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É urgente olhar para o Céu e para o mundo também

Olha pro Céu Meu Amor abriu a programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Ivana Moura

Olha pro Céu Meu Amor abriu a programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Ivana Moura

Olha pro Céu Meu Amor abriu a programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Ivana Moura

Grupo Feira mantém encenação original de Vital Santos. Foto: Ivana Moura

Um clima amoroso marcou a abertura do 23º Janeiro de Grandes Espetáculos – Festival Internacional de Artes Cênicas de Pernambuco, na última quinta-feira (12/01), no Teatro de Santa Isabel. Casa lotada, os produtores deixaram os tradicionais discursos para depois de Olha pro Céu Meu Amor, peça de inauguração dessa edição, que segue até o dia 29 de janeiro, no Recife e em Caruaru.

Ao final da exibição, o homenageado de 2017, o artista sertaniense Sebastião Alves, radicado em Caruaru, foi celebrado com palavras e aplausos. Ganhou de presente um quadro com sua figura, pintado por Cleusson Vieira, e falou um pouco sobre sua trajetória. Contou que foi submetido a 15 cirurgias e venceu um câncer, contra o qual lutou por mais de dez anos. Lembrou de outros participantes do grupo que morreram e foram representados por fotos.

Salientando as parcerias e cumplicidades principalmente com os artistas pernambucanos, os produtores Paulo de Castro, Carla Valença e Paula de Renor, enfatizaram a dificuldade de fazer cultura neste momento difícil. É um discurso recorrente das últimas edições, mas que não transparece na extensão do programa. São 58 produções diferentes, entre teatro adulto, teatro para a infância, dança, circo, shows musicais e duas leituras dramatizadas.

Carla Valença, Paulo de Castro e Paula de Renor, produtores do Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Pollyanna Diniz

Carla Valença, Paulo de Castro e Paula de Renor, produtores do festival. Foto: Pollyanna Diniz

Todos os festivais brasileiros sofreram nos últimos anos com as crises políticas e econômicas que o país atravessa. Alguns reduziram programação para não abrir mão da qualidade (levando em conta o olhar curatorial de cada iniciativa). Sabemos que grande parte da produção cultural do país existe graças aos editais, que vêm recebendo cortes em todas as esferas. Mas também é momento de uma reflexão crítica. Alguns questionamentos do que é o Janeiro, de qual a sua relevância e seus propósitos precisam ser feitos, porque a vida é dinâmica, a cultura é dinâmica e a cidade do Recife é uma potência cultural. E as ideias de sustentação estética, política, filosófica de uma iniciativa desse porte, me parece, precisam ser repensadas.

Vivemos em tempos temerosos, é verdade. E nesse Brasil em que o ódio vai às ruas, em que a violência mostra suas garras, as pessoas temem por expor opiniões. E em Pernambuco tomar posicionamentos públicos quanto às políticas culturais, aos festivais, à cena na cidade está se tornando uma atitude rara. Por medo de boicote, pela dominância do individualismo (mesmo que sejam projetos de coletivo) sobre a coletividade, sobre o bem-comum. Há falta de humildades e arrogâncias de sobra que rechaçam a possibilidade de diálogos e a conjugação de mediocridades que matematicamente não podem resultar em excelências. Mas cada produtor, artista, espectador, cidadão tem capacidade de ponderar. Olhemos, pensemos, façamos a crítica e a auto-crítica para garantir o melhor possível da produção da cidade e do estado.

Recentemente, por exemplo, a produtora Paula de Renor idealizou e fez a curadoria da Mostra Acessível Rio das Olimpíadas juntando os universos das artes cênicas e da acessibilidade. Realizada em agosto na Paralimpíada Rio 2016, com programação gratuita, a Mostra reuniu trabalhos interpretados por artistas com deficiências físicas e cerebrais, além de workshop, visita tátil, tradução em libras, audiodescrição, mesa redonda e conversa com o público. Um programa bem definido nos seus propósitos.

Como outros festivais, o Janeiro padece da falta de políticas que assegurem sua continuidade, mesmo que os três produtores sejam contundentes ao dizer que é o melhor festival das artes cênicas de Pernambuco. Há controvérsia… E isso é bom. Mas estratégicas de sobrevivência dependem dos incentivos e financiamentos, principalmente públicos.

Como afirma o educador Paulo Freire, não existem territórios neutros.

Como afirma Paulo Freire, personagem de pa(IDEIA), não existem territórios neutros. Foto: Amanda Pietra.

De todo modo o Janeiro de Grades Espetáculos quis este ano fazer conexões com o Brasil da democracia atingida e do avanço do conservadorismo. E na sua programação constam peças que carregam um viés político: Olha para o Céu Meu Amor, A Mulher Monstro, pa(IDEIA) – Pedagogia da Libertação, h(EU)stória – o tempo em transe, Terror e Miséria no Terceiro Reich – O Delator e musical O Avesso do Claustro, por exemplo.

Mas, nesse panorama de luta, reafirmo a ausência do espetáculo Retomada, do Grupo Totem, uma das melhores encenações pernambucanas levantadas no ano passado. Porque este grupo é também símbolo de resistência e resiliência, por sua trajetória e principalmente pela maturidade da montagem, erguida a partir de pesquisa de rituais sagrados com os povos indígenas do Pernambuco (Pankararu, Xucuru e Kapinawá).

Homenagem a Sebá Alves, que ganha um quadro com sua figura. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Homenagem a Sebá Alves, que ganha um quadro com sua figura. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Voltando para o dia da abertura, os produtores apontaram Sebá Alves como símbolo da resistência cultural. Paula de Renor, a mais emocionada, reafirmou o compromisso do trio em prosseguir com o Janeiro e reforçou a gratidão com os parceiros de caminhada. Deixou transparecer nas palavras choradas a pressão de tocar o evento. Reconhecemos o esforço, a persistência, o trabalho, a dedicação, mas precisamos exercitar a análise e a reflexão que instiga.

A peça de Vital Santos

Olha pro Céu Meu Amor abriu a programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Ivana Moura

Olha pro Céu Meu Amor abriu a programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. Foto: Ivana Moura

Há muitas maneiras de abraçar a peça Olha pro Céu, meu Amor, do saudoso Vital Santos com música de Josias Albuquerque, produção do Grupo Feira de Teatro Popular. Como um libelo que expõe os efeitos do capitalismo na vida de um cidadão brasileiro e o esmaga; um recorte do microcosmo de uma família pobre do interior do Nordeste com seus problemas cotidianos; um registro histórico da encenação de Vital, já que o arcabouço da encenação original pouco foi modificado.

O olhar de Vital Santos está carregado do protesto (direto ou indireto) das classes subalternas na sua lida diária. As cenas são impregnadas de um humor popular e de soluções engraçadas com frases provocativas das ruas ou da briga de vizinhos com pitadas de palavrões.

A peça traça um retrato típico do nordestino migrante, entre o esperto e o bocó. Não daquele que fez sucesso meteórico. Mas do outro que se deixou enredar pelos acontecimentos, que não pegou a força centrífuga para escapulir do destino trágico, que fracassou no seu intento de migrar. Ou o que se perdeu nos apelos da indústria cultural.

No final dos 1990 a música Chover (ou Invocação Para Um Dia Líquido), do Cordel do Fogo Encantado pedia: “Meu povo não vá simbora / Pela Itapemirim / Pois mesmo perto do fim / Nosso sertão tem melhora”. Sabemos que esse quadro mudou no período Lula/ Dilma com o avanço dos direitos sociais. Mas Olha pro Céu Meu Amor também é reavivado, ganha outros sentidos com os recentes acontecimentos do cenário político brasileiro, com o recuo das garantias dos trabalhadores e direitos do cidadão.

Cena de Olha pro Céu meu Amor. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Cena de Olha pro Céu meu Amor. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Na encenação, um compositor caruaruense segue para o Rio de Janeiro em busca do sonho de vencer na carreira na Cidade Maravilhosa, e que Roberto Carlos grave suas músicas; enfim em busca de liberdade econômica prestígio social e realização profissional e pessoal . Olha pro Céu Meu Amor foi lançada em 1983 e é baseada na vida de Sebá Alves, que nunca desistiu de ser artista, mas encarou muitas funções de operário durante a vida. Ele fundou e mantém em Caruaru o Teatro de Mamulengos Mamusebá e a Cia. Pernas pra Circular, além de muitos projetos de formação.

O personagem de Sebá, Bom Cabelo -inspirado em sua própria história -é submetido ao subemprego. A montagem tem uma estrutura de quadros que se alternam nas cenas do protagonista no Rio e outras com seus familiares que ficaram no Nordeste. A mãe, dona Guió, que tenta manter a ordem da família; o pai Jesus (famoso vendedor de passarinhos da região). Além dos outros filhos do casal, a menina Dó (Charlene Santos) com os hormônios gritando, resolve fugir com o namorado. Neneca, na dúvida entre ser padre ou assumir sua vocação de artista performático, e Lelé, que alimenta uma obsessão apaixonada pela galinha Du.

A encenação brinca com os estereótipos do pernambucano do interior, com suas roupas coloridas, vestidinhos de chita e lenços na cabeça; com uma prosódia carregada, símbolos da cultura da região e nos objetos de cena, ditos populares. A trilha sonora é potente poesia e de uma atualidade impressionante. A música é executada ao vivo por Jadilson Lourenço (também na direção musical), Felipe Gonçalves, João Vítor Lourenço (violões) e Carlinhos Aril (percussão).

Há desnível nas atuações, mas não compromete o conjunto. Sebastião Alves (o Sebá), defende o papel de Zequinha de Jesus há mais de 20 anos, criou uma cativante figura, entre a euforia e a melancolia desse migrante sonhador. Jô Albuquerque Cavalcanti faz o feirante e vendedor de gaiolas e pássaros chamado Jesus meio distante em seu mundo dos pequenos animais voadores. Adeilza Monteiro traça Mãe Guió cuidadosa com suas crias, preconceituosa com as dos outros e que tenta negociar o lugar de comando dentro da casa. Luzia Feitosa (Ceminha) faz a namorada conterrânea que Cabelo conheceu no Rio e tem um passado condenável pela mãe do protagonista. Walter Reis (Lelé) é o menino da galinha, que fez muita gente da plateia lembrar de sua infância. Gabriel Sá (Neneca) mostra as mudanças do pleiteante ao sacerdócio ao artista transformista.

Rafael Amâncio (Pernambuco), Ary Valença (Lula), Matheus Silva (Biu de Dora) e Gilmar Teixeira (Dr. Hércules) completam o elenco. Entre situações risíveis, pequenas alegrias, mostras de explorações e sofrimento, cada personagem recebe um marca mais evidente, como a perna manca do Dr. Hércules.

A peça se movimenta em blocos, em quadros dos cantos musicais, tenda do mamulengo, reunião em família, bastidores da fábrica, quarto da pensão, etc. E esses flashes compõem um painel poderoso. Mas como disse anteriormente os procedimentos cênicos foram articulados por Vital na década de 1980.

Iluminação guarda as marcas dos anos 1980. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Iluminação guarda as marcas dos anos 1980. Foto: Pedro Portugal / Divulgação

Essa poética guarda a força desse dramaturgo e diretor tão criativo e comprometido com o povo do Nordeste. Mas deixa brechas de que algumas coisas ficaram datadas e isso fica bem evidente na iluminação que cria focos blocados, mudanças repentinas para azuis e vermelhões e principalmente nas situações em que o ator Sebá (e outros) dá sua fala e o rosto do personagem fica no escuro. Problema que uma consultoria com a coordenadora técnica do Janeiro de Grandes Espetáculos, Luciana Raposo poderia (poderá) resolver e ampliar horizontes.

De todo modo, o que fica desse musical é o sentimento aguerrido do povo nordestino, seu linguajar rico e peculiar, suas soluções para a vida que ganham escalas de tragédia e comédia no palco.

FICHA TÉCNICA
Olha pro Céu meu Amor
Texto, direção, projeto de iluminação e cenografia: Vital Santos
Trilha sonora: Jadilson Lourenço
Coordenador de cena: Gabriel Sá
Figurinos: Iva Araújo
Confecção de figurinos: Sônnia Cursino
Confecção de cenário: Gilmar Teixeira
Montagem de palco e luz: Edu Oliveira, Marcelo Mota e Gilmar Teixeira
Execução de luz, assistente de produção e direção: Edu Oliveira
Sonoplastia: Marcelo Mota
Contrarregragem: Zi Rodrigues
Produção: Sebá Alves
Músicos: Jadilson Lourenço, Felipe Gonçalves, João Vítor Lourenço (violões) e Carlinhos Aril (percussão)
Elenco: Sebastião Alves (Sebá), Jô Albuquerque, Adeilza Monteiro, Luzia Feitosa, Charlene Santos, Gabriel Sá, Walter Reis, Rafael Amâncio, Ary Valença, Matheus Silva e Gilmar Teixeira

SERVIÇO
Onde: Teatro Rui Limeira Rosal (SESC Caruaru)
Quando: Dia 28 de janeiro de 2017 (Sábado), às 20h
Ingresso: R$: 10,00 (Inteira) e 5,00 (Meia)
Classificação etária: a partir dos 14 anos
Duração: 1h20

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