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Teatro do Amazonas, teatro do mundo

Francisco Carlos apresentou sete peças no Festival de Curitiba

Dizem que o amazonense Francisco Carlos tem aproximadamente 40 peças escritas. Mas ele não sabe ao certo. Considera essa informação uma lenda. Pode até ser. Mas foi o único que ganhou uma pequena mostra dentro do Festival de Curitiba, tendo a oportunidade de apresentar sete montagens, sendo que, de uma delas, não foi realizada uma encenação propriamente dita, mas uma leitura dramatizada. O convite foi feito por Ivam Cabral, dramaturgo e ator da companhia Os Satyros, que organizou a chamada Conexão Roosevelt, no Teatro HSBC, com peças prioritariamente da cena paulistana.

O amazonense de sotaque característico e óculos de aros pretos mora desde 2004 em São Paulo (começou a fazer teatro desde que tinha sete anos), mas ainda não conseguiu uma sede para os seus ensaios e apresentações. Atualmente, se apresenta na Praça Roosevelt, no espaço dos Satyros. Por isso, o convite para compor a grade curitibana.

Mas independente das dificuldades – reveladas nos poucos recursos para montar as encenações – fazer teatro pra Francisco Carlos é o mesmo que fazer rock and roll. “Só sei fazer isso. Foi a única coisa que quis na vida”. E pode ser que ele ainda não tenha projeção, mas as coisas já mudaram desde que ele montou Banana mecânica (um dos espetáculos apresentados aqui em Curitiba) e recebeu uma crítica elogiosa de um jornal de grande circulação. As pessoas apareceram e, com isso, houve a possibilidade de começar a produzir outros espetáculos.

Os textos do Francisco Carlos podem assustar numa primeira observação. Isso porque conseguem reunir referências filosóficas, antropológicas, sociais e ainda cultura pop. As histórias não apresentam uma linearidade convencional ou tem personagens bem definidos. Mas há nelas um frescor de novidade, que mistura criatividade e capacidade de se relacionar com os problemas e situações da contemporaneidade, e isso não de forma óbvia.


“Do meu teatro, acho que as pessoas têm que sair enfeitiçadas, tentadas, angustiadas, chocadas”

Dentro do seu trabalho ele explica que há uma divisão clara. Existem as peças consideradas “urbanas” e aquelas do “pensamento selvagem”. “As urbanas são aquelas focadas em situações que vem do que Walter Benjamim refletiu sobre Baudelaire. De que as metrópoles trouxeram um novo tipo de humanidade, da multidão. E essas montagens são as que tratam dos fenômenos urbanos extremos”, diz. Fazem parte dessa classificação, por exemplo, as montagens Namorados da catedral bêbada e Românticos da Idade Mídia (as duas vistas na mostra Conexão Roosevelt).

Românticos da Idade Mídia

Já da segunda classificação, o melhor exemplo é a tetralogia Jaguar cibernético (apresentada completa no Paraná), que teve sua primeira versão escrita em 1993, mas ainda não entrou em cartaz. “Virou meu work in progress”, conta. O personagem Jaguar, “que seria meu Hamlet-Dionísio”, atravessa as quatro montagens, autônomas, mas que têm uma linearidade e formam uma história completa. Essas peças, que ele não considera antropológicas, são “um salto no abismo. É o meu lugar mais criativo e produtivo”, diz. As montagens, em geral, discutem etnografia, colonização, história, humanidade.

Jaguar Cibernético - Ato IV

O Recife já conhece uma peça do Francisco Carlos enquadrada entre as do “pensamento selvagem”. Trata-se de MuraOutside, que foi lida durante durante o Festival Recife do Teatro Nacional em 2007. “Foi uma experiência muito legal. Estávamos discutindo dramaturgia”. Numa época de sua vida, aliás, Francisco Carlos imaginou que o teatro não precisava mais de dramaturgos, com tantos materiais disponíveis na literatura. Mas mudou de ideia. “A minha admiração era pela cena moderna. Então entendi que, se eu escrevesse para esse tipo de cena, seria necessário”.

Depois disso, se preparou muito para escrever – não só na faculdade de Filosofia, já que diz que nos primeiros períodos já participava de festivais de teatro e isso atrapalhava, mas na literatura mesmo. “Um dramaturgo precisa ter um projeto claro de dramaturgia. Os dramaturgos históricos precisam realizar o que chamo de filosofia da cultura, uma reflexão sobre a cultura do seu tempo”.

Vê só como são as peças dele:
Banana mecânica – Tem como inspiração a chanchada (comédia carnavalesca produzida no Rio de Janeiro nos anos 1940 e 1950) e o teatro de revista. Aborda “a tragédia urbana carnavalizada sobre mitos alucinantes, oníricos, surrealistas e fantasiosos, por meio de temas e personagens que compõem a mitologia do Carnaval carioca”, como uma Chiquita-bacana-existencialista-sado-masoquista; seu filho-Adônis-Moleque-indigesto; um Pierrot-Adão-Melancólico; um marinheiro Genetiano; uma Eva-Disney; uma atriz-Medusa-Super-Ego; e um Zé-Pereira Baco.

Namorados da catedral bêbada – Bárbara Bêbada vive numa casa-adega em São Paulo. É apaixonada por Dom Diogo, que satisfaz seus desejos sexuais com a vedete Sandra-Spotlight e também com um garoto de ar inocente, que engravida e é enjaulado. Tem também um garoto-segurança que ela tirou da Febem e abrigou, e protege a casa do Porcão, que já transou com Bêbada e aproveitou para assaltá-la. Outro personagem é o Gato-Bruxo que faz uma porção mágica para matar a vedete Sandra. Fala de violência, drogas, relacionamento, cultura pop.

Românticos da Idade Mídia – Francisco Carlos diz que escreveu esta peça na década de 1980. Por dificuldades em reunir o elenco, aqui em Curitiba foi realizada uma leitura dramatizada, ou melhor, um experimento cênico, inclusive com interferências do diretor. Ele diz que é uma “tragédia-pastiche”, criada a partir da ideia de Umberto Eco de que estaríamos vivendo uma nova Idade Média. São três casais, sendo que um deles é o patriarca.

Jaguar Cibernético – São quatro atos: Banquete Tupinambá, Aborígene em metrópolis, Xamanismo the connection e Floresta de carbono: de volta ao paraíso perdido. Embora sejam autônomas, as montagens conversam entre si. O personagem Jaguar, um índio, está em todas elas. Desde os conflitos com o homem branco, o enfrentamento com a terra estrangeira, a volta à floresta. Essas obras conversam com muitas outras artes, como o cinema, os quadrinhos e até a moda.

Jaguar Cibernético - Ato II

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