Recife: Companhia Circo Godot de Teatro

SERVIÇO
Homenagem a João Villaret, dentro do 23º Janeiro de Grandes Espetáculos
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quando: Dias 17 e 18 de janeiro de 2017 (terça e quarta-feira), às 20h
Quanto: R$: 30,00 (Inteira) e 15,00 (Meia) 
Classificação etária: a partir dos 12 anos
Duração: 50 min.

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João Villaret, um ator maior da cena portuguesa

Foto: Rosário Silva / Divulgação

Peça celebra artista muito prestigiado em Portugal. Foto: Rosário Silva / Divulgação

João Villaret (1913-1961) é um artista da cena portuguesa que prossegue celebrado 50 anos depois de sua morte. Um feito. Homenagem a João Villaret é o espetáculo criado pelo Teatro da Comuna com Carlos Paulo, Tânia Alves e o músico Hugo Franco. Considerado figura maior da cultura portuguesa do século XX, Villaret foi ator, declamador e encenador de enorme popularidade nos anos 1950.

Na montagem, que estreou em 10 de maio de 2013 quando o artista completaria 100 anos, são recriados os grandes números que Villaret protagonizou na revista, alguns textos seus inéditos e um poema que António Botto lhe dedicou, quando os dois estavam no Brasil.

O autor da peça, o intérprete Carlos Paulo já disse que João Villaret foi um homem à frente do seu tempo, e que traçou conexões da poesia com o teatro de revista. Na década de 1950, ele conduzia um programa semanal, acompanhado pelo pianista Carlos Mayer, seu irmão, meio que propagava poetas, como Fernando Pessoa e Miguel Torga, Camões, José Régio, António Botto, Augusto Gil, entre outros.

SERVIÇO
Homenagem a João Villaret, dentro do 23º Janeiro de Grandes Espetáculos
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quando: Dias 17 e 18 de janeiro de 2017 (terça e quarta-feira), às 20h
Quanto: R$: 30,00 (Inteira) e 15,00 (Meia) 
Classificação etária: a partir dos 12 anos
Duração: 50 min.

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Oficinas do 23º Janeiro

Márcia Cruz na oficina para crianças (crédito: Clélio Tomaz)

Márcia Cruz na oficina para crianças. Foto: Clélio Tomaz

Para quem quer começar o ano injetando novos ânimos nas suas aptidões algumas sugestões ficam por conta das oficinas do 23º Janeiro de Grandes Espetáculos – Festival Internacional de Artes Cênicas de Pernambuco. O programa artístico dura quase três semanas – vai de 12 a 29 de janeiro de 2017, mas as atividades de formação começam antes e ainda têm vagas. A atriz e arte-educadora Márcia Cruz, da Cia. Maravilhas, do Recife, vai desenvolver ações específicas para crianças dos 9 aos 13 anos em Teatro do Brincar. As outras duas oficinas são com dois integrantes da Comuna Teatro de Pesquisa, uma das mais importantes companhias teatrais de Portugal. O ator Carlos Paulo vai trabalhar O Prazer do Texto e o encenador João Mota vai investir no treinamento Interpretação/Encenação. Já o workshop Intercâmbio de Gestão Cultural: Modos de Fazer vai trocar ideias sobre como viabilizar projetos, com os paulistanos Eduardo Okamoto e Daniele Sampaio. O Janeiro é uma realização da Apacepe (Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco.

Confira detalhes.

O Prazer do Texto

Carlos Paulo. Foto: Comuna Teatro de Pesquisa

Carlos Paulo. Foto: Comuna Teatro de Pesquisa

Orientador: Carlos Paulo – Comuna Teatro de Pesquisa (Aveiro/Portugal)
Período: 9 a 21 de janeiro de 2017 (segunda-feira a sábado), das 15 às 17h, no Teatro Barreto Júnior
Duração total: 24h
Vagas: 16
Investimento: R$ 100,00
Inscrição: apresentação de currículo e uma carta de intenção para circogodotdeteatro@gmail.com
Direcionada às pessoas ligadas à expressão oral (professores, estudantes, atores, etc.), a oficina vai abordar técnicas de leitura, o uso da respiração, da voz e da articulação, a análise dramatúrgica, a concentração e o prazer, com uma apresentação pública ao final.
Carlos Paulo é ator de teatro, cinema e televisão, além professor de teatro, dramaturgo e figurinista, integrante da Comuna Teatro de Pesquisa, com passagem por festivais em diversas partes do mundo.

Oficina Teatral – Interpretação/Encenação

João Mota. Foto: Comuna Teatro de Pesquisa

João Mota. Foto: Comuna Teatro de Pesquisa

Orientador: João Mota – Comuna Teatro de Pesquisa (Aveiro/Portugal)
Período: 9 a 21 de janeiro de 2017 (segunda-feira a sábado), das 10 às 13h, no Teatro Barreto Júnior
Duração total: 36h. Vagas: 16. Investimento: R$ 150,00
Inscrição: apresentação de currículo e uma carta de intenção para circogodotdeteatro@gmail.com
Oficina visa alcançar o essencial através de exercícios de improvisação; passar da cultura exterior à interior e da pessoa interior à individualidade; trabalhar sobre o corpo e seus gestos sem acreditar na expressão corporal como um fim em si mesmo; pesquisar os sons como meio de expressão, sem partir do princípio que se elimina a linguagem habitual; usar a improvisação livre para melhor se aprender a relação entre a verdade da forma de expressão e a qualidade da comunicação; e evitar o narcisismo perigoso.
João Mota é ator e encenador, fundador da Comuna Teatro de Pesquisa, companhia em atividade desde 1972 e com mais de 90 produções já realizadas. Já dirigiu cursos de teatro em diversas cidades pelo mundo; foi agraciado com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, a Medalha de Mérito Municipal Grau Ouro, e a Medalha de Mérito Cultural; e é também Professor Adjunto aposentado da Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa.

Oficina: Teatro do Brincar

Oficina Yeatro do Brincar. Foto: Clelio Tomaz

Oficina Teatro do Brincar. Foto: Clelio Tomaz

Orientadora: Márcia Cruz – Cia. Maravilhas (Recife/PE)
Período: 17 a 20 de janeiro de 2017 (terça a sexta-feira), das 14 às 17h, na sala de Dança da Caixa Cultural Recife (Av. Alfredo Lisboa, 505, Praça do Marco Zero, Bairro do Recife), para crianças dos 9 aos 13 anos
Investimento: R$ 120,00. Inscrição: ciamaravilhas@gmail.com
Pré-requisito: usar roupas adequadas para o trabalho físico
A proposta é uma vivência lúdica na linguagem do teatro. Na dinâmica, os participantes serão introduzidos à lógica do jogo teatral e aos conceitos básicos desta linguagem, transitando entre os princípios do brincar: a consciência corporal (eixo e base) e a respiração; as relações entre o tempo e o ritmo; a presença e a integração com o outro; a energia; as emoções e, por fim, o improviso. O objetivo é proporcionar a cada um dos envolvidos uma experiência alegre e significativa com o teatro.
Márcia Cruz é atriz com larga experiência, inclusive na contação de histórias, e professora de teatro formada pela UFPE.

Intercâmbio de Gestão Cultural: Modos de Fazer

Eduardo Okamoto. Foto: Mariella Siqueira

Eduardo Okamoto. Foto: Mariella Siqueira

Orientadores: Eduardo Okamoto e Daniele Sampaio (Campinas/SP)
Quando: Dia 22 de janeiro de 2017 (domingo), das 14 às 18h, na sala multimídia da Caixa Cultural Recife (Av. Alfredo Lisboa, 505, Praça do Marco Zero, Bairro do Recife), com entrada franca. Informações: 3421 8456
Um diálogo com artistas, gestores de espaços e/ou coletivos de pesquisa em teatro sobre estratégias de viabilização de criações cênicas em contextos com pouca ou nenhuma política pública de fomento às artes, ou seja, a produção cultural como modo de viabilizar a criação, a circulação e a fruição de bens simbólicos.
Daniele Sampaio é produtora cultural, Bacharel em Ciências Sociais pela UNICAMP, pesquisadora de Políticas Culturais pela Fundação Casa de Rui Barbosa e pós-graduanda em Artes da Cena também pela UNICAMP. Fundadora da SIM! Cultura, presta consultorias em produção e gestão de projetos culturais para coletivos cênicos, artistas independentes e instituições públicas e privadas.
Eduardo Okamoto é ator, Bacharel em Artes Cênicas, Mestre e Doutor em Artes pela UNICAMP, onde atualmente é docente. Estuda as relações entre o potencial expressivo do corpo e as suas relações com a produção dramatúrgica: dramaturgia de ator. Já apresentou espetáculos e diversas atividades formativas em vários estados brasileiros e no exterior. Em 2012, foi contemplado com o Prêmio APCA de Melhor Ator por sua atuação no espetáculo Recusa, que esteve no Recife.

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