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Pterodátilos – A extinção do humano

Mariana Lima, Felipe Abib e Marco Nanini. Fotos: Ivana Moura

Uma “semana do trabalho de Deus”, como canta Gilberto Gil, está ameaçada de extinção. Sem mais nem menos, como ocorreu com os pterodátilos. Tome a humanidade como a família de Arthur – um retrato da sociedade de consumo em plena desintegração, no espetáculo Pterodátilos. O texto do norte-americano Nicky Silver com seus diálogos cruéis, suas frases de efeito cortante e humor ácido é material mais que perfeito para a experimentação cênica de Felipe Hirsch. Marco Nanini comanda o elenco e se desdobra em duas personagens: Ema, uma adolescente gorda, carente, comedora compulsiva que sofre com provável incesto de seu pai e a rejeição da mãe. E o apático Arthur, presidente de um banco, que é demitido no decorrer da peça.

Além do desinteressante pai, e a infantil filha, Pterodátilos reúne nessa família a mãe ensandecida e alcóolatra, personagem de Mariana Lima. Além de estar ao lado de Nanini, a atriz (a doce rainha da novela Cordel encantado) explora uma interpretação extremamente exteriorizada, que se não fosse uma grande atriz iria desafinar. Mas ela apresenta um estado levemente ébrio e o tom histérico e às vezes gritado com propriedade.

Completam o elenco Álamo Facó, como o filho pródigo Toddy, que volta para casa dos pais depois que descobre que está com aids e Felipe Abib, que faz Tom, o namorado de Ema transformado em empregada.

Nanini como o pai e Álamo Facó, como o filho pródigo Toddy

A casa em que essa família vive fica sobre um cemitério de fósseis da ave pré-histórica. Esse cenário de Daniela Thomas traduz o espírito da peça: o desequilíbrio, os buracos como falta, o interior formado de lixo, ruínas e fósseis. O palco tem um mecanismo hidráulico que proporciona movimento, inclinações. As tábuas também estão soltas e o personagem Toddy vai escavando e tirando esses pedaços, criando dificuldades de locomoção para as personagens. O palco vai desmontando como a família. Que chega com a ruína financeira do pai, a paixão incestuosa da mãe pelo filho, o apaixonamento do namorado de Ema pelo irmão dela. Até mesmo a catarse de Ema como saída.

As misérias de cada um são expostas em diálogos, monólogos, discussões e conversas. No começo do espetáculo Tom diz para Ema: “Seu cabelo cheira Hershey’ Kisses..”. Em outro momento Ema diz para Tom “Se ao menos você ficasse doente pra eu poder te doar um rim”. Ou se autoflagela: “Eu era tão gorda que em Tóquio morariam 2 famílias dentro de mim”. E quando não quer mais encarar a realidade informa: “Eu agora sou surda”.

Texto ácido do norte-americano Nicky Silver

Frases de outros personagens também são reveladoras. “Deus, eu estou exausta. Eu comprei um tubinho nude do Valentino e um tailleur off white da Miu Miu. Eu adoro fazer compras. Nós devemos sempre manter a melhor aparência. Nós somos o que vestimos””, comenta Grace, antes de transformar Tom em empregadinha da casa.

Mas o grande deleite é ver Nanini. O seu domínio cênico. O seu talento depurado pelos anos. Mesmo que em algum momento Ema lembre Irma Vap, o megassucesso de Nanini e Ney Latorraca. Mas Nanini sempre se recria e pode fazer rir e pensar.

* Esse material foi escrito durante o Festival Porto Alegre em Cena e publicado no Diario de Pernambuco no dia 19 de setembro de 2011

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Quando o dinossauro está no meio da sala

Em Pterodátilos, Nanini interpreta uma adolescente e um presidente de banco. Fotos: Ivana Moura

O chão da sala ainda está inteiro quando a peça começa. O teatro lotadíssimo. Depois vão se abrindo fendas que se transformam em buracos enormes, até que tudo esteja destruído e o público também seja levado a se sentir caindo ali dentro. Todos acompanham com risos – que podem ser nervosos – ou num silêncio cheio de expectativa e espanto. A cenografia construída por Daniela Thomas não é só um elemento de apoio, complementa a dramaturgia, serve como metáfora e reflexo do espetáculo Pterodátilos, que ganhou três prêmios Shell de teatro (levou a estatueta nas três categorias em que concorreu: melhor ator, melhor atriz e cenário) e quatro categorias no APTR: melhor espetáculo, produção, ator protagonista e cenografia. A montagem estrelada por Marco Nanini, Mariana Lima, Alamo Facó e Felipe Abib foi apresentada ontem no Porto Alegre em Cena no Salão de Atos da UFRGS. A direção é de Felipe Hirsch. A peça deve chegar ao Recife nos dias 28 e 29 de outubro, no Teatro da UFPE.

O texto de Nicky Silver é desconcertante. Tem tiradas rápidas e frases de efeito que surpreendem. Toca em questões como esfacelamento das relações, consumismo exacerbado, ditadura da beleza, sexualidade. Aliás, não é a primeira vez que Nanini entra em contato com esse texto. Em 2002, ele e Marieta Severo encenaram Os solitários, que era formado por dois textos do norte-americano: Pterodátilos e Homens gordos de saia. (Alguém viu essa peça?)

Todd voltou para casa com uma notícia: está com Aids

Na família de Pterodátilos, em determinado momento os laços de afeto parecem inexistir. Ou melhor, cada um foi se isolando no seu mundo e depois que os nós que os uniam foram sendo afrouxados, não tinha mais como apertar. Se é que algum dia eles estiveram rígidos. Nanini interpreta Ema e Artur, pai e filha. Depois de uma relação ‘intensa’ de três semanas, Ema decide se casar. Vai apresentar o namorado garçom (Felipe Abib) à mãe (Mariana Lima) viciada em grifes e whisky e o garoto acaba virando empregada da casa. O filho Todd (Alamo Facó) chega de uma longa temporada em Londres com a notícia de que tem Aids. E o pai que só queria ser locutor de rádio até tenta se aproximar do filho (ouvindo detalhadamente as descrições de suas relações) e perde o emprego como presidente de uma grande empresa. Tudo é instável, está em ruínas, mas há egoísmo demais para que alguém consiga olhar para o outro.

Nanini alterna o histerismo da garotinha de 15 anos à austeridade do pai de família apenas com a rápida troca de roupas. E a sua interpretação deixa à mostra a superficialidade dos dois personagens. Quando está no palco, o pernambucano de nascimento concentra as atenções: tem pleno domínio do que faz e das suas potencialidades, seja usando terno ou envergando um vestido de noiva.

Montagem fez temporadas premiadas no Rio e em São Paulo

Já o papel da Mariana Lima (a rainha Helena em Cordel encantado) parece ‘exigir’ muito mais dela. E ela não deixa barato. É uma mãe louca, que desprezava a filha gorda, tinha adoração pelo filho e (sexual) pelos amiguinhos de adolescência dele, uma mulher que prefere que o marido tenha amantes do que seja um desempregado. Além disso, está sempre com um copo de whisky na mão. Mariana achou o tom certo para que o personagem não virasse uma caricatura. Os outros dois atores – Álamo e Felipe – também estão bem em cena.

Cenografia – Tenho que voltar a falar da cenografia, que é de Daniela Thomas; e da iluminação de Beto Bruel. Daniela imaginou uma sala que é uma plataforma suspensa; como já disse, as madeiras do chão vão sendo retiradas pelos atores e valas se abrem no assoalho. Lá estão os ossos do pterodátilo do título. Além disso, a plataforma pende para um lado ou outro, o que faz com que os atores tenham que lidar com o desequilíbrio e que essa mesma característica na história seja acentuada. A sala tem só três sofás austeros, pretos. Já a iluminação é bastante precisa. Tem sempre uma névoa cobrindo aquelas pessoas e a distância entre elas pode aumentar bastante dependendo da iluminação, mesmo que elas teoricamente estejam travando uma conversa que deveria ser íntima. Como? Se pai nem olha no olho do filho? Foram as relações humanas que entraram em extinção. Não os dinossauros.

Pterodátilos será apresentada no Recife nos dias 28 e 29 de outubro, no Teatro da UFPE

Ah…achei esse link no New York Times. É o autor Nicky Silver falando sobre os seus personagens: http://nyti.ms/pKmSiK

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