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Muito de nós em Nelson Rodrigues

Ivo Barreto, Andrêzza Alves e Pascoal Filizola. Foto: Pollyanna Diniz

Ivo Barreto, Andrêzza Alves e Pascoal Filizola. Foto: Pollyanna Diniz

Ruy Castro conta em O anjo pornográfico que Fernanda Montenegro levou mais de um ano para  conseguir que Nelson Rodrigues escrevesse uma peça para a sua companhia, o Teatro dos Sete. A primeira vez que ela o procurou com o pedido, revela o biógrafo, foi em 1959. Fernanda cobrava – ligava para o jornal Última Hora e, depois de um tempo, Nelson passou a dizer que não era ele, logo que percebia quem estava do outro lado da linha. Pois bem, em 1960, foi o dramaturgo quem procurou Fernanda e o marido, Fernando Torres, para entregar O beijo no asfalto. A peça tinha sido escrita em 21 dias. Bem ao estilo Nelson, Ruy Castro diz que quando a peça fez temporada no Maison de France, Nelson ia todas as noites para o teatro e tirava satisfações de quem saia no meio do espetáculo indignado.

Mais de 50 anos depois, a peça ainda causa espanto para quem não conhece o enredo. E é extremamente atual. E não só porque trata de um cara que vê a sua vida desmoronar por conta de uma notícia de jornal, pela corrupção e violência policial, pela discussão sobre o homossexualismo. “Se não paramos na leitura rasteira e superficial (…) de um cara que beija um moribundo em público e mergulharmos em busca dos sentidos que movem as engrenagens do texto, do que está por trás e abaixo das várias camadas ali contidas, percebemos que esses enredos são apenas pré-textos que nos conduzem ao espelho da nossa face, das várias faces de nossa humanidade”, explica a atriz Andrêzza Alves, que interpreta Selminha.

Nesta quarta-feira (18), O beijo no asfalto, com direção de Cláudio Lira, será apresentada dentro da programação do festival Aldeia Yapoatan. A sessão será no Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu), às 20h. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).

Andrêzza é Selminha e Daniela Travassos intepreta Dália

Andrêzza é Selminha e Daniela Travassos intepreta Dália

ENTREVISTA // Andrêzza Alves, atriz

O beijo no asfalto estreou em 1961 com Fernanda Montenegro no papel de Selminha. Qual a responsabilidade de encenar esse texto? Quais referências você utilizou na construção do personagem?
Fernanda Montenegro se tornou conhecida no meio artístico por ser uma trabalhadora incansável, uma mulher simples, nada afeita a estrelismos. É dela uma das frases mais inspiradoras e afirmativas que já encontrei na vida. Ela disse: “hoje todo mundo virou artista, agora ator não é todo mundo que pode ser… Não ocupe esse espaço, vai ser bancário, doutor, vá ser diplomata, enfim. Agora, se morrer porque não está fazendo isso, se adoecer, se ficar em tal desassossego que não tem nem como dormir, aí volte. Mas, se não passar por esse distanciamento e pela necessidade dessas tábuas aqui, não é do ramo”. A responsabilidade de estar em cena precisa ser maior do que simplesmente exibir-se em belas formas, vaidades auto-afirmativas, glórias, paêtes, retratos no jornal ou promessas de riqueza. Precisa estar conectada a uma necessidade extrema. Claro que o teatro não é um quarto fechado, você precisa do outro, mas o mundo das celebridades, do freje das premiações e dos eleitos da vez não tem nada a ver com ser ator. Com a responsabilidade cênica, de encarar aquilo (o palco, o encontro com o espectador que saiu da sua casa pra estar com você) como um projeto de vida. E, pra mim, é nesse âmbito que reside a responsabilidade de levar O Beijo ou qualquer texto à cena.

Uma personagem, por menor que possa parecer a um coração ambicioso, é maior do que qualquer ator do mundo, em qualquer época. Ela terá, sempre, alguma coisa que você não viu, trará em si tantas nuances e filigranas da alma humana que só com muita disposição e generosidade de espírito podemos, às vezes, tangenciar e trazer à tona naquele curto instante de vida na cena. Tchecov dizia que não existe momento de glória, existe perseverança. Estar atenta ao texto, ao que as outras personagens dizem a respeito da minha, às situações, tentando uma conexão fina com o que move aquela pessoa, respirar e transpirar por ela, estar aberta e disponível a atender ao que o encenador deseja. É assim que procuro me portar. Eu ainda não tenho domínio sobre a construção de Selminha, ela está se estabelecendo lentamente, ao contrário do que aconteceu com outras personagens. Talvez porque as reações que ela me inspira são totalmente diversas das que a encenação precisa que eu leve para a cena, talvez por bloqueio, talvez…. Mas, por outro lado, eu a entendo como um ser humano, em suas aspirações e suas dores reais. Selminha é um processo de transpiração. E assim tem que ser, pois o teatro é inglório. Todo dia você repete aquele processo e todo dia corre o risco de fracassar. Será que se foi bom hoje vai ser bom amanhã? Isso depende de muita coisa. Muitas vezes você vê uma pessoa falar: “Vi um espetáculo maravilhoso” e você vai ver e não acha grandes coisas. É que, independente da vontade do elenco, a magia não aconteceu naquele dia. Não é todo dia que é maravilhoso, há que se transpirar sempre, esse é o caminho que busco seguir.

Direção da montagem é de Cláudio Lira

Direção da montagem é de Cláudio Lira

De que forma vocês conseguem “atualizar” esse texto, ou trazer para uma realidade mais próxima?
O teatro só se completa no palco, depois da contribuição viva, presente no tempo e no espaço. Penso que uma encenação é também (ou pelo menos busca ser) uma nova metáfora (viva, tridimensional) do texto escrito. E é isso o que, pra mim, Cláudio faz na encenação do Beijo. Ele não busca uma “atualizaçao” porque O beijo no asfalto é um clássico e como tal ele não precisa ser atualizado, ele está próximo de nós porque trata do que vai no âmago da condição humana e como todo bom clássico, se serve de situações aparentemente banais (tal qual Otelo, Ricardo III, As três irmãs, Esperando Godot, O Vermelho e o Negro, Crime e Castigo, Dom Quixote…) para revelar as pulsões primitivas e constituintes do Humano. Se não paramos na leitura rasteira e superficial de um cara que não acredita que um negro possa ter melhores qualidades que ele, ou de dois vagabundos que esperam, ou de um jovem ambicioso que seduz uma mulher rica….ou (no nosso caso) de um cara que beija um moribundo em público, e mergulhamos em busca dos sentidos que movem as engrenagens do texto, do que está por trás e a baixo das várias camadas ali contidas, percebemos que esses enredos são apenas pré-textos que nos conduzem ao espelho da nossa face, das várias faces de nossa humanidade.

A cada vez que se lê O beijo no asfalto ele se revela em novas possibilidades. Ele se apresenta em uma forma inusitada, com uma atualidade que no instante imediatamente anterior nos escapava, pois como num prisma, ele quebra a luz e em algum ângulo reflete a cor exata que aquele momento social emana. Podemos dizer que O beijo trata da construção do discurso do ódio (que em tempos de Feliciano se traduz como homofobia), podemos também afirmar que trata da dúvida e da tênue linha que separa os conceitos de verdade e mentira (que em nossa era de pós-modernidade permeia as nossas vidas em espaços virtuais de relacionamento), podemos também dizer que fala de ética ou ainda do oportunismo, da busca pelo sucesso a qualquer preço e da velocidade com que se pode ir do céu ao inferno (para o que, atualmente, basta “publicar no Face!”).

O beijo no asfalto gira em torno do binômio imprensa X polícia, ambientes intimamente conhecidos pelo autor e que, por isso, o ajudam a tratar das questões que verdadeiramente o interessam (a hipocrisia e a incapacidade de amor ao próximo que corroem o ser humano). Cláudio se serve dos desdobramentos vivos desse recorte oferecido por Nelson para criar as metáforas da sua obra, a encenação (hoje todos somos repórteres em potencial, hoje os meios de difusão de informação se pulverizaram, hoje a imensa maioria quer aparecer, ficar famoso, levar a melhor; e não mede esforços para isso. hoje a vida privada está exposta pra todo mundo ver e o texto bem poderia ser o editorial de um jornal de ontem, ou a manchete de um site de celebridades, ou a fofoca do Face!). O que a encenação põe é, antes de tudo, o filtro de Cláudio para o que nós, em conjunto, conseguimos acessar do mundo contido (e sempre em transformação) nos escritos de Nelson. Tanto que ver O beijo hoje implica em ver um espetáculo bastante diverso do apresentado há um ano atrás, pois quanto mais voltamos ao texto, mais ele nos mostra possibilidades infinitas de entendimento e recriação e nós não nos furtamos a experimentá-las.

Arthur Canavarro é Arandir

Arthur Canavarro é Arandir

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Aldeia Yapoatan movimenta Jaboatão

Aldeia Yapoatan começou com cortejo cultural. Foto: Jefferson Figueirêdo

Aldeia Yapoatan começou com cortejo cultural. Foto: Jefferson Figueirêdo

Começou nesta sexta-feira o projeto Aldeia Yapoatan – II Mostra de Artes em Jaboatão dos Guararapes, realizado pelo Sesc Piedade. A abertura foi com um cortejo que saiu da Igreja de Santo Amaro e reuniu grupos de teatro, dança, circo, música e cultura popular. Foi só uma amostra do que virá durante o festival, que acontece até o dia 22 de setembro, com 13 polos e cerca de 60 grupos envolvidos.

Fazem parte da programação, por exemplo, o Grupo Teatro VentoForte, idealizado por Ilo Krugli, com três montagens: As 4 Chaves (dia 14, às 15h, no Sesc Piedade), História de lenços e ventos (dia 15, às 15h, no Sesc Piedade) e Ladeira da memória ou Labirinto da cidade (dia 16, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão).

Mas a maior parte da grade é mesmo composta por grupos pernambucanos. Só para citar alguns espetáculos de teatro há, por exemplo, Luiz Lua Gonzaga (dia 14, às 16h, no Parque Dona Lindu), O beijo no asfalto (dia 17, às 20h, no Teatro Luiz Mendonça), As confrarias (dia 18, às 20h, no Teatro Luiz Mendonça) e ainda Algodão doce (dia 14, às 16h, no Espaço Criança Esperança), O menino da gaiola (dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão) e Pluft, o fantasminha (dia 21, às 16h, no Espaço Criança Esperança).

Apenas os espetáculos que acontecem no Teatro Luiz Mendonça são pagos. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).

As confrarias será apresentada dia 18, no Luiz Mendonça. Foto: Pollyanna Diniz

As confrarias será apresentada dia 18, no Luiz Mendonça. Foto: Pollyanna Diniz

O menino da gaiola terá sessão no dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão. Foto: Divulgação

O menino da gaiola terá sessão no dia 20, às 15h, no Espaço Criança Esperança de Jaboatão. Foto: Divulgação

Confira a programação completa do Aldeia Yapoatan.

Entrevista // Daniela Travassos, supervisora de Cultura do Sesc Piedade

Como foi pensada a programação do Aldeia Yapoatan?
A programação foi pensada a partir da ideia de Aldeias Culturais, implantada pela Gerência de Cultura do SESC Nacional, cujo interesse é descentralizar ações culturais nas diversas linguagens artísticas, possibilitando que comunidades mais distantes dos grandes centros recebam ações culturais gratuitas. Dessa forma, montamos a programação contemplando teatro, dança, cinema, circo, cultura popular, artesanato, literatura e música, distribuídos em cerca de 10 bairros da cidade de Jaboatão.

Qual a importância do festival para os diversos polos que recebem a programação?
A importância está justamente na oportunidade do acesso à cultura, que é um direito de toda a população e que estamos dando a diversas comunidades da cidade. Muitas delas estão recebendo pela primeira vez espetáculos artísticos. É comum percebermos que o Projeto Aldeia é o primeiro contato que algumas crianças e adultos têm com a arte. E poder discutir e saber deles a impressão e o encantamento que isso traz à comunidade, transformando-a, levando saber e formação, é de importância ímpar.

Qual a atuação do Sesc Piedade, não só na unidade, mas nesses polos? E como isso pode ser incrementado a partir do festival?
Não queremos que a realização do Aldeia seja uma ação pontual, efêmera. Queremos que essa ideia de formação e fruição perpasse toda a programação de cultura da Unidade ao longo do ano. Tanto que estamos sempre mantendo cursos dentro e fora do SESC e realizando ações artísticas nos bairros. Além disso, mantemos nossa Escola de Teatro profissionalizante, realizamos Seminário de Arte-Educação, lançamento de livros que seguem gratuitos para bibliotecas de diversos bairros. Enfim, o nosso trabalho segue no intuito de levar para a cidade de Jaboatão a oportunidade não só da apreciação artística, mas principalmente da formação e do debate. Essa é a orientação do Programa de Cultura do SESC Pernambuco, através da gerência de Cultura de José Manoel e da gerência do SESC Piedade, que é de Rudimar Constâncio.

Sabemos que são muitas atrações na programação, mas quais destaques você faria?
Na verdade, tenho muita dificuldade de destacar alguém da programação porque é uma programação muito consistente no que diz respeito à qualidade dos grupos em suas diversas linguagens. Mas posso arriscar um destaque: as ações que estamos realizando dentro das escolas públicas de Jaboatão, com cursos e apresentações, além do polo circo, que não conseguimos realizar na primeira edição e este ano volta com uma programação também com oficinas e espetáculos circenses.

*O Satisfeita, Yolanda? e o Sesc Piedade fizeram uma parceria para a publicação de duas edições do Jornal Aldeia Yapoatan e para a apreciação crítica de alguns espetáculos. Continuem acompanhando a cobertura da mostra aqui no blog.

Algodão doce será encenada neste sábado (14), às 16h, no Espaço Criança Esperança. Foto: Ivana Moura

Algodão doce será encenada neste sábado (14), às 16h, no Espaço Criança Esperança. Foto: Ivana Moura

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