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Uma peça densa e uma sala com problemas

Marieta Severo em Incêndios. Foto: Leo Aversa/Divulgação

Marieta Severo em Incêndios. Foto: Leo Aversa/Divulgação

As condições de um equipamento teatral podem influenciar de forma decisiva na recepção de um espetáculo. Há montagens que propositalmente buscam o desconforto do espectador como parte da experiência da encenação. Mas não é o caso de Incêndios. Em cartaz no Teatro de Santa Isabel, no Recife, a peça foi vítima das condições desfavoráveis de um aparelho municipal com problemas técnicos. Na sexta-feira, durante a apresentação, algumas pessoas abandonaram a sala porque não suportaram o calor. Entre cinco e dez pessoas pediram (e receberam) o dinheiro de volta. O problema no ar condicionado atingiu a plateia como um todo, que reclamou muito ao término da sessão.

Na estreia de Incêndios, na quinta-feira, outro incidente: a mesa de luz quebrou e os técnicos tiveram que buscar uma substituta em outro teatro municipal (o Hermilo Borba Filho). Bem, todos nós sabemos que o Santa Isabel é um teatro-monumento, cartão-postal do Recife e orgulho dos artistas e da população pernambucana. Portanto autoridades da cultura, prefeito e etc., é preciso cuidar melhor do equipamento. Esses problemas atrapalham os artistas e seu público. E pega mal para a cidade junto à produção que circula pelo país.

Elenco afinado na montagem dirigida por Aderbal Freire-Filho

Elenco afinado na montagem dirigida por Aderbal Freire-Filho

Mas vamos falar da peça.

Incêndios, com texto do escritor libanês Wajdi Mouawad, traduzido por Angela Leite Lopes e com direção de Aderbal Freire-Filho é um quebra-cabeças, uma tragédia contemporânea, com Marieta Severo no papel principal. A história de Nawal Maruan se abre em dobras. Depois de sua morte ela ainda deixa um enigma para ser decifrado por seus filhos gêmeos. No passado Nawal encontrou e perdeu um amor, gerou um filho que foi arrancado de seus braços, deixou para trás sua aldeia para ampliar seu universo, fez justiça com as próprias mãos, e sofreu de violência extrema até adotar o silêncio como regra.

O encenador trabalha com maestria o cruzamento de planos e de tempos. Os gêmeos Jeanne (Keli Freitas) e Simon (Felipe De Carolis) recebem de herança uma missão e dois envelopes. Encontrar um pai que pensavam morto e um irmão que não sabiam da existência. A peça intercala passado da busca de Nawal por esse filho perdido, durante uma guerra civil em um país árabe, com um futuro em que ela não está mais lá.

Esse passado da protagonista é investigado e revelado aos poucos, nos passos de Édipo Rei. A bifurcação da ação e o tratamento fragmentário criam uma rede de acontecimentos individuais da protagonista que são misturados com as questões de uma guerra.

São muito potentes as imagens construídas na peça. O balde é um elemento de cena com funções simbólicas e de composição, inclusive de proteger e revelar os filhos de Nawal. No cruzamento de planos há simultaneidades que imprimem alternâncias de ritmos, como quando Jeanne fala sobre a teoria dos grafos e Simon se prepara para a luta. Há muitas tensões temporais que dão densidade à história.

Kelzy Ecard, como Sawda e Marieta Severo como Nawal

Kelzy Ecard, como Sawda e Marieta Severo como Nawal

Apesar dos terríveis acontecimentos revelados, há algo que acalenta esperanças: a amizade entre Sawda (Kelzy Ecard) e Nawal. Nawal ensina a Sawda a ler e escrever. Enquanto Sawda ensina a Nawal a cantar. Uma cumplicidade para enfrentar as injustiças do mundo.

O diretor dosa bem as revelações do texto, deixando suas marcas nessa tragédia contemporânea. E a aproxima as dores dessa mulher para que o público brasileiro possa sentir como algo próximo, muito próximo.

O elenco vai bem. Fabianna de Mello e Souza em várias personagens. Kelzy Ecard como Sawda. Júlio Machado, o palhaço performático e carrasco. Os dois irmãos Felipe De Carolis (Simon) e Keli Freitas (Jeanne). E Marieta Severo contida na dor da personagem a iluminar os porões da memória e da tortura.

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Um jovem diretor (e ator) aos 70

Aderbal participou do II Encontro de Diretores de Teatro e do Cena Contemporânea, em Brasília. Foto: Sullian Princivali

Em 2010, ele dirigiu Macbeth, com um elenco encabeçado por Renata Sorrah e Daniel Dantas. Também levou aos palcos Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, com a colaboração dos diretores musicais Jaques Morelenbaum e Jaime Alem. Emendou com a peça Depois do filme, em que é autor, diretor e ator (há dez anos ele não atuava no teatro) e também com a direção de Na selva das cidades, que está em cartaz no CCBB do Rio de Janeiro e tem no elenco Daniel Dantas e Maria Luiza Mendonça.

O ritmo intenso de trabalho não denuncia a idade de Aderbal Freire-Filho, diretor cearense radicado no Rio de Janeiro: 70 anos. Já tinha entrevistado o diretor algumas vezes por telefone, mas foi nesta última edição do Cena Contemporânea, em Brasília, que tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Aderbal participou do II Encontro de Diretores de Teatro (que teve como tema O diretor e o texto) e ainda apresentou a montagem Depois do filme nos dias 30 e 31. Como voltei de Brasília antes disso, fiz questão de acompanhar a demonstração de trabalho de Freire-Filho no Encontro de Diretores. A entrevista com o diretor tinha feito dias antes, por telefone, quando Marieta Severo e Andréa Beltrão vieram ao Recife para apresentar As centenárias.

No Encontro de Diretores, Freire-Filho voltou à década de 1970 para relembrar o Grêmio Brasileiro Dramático, grupo que mantinha quatro peças em cartaz ao mesmo tempo. “Foi a minha primeira tentativa de manter um grupo. Duas dessas peças eram do Roberto Athayde e duas do Flávio Márcio”, contou. Falou ainda do Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, nos anos 1990, que estreou com uma experiência que marcaria toda a trajetória do diretor dali para frente: o romance-em-cena. O espetáculo era A mulher carioca aos 22 anos. “Era uma época em que havia uma discussão entre o teatro da palavra e o teatro da imagem. E eu queria as duas coisas juntas”, avalia. Mais de dez anos depois, vieram outras duas peças que levavam o romance inteiro à cena: O que diz Molero (que deve virar filme) e O púcaro búlgaro.

“Penso que o teatro pode muito, desde que o ator conquiste a cumplicidade do espectador para forçar a sua imaginação”, explicou o diretor. “Sinto absoluta necessidade de ter do ator a sua medida de ruptura, de quebra de ilusão. No cinema, a ilusão é contínua. Mas nesse teatro e no romance-em-cena, é descontínua e compartilhada. É um jogo permanente. Nada é estranho a essa arte do teatro cuja ilusão é tão tênue”. O diretor falava da capacidade dos atores de assumirem vários papeis na montagem. Exemplificou isso com dois textos: um de Roberto Bolaño e outro de Lobo Antunes.

Depois, fez uma ponte entre os seus trabalhos anteriores e Depois do filme. Foi muito bom porque tivemos a oportunidade de ver um pouquinho da peça, mesmo que de improviso. Algumas cadeiras (o cenário mesmo possui 15 cadeiras e ainda uma instalação com outras 15) foram levadas ao palco e Aderbal fez a primeira cena do espetáculo e também uma que se passa num famoso bar do Rio, Academia da Cachaça. Como ele diz na entrevista, apesar da peça ser um monólogo, são vários os personagens interpretados pelo ator num jogo de ilusão compartilhado, a partir do talento e técnica, pelo público. Aderbal, que não vem ao Recife desde a apresentação de O que diz Molero, disse que está com muita vontade de circular e a capital pernambucana está sim nesses planos.

Entrevista // Aderbal Freire-Filho

Você está voltando aos palcos como ator depois de um intervalo de dez anos e um filme que fala sobre a amizade entre três amigos. Porque levar esse personagem do cinema ao teatro? E o que o Ulisses tem de autobiográfico?
Depois que eu vi o filme Juventude, do Domingos de Oliveira, que são sim três amigos de infância que uma noite se encontram e ficam conversando sobre muitas coisas – eu, Paulo José e o Domingos de Oliveira; e o filme passou em Gramado, fez temporada nos cinemas do Rio e São Paulo, mas acho que não tinha uma boa distribuição pelo país, então percebi que esse nome Ulisses tem tudo a ver com o Ulisses do Homero, do Joyce, já sugere um herói viajante. Eu me apropriei desse personagem e imaginei umas situações depois que ele terminou esse dia de conversa com os amigos. É uma certa decadência do meu personagem. Na realidade, uma reflexão sobre a vida, a idade, pessoas que como eu chegam aos 70 e ainda se acham capazes de muitas coisas, mas têm mais consciência de que o tempo é curto. Culturalmente, a gente dura mais do que durava o meu avô, um homem de 70 anos antigamente estaca no fim da vida, mas eu me sinto resistindo, vivendo, trabalhando, namorando, mas com a consciência que o tempo é curto. É uma evidência de encarar a morte, tendo ainda a vontade de fazer muita coisa, sentimentos jovens como o do amor, do desejo, tudo isso me interessava muito no personagem e eu continuei.

Personagem Ulisses saiu do filme Juventude, com Domingos Oliveira e Paulo José. Foto: Grupo Estação/Divulgação

Mas é autobiográfico?
Não, não é autobiográfico. Quis fazer um monólogo, mas faço vários personagens. Faço uma vendedora boliviana de pulseira, por exemplo. Os sentimentos de Ulisses muito provavelmente são meus, de aparência pessoal, idade. Tem uma referência que eu faço há um instituto de orientação profissional, porque eu tinha que escolher uma profissão lá atrás. Eu me diverti, ficava lá trabalhando, com meu assistente de direção.

A peça começa como se fosse um roteiro de cinema? Qual a influência do cinema?
É, eu fiz a peça como se fosse um roteiro de cinema. Toda cena eu começo como se fosse um roteiro. Tipo: “exterior, ponte Rio Niterói, noite; interior, dia, Academia da Cachaça, Leblon”. Noutras peças já tem isso, de gostar de ter trabalhar com outros gêneros. Foi assim em Moby Dick, por exemplo. E em Depois do filme eu brinco, como que dizendo que o que acontecia no filme era verdade. Conto na peça uma história de uma cena que foi gravada, mas não ficou na versão final. É uma brincadeira, falando de personagens e atores, uns como verdadeiros e outros não.

Existe alguma previsão de circulação?
Tenho muita vontade! Vou para Vitória e no Rio não se fico até agosto ou setembro ou se fico até outubro.

Aderbal Freire-Filho vai encenar Depois do filme no Cena Contemporânea. Foto: Nil Caniné

Andréa Beltrão nos disse que você foi um “diretor-criador” na peça As centenárias. Como foi esse trabalho e a primeira parceria com Newton Moreno?
É uma peça com duas atrizes que tem uma história muito bonita, que já fizeram várias peças juntas, que tem uma relação pessoal. E queria acentuar essa amizade no palco. Os papeis que, no livro, seriam direcionados a outros atores, como o coronel, a viúva, Lampião, são feitos pelas próprias atrizes. A peça começa e termina num velório e entre essa cena e a última tem todos os velórios e cada um tem um personagem novo. Sávio Moll, que faz A Morte deu uma composição incrível ao personagem, até porque além da formação de ator, ele é palhaço. Então a minha ideia foi potencializar o trabalho das duas atrizes. Se as duas iriam fazer as carpideiras, a primeira coisa, que foi uma decisão, inspiração, foi que elas tivessem todos esses outros personagens. E isso criou uma necessidade de que elas dialogassem, às vezes, com elas mesmas. Aí entram os bonecos: cada uma delas passa a ter um mamulengo, um boneco de mão que é a sua própria personagem. Isso elimina os atores propostos originalmente pelo livro. Algumas coisas também foram adaptadas. A relação texto e encenação é sempre assim.

As centenárias foi parceria entre Newton Moreno, Aderbal, Marieta e Andréa

Você tem um novo projeto com Andréa Beltrão e Newton Moreno, que é um musical, Jacinta. Como está esse processo?
É a pior atriz do mundo, uma portuguesa. Eu já fiz três peças com a Andréa: A prova, Sonata de Outono e As centenárias. E esse é o próximo projeto, mas ainda não tem nada certo, tem muita vontade! Fizemos uns encontros, umas leituras, trocamos umas ideias, umas sugestões para ajustar no texto.

Como foi trabalhar com o Newton Moreno? O que você acha do texto dele?
Conheci o Newton com As centenárias e vi outras peças. Fiquei encantado com essa aproximação, com a sensibilidade desse poeta, ator, com o alicerce dele, que é fincado no interior, com um olhar do tamanho do mundo. Ele se apóia no conhecimento profundo da sua sociedade, da sua terra, do seu ambiente e projeta isso pra uma cabeça e um coração universais. E tem essa generosidade no que ele faz, essa disponibilidade. Ele não é só autor, mas um homem de teatro, tem formação de ator, de homem do palco, conhece bem como o texto é. Como ele fez isso com outras peças, na direção, sabe o quanto a peça dele vai se transformar noutra peça no palco.

A sua direção mais recente é Na selva das cidades, em cartaz no CCBB no Rio. Como foi esse trabalho?
É uma peça da juventude de Bertold Brecht, uma das primeiras peças dele. Tem uma montagem histórica, feita pelo Zé Celso nos anos 1960 e, desde lá, pelo menos no Rio, não houve outra montagem. Conta a história de um confronto entre dois homens de características bem diferentes – um comerciante e um jovem idealista. No elenco temos nove atores, entre eles Daniel Dantas, Maria Luiza Mendonça, Marcelo Olimpo – aliás, o projeto é dele, ele é da Cia. dos Atores e ele e Daniel Dantas fazem os dois protagonistas, Ines Viana. Ficamos em cartaz até outubro.

Na selva das cidades, com direção de Freire-Filho, está em cartaz no CCBB do Rio. Foto: Dalton Valério

E qual seu próximo projeto?
Emendei uma porção de coisas, juntei Mac Beth, com Orpheu, com Depois do filme e agora Na selva das cidades. Quero me dar um mês ou dois, mas tenho muitas coisas para fazer. Quero filmar O que diz Molero em parceria com o Walter Carvalho, que é nordestino.

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Marieta Severo

Todas as quintas-feiras, ela está na televisão interpretando a dona de casa Nenê, esposa do Lineu, mãe da Bebel e do Turco, sogra do Agostinho. Mas nem só de A grande família vive a atriz Marieta Severo. Muito pelo contrário. Ela estreou nos palcos em 1965 e geralmente tem projetos no teatro e cinema, administra ao lado da amiga e parceira de palcos e negócios Andrea Beltrão o Teatro Poeira e o Poeirinha, no Rio de Janeiro, é mãe de três filhas (fruto do casamento de 30 anos com Chico Buarque), tem netos e ainda arruma tempo para namorar o diretor Aderbal Freire-Filho.

Agora ela vem ao Recife no próximo fim de semana para apresentar a divertida montagem As centenárias, um texto que o pernambucano Newton Moreno escreveu especialmente para Marieta e Andréa. São duas carpideiras – aquelas mulheres que antigamente eram chamadas quando alguém morria, para “chorar o defunto”. Socorro e Zaninha convivem com a morte, mas fogem dela como diabo da cruz. No meio de muitos causos, encontram até com Lampião. A peça ainda tem no elenco Sávio Moll e a direção é de Freire-Filho.

Na conversa por telefone, Marieta fala muito sobre As centenárias, sobre o trabalho no Teatro Poeira, não encontra defeitos em Andrea Beltrão, cita Jô Bilac como um novo dramartugo especial. E revela como consegue arrumar tempo para fazer tudo e sempre muito bem.

Marieta Severo e Andréa Beltrão em As centenárias

Entrevista // Marieta Severo

Vocês estavam em dívida com Pernambuco. A peça é do Newton Moreno, tem um contexto regional, mas ainda não tinha dado certo trazer ao Recife?
A gente está muito feliz em levar, como a gente chama, “As veinhas”, ao Recife. O Newton como pernambucano, bebeu na cultura nordestina, isso está muito arraigado à peça. Usamos, por exemplo, bonecos que são manipulados. Fazer a peça aí tem um significado muito especial. Estreamos em 2007, ficamos dois anos no Rio, quatro meses em São Paulo, já fizemos outras oito cidades e estamos chegando aí agora.

Embora a montagem seja uma comédia, ela trata de assuntos bem sérios e tem momentos em que fala, por exemplo de solidão. O que você diria do texto?
Eu acho que isso é um pano de fundo. O assunto principal é a morte, elas estão fugindo da Dona Morte, que quer pegar o filho de uma delas. Então elas estão o tempo todo neste embate. Mas isso é feito com muitos signos e com a cultura popular nordestina que é debochada, irônica. E vejo que a esperança é colocada em cena. Elas lidam com a morte, já que são carpideiras, rezadeiras, são chamadas para chorar os mortos e a peça vai falando desses causos. É uma história divertida, engraçada, mas sim, como você disse, com muitos ingredientes: a fome, a solidão, a bravura dessas mulheres. Mas os causos são muitos bons. O homem que diz que a mulher era uma “quenga” e quer que no velório riam dela, o Lampião que não chora há muitos anos.

E como Aderbal Freire-Filho trabalhou com esse texto?
Ele abrigou toda essa história num cenário circense. É como se fossem três palhaços contando essa história através dos bonecos. Nós contracenamos com os nossos próprios personagens como fantoches. Então é uma riqueza de elementos muito grande e o Aderbal articulou isso.

E o Sávio Moll, que também está no elenco? Faz os papeis secundários?
É. Ele faz todos esses papeis e a Dona Morte. Mas nós também fazemos outros papeis. A Andréa faz o coronel que quer que riam da mulher dele, eu faço o Lampião. É tudo muito coreografado, muito marcado, o Aderbal conseguiu uma precisão nessa coreografia que é muito interessante.

Esse texto foi um pedido de vocês ao Newton. Houve alguma recomendação?
A gente encomendou esse texto a ele dizendo que não queríamos um texto em que fôssemos família. Tínhamos feito Sonata de outono. E ele veio com essa possibilidade dessas mulheres que atravessam o tempo. E também mostram na cena a modernidade, em cenas como quando a luz elétrica chega ao Sertão, elas se deparando com um rádio… Também tem o fator de que como o Newton está muito acostumado ao trabalho em grupo, ele troca muito com o ator, com o diretor, mudava o texto, de acordo com as necessidades. A gente ligava, falava pra ele, ele vinha. Então conseguimos essa sintonia, organicidade.

Fora o Newton, que autores te instigam hoje? E grupos?
É um momento muito rico da mossa dramaturgia. Temos um Jô Bilac surgindo, por exemplo. E muita gente mais…é porque eu sou péssima de nomes. Quando desligar, vou lembrar de tanta gente. E também temos espetáculos muito interessantes, uma safra nova, forte, criativa. Os Atores de Laura, no Rio de Janeiro, que já tem uma trajetória, mas com uma pesquisa muito forte, uma riqueza. Acabei de ver O idiota, com a Cibele Forjaz, um espetáculo muito rico teatralmente.

Todo mundo pergunta sobre a amizade entre você e a Andrea e eu também tenho que perguntar. Mas vamos tentar mudar…o que te irrita na Andréa?
A Andréa não me irrita. Gosto muito de estar com ela. Criamos muita coisa e vivemos muita coisa. É uma relação contrutiva e criativa, como todas deveriam ser. As duas cresceram muito nesses 20 anos. Uma ajudou a outra, uma colabora com a outra. Ela tem um talento enorme como atriz. É estimulante estar com ela no palco. Jogar com ela em cena, o humor enorme que ela tem.

Vamos falar do “filho” de vocês e agora do “filhote”, que são os teatros. Como foi isso?
O Poeira tem seis anos e o Poerinha tem seis meses. Dá muito trabalho, muita despesa e um prazer enorme que segura esses dois outros lados. Temos o patrocínio da Petrobras para a programação, para fazer oficinas, para os artistas residentes, workshops, temos uma programação intensa e temos muito orgulho porque muitos trabalhos surgiram através daqui, com pesquisa, e isso é bancado. Mas o teatro em si é bancado por nós. Os dois teatros foram construídos por nós e mantidos por nós. Porque muita gente fala, mas a Lei Rouanet é muito rigorosa. Você não pode comprar nada, adquirir nenhum bem fixo. Então tudo o que é fixo, fomos nós.

Mas vocês tem lucro?
Não, minha filha! Não temos lucro. Temos um prejuízo financeiro.

Queria falar um pouco de política, do Ministério da Cultura, a sua opinião…
Não queria falar disso. Está caminhando tudo bem. Não tem nada especial para comentar.

Mas é mais fácil fazer teatro hoje?
Através da Lei Rouanet que possibilitou muitos e muitos espetáculos, vários e vários que não conseguiriam sem a lei. Mas temos a dificuldade que é manter um espetáculo. Tem uma coisa muito estranha. Hoje você não vive da bilheteria de um espetáculo. Quando o patrocínio acabou, acabou a peça. Tem que repensar.

Por conta da meia-entrada?
É basicamente a meia-entrada. E as produções foram ficando mais caras, são meandros, questões da própria lei. Não é detonar a lei, não acho que seja o caso.

E a televisão? Você não acha que a Nenê é muito retrógrada?
Hoje em dia é muito difícil encontrar uma mulher como a Nenê. Ela é de uma geração que tentou romper padrões, mas ela é tradicional, vive para o lar. E essa realidade ainda existe para muitas mulheres, os valores familiares. Mas sim, é mais difícil. As mulheres estão nas batalhas. O que mais me interessa nela é o que ela representa, a mãe, os valores familiares, a compreensão até acima das necessidades. É bom falar disso e representar isso.

E como você faz para conciliar tudo na sua vida? Televisão, cinema, teatro, três filhas, netos, dois teatros?
Eu faço isso todos os dias. E sempre foi isso. Também construi uma vida de acordo com as minhas necessidades. Sou muito ligada, ligada a muitas coisas, ao trabalho, ao lazer.

Mas você faz tudo ao mesmo tempo ou consegue tirar férias, por exemplo?
A única coisa que eu consigo preservar são as minhas férias porque eu normalmente vou para o exterior, só por isso. E aqui eu sou organizada, tenho o meu escritório, o Poeira, A grande família, um filme para rodar.

Qual é o filme?
Vendo ou alugo, com direção da Betsy de Paula. É uma comédia muito interessante, que reúne quatro gerações. A Nathália Timberg, que vai fazer minha mãe, a Sílvia Buarque, será minha filha e uma atriz jovem, a Beatriz Morgana, que será filha da Sílvia. Vamos filmar em setembro. Elas tiveram uma vida abastada e agora se juntam para vender uma casa e todas elas são representantes muito fieis das suas gerações.

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