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Um diretor livre de amarras

João Fonseca, diretor

Conheci pessoalmente o diretor João Fonseca ano passado, quando estive no Rio para fazer uma matéria sobre Tim Maia – Vale tudo, o musical. Acompanhada por dois colegas, estivemos na casa do diretor, um apartamento pequeno e charmoso. Lembro que, enquanto, conversávamos, meus olhos se desviavam para os DVDs que ele guardava na sala… Falamos sobre a montagem, sobre musicais, sobre Tiago Abravanel, mas não tive oportunidade de comentar mais a própria carreira do diretor.

Com uma produção tão intensa, não iria faltar chance; ela veio agora, com a apresentação de R&J de Shakespeare – Juventude interrompida, no Teatro de Santa Isabel, dentro do Janeiro de Grandes Espetáculos. Do aeroporto, indo de São Paulo de volta ao Rio, o diretor conversou comigo sobre a peça, sobre novas montagens, Os fodidos privilegiados, Abujamra, direção, sobre a vontade de vir ao Recife.

Em R&J de Shakespeare…, João Fonseca trabalhou com quatro jovens: Rodrigo Pandolfo, Pablo Sanábio, João Gabriel Vasconcellos e Felipe Lima. Diz que uma das coisas que mais chama atenção na montagem é o jogo que se estabelece com a plateia, já que são esses quatro rapazes que irão interpretar a história do casalzinho proibido mais famoso da dramaturgia mundial.

Entrevista // João Fonseca

Adaptações da obra de Shakespeare são bem difíceis. Porque você escolheu trabalhar com esta do americano Joe Calarco? O que ela tem de diferente?
Essa adaptação de Joe Calarco estreou em Nova York há uns 15 anos. E eu fiquei muito curioso, porque era muito interessante fazer Romeu e Julieta com quatro homens. Fiquei com aquela curiosidade. Quando o Pablo (Sanábio) me procurou para fazer um trabalho, eu falei desse texto. Nós lemos e resolvemos na hora. A habilidade do texto é impressionante. Centrar a história de Romeu e JUlieta num colégio interno de meninos e ter esses quatro meninos, que se reúnem para ler, para brincar de fazer Romeu e Julieta, e conseguir contar a história toda só com esses quatro é muito bom.

Como foi o processo de trabalho?
Trabalhamos durante 45 dias, exaustivamente. Oito horas por dia. O texto é bastante difícil. A tradução é do Geraldinho Carneiro, que é poeta. Ele fez uma tradução fluente, mas sem perder a poesia. Os textos são longos e como então dizer esses textos de maneira natural? Cada um faz mais de um personagem e troca de personagem com muita rapidez. João Gabriel Vasconcellos, por exemplo, faz Romeu, a criada e o pai de Julieta. É um exercício para ator incrível, essa possibilidade de fazer vários personagens. E é um atrativo para o público.

R&J de Shakespeare - Juventude interrompida Foto: Luiz Paulo

Romeu e Julieta é, talvez, a história mais conhecida de Shakespeare. Como torná-la ainda atrativa, surpreendente?
A história é ótima. E é bom, porque todo mundo já sabe o final! Eles morrem, todo mundo conhece. Ou melhor, as pessoas acham que conhecem o texto, mas na realidade, muitas não conhecem. E tem todos os elementos de uma peça completa: comédia, drama, ação. É a melhor história de amor de todos os tempos. Mas acho que uma das coisas que mais chama a atenção do público é o jogo que se estabelece. São quatro garotos e se estabelece um jogo com a plateia. Quatro atores representando e como é que eles vão resolver essa história, como vão criando. Não existem figurinos e cenários para Romeu e Julieta, por exemplo. O casaquinho da escola vai virar saia, turbante, a régua vira uma espada, o esquadro vira máscara. E também só de serem quatro homens, já causa um frisson a mais. A peça estreou um ano atrás, exatamente.

Qual a reação das pessoas com esse romance protagonizado por homens?
No começo, quando tem o primeiro beijo, as pessoas sentem um estranhamento, porque estão vendo dois meninos, mas, ao final, eles não vêem mais isso. O que importa é a história de amor. A plateia, sem querer, faz um exercício de tolerância, esquece que são dois homens.

Quais são os seus próximos projetos?
Estou estudando e preparando projetos. Mas posso te dizer que com Os Fodidos privilegiados vamos remontar dois espetáculos de Nelson Rodrigues: O casamento e Escravas do amor, em virtude das comemorações do centenário. Vamos reestrear no Festival de Curitiba. Os elencos são quase originais e vou trabalhar novamente com (Antônio) Abujamra. Vamos remontar, com pequenas mundanças. Vou até atuar.

O casamento, de Nelson Rodrigues, com Os fodidos privilegiados

Você falou no Abujamra. Eu queria saber da importância do Abujamra para a sua carreira.
Abujamra é meu pai, minha mãe, meu tudo. Sou diretor por causa dele. Ele me deu todas as chances, porque eu era ator. Foi ele quem me estimulou, me deixou ser diretor e me ensinou. A minha faculdade é Abujamra.

Mas você tinha intenção de ser diretor?
Não! Não tinha a menor pretensão. E acredito que, para ser diretor, não é você quem escolhe, você é escolhido. As pessoas confiam em você e querem você. E até hoje eu digo: “porque está todo mundo olhando para minha cara?” (Risos) Várias pessoas confiando em você num processo. Quando comecei a dirigir, percebi que a minha melhor vocação é essa. Apesar que eu gosto de estar me exercitando. É importante que eu nunca esqueça como é atuar. Acho que vou dirigir melhor dessa forma, quando eu me coloco atuando de novo, faço parte, tenho essa cumplicidade.

É porque, às vezes, o diretor é visto como um “ser superior”…
E não é nada disso! Não existe nada mais importante para um diretor do que o ator. O ator é o meu
instrumento de trabalho.

Você conseguiria definir a sua linha de trabalho, as suas características, como diretor?
A gente vai tentando…sempre me considero experimentando. Você vai adquirindo experiência e escolhendo caminhos. Gosto de dirigir tudo. Não tenho um gênero. Mas tenho algumas características. Gosto de trabalhar com poucos elementos, por exemplo, no palco vazio, só com cadeiras; e em trabalhos que estabeleçam esse jogo teatral. Isso é o mais importante, é o que acontece em R&J de Shakespeare. O menino vai se matar com uma régua e todo mundo vai acreditar. E essa régua está para o teatro como o efeito especial está para o cinema.

Durante a carreira, você teve que fazer muitas concessões?
Não, nunca fiz concessões. Não diferencio os projetos. Nunca dirigi uma coisa na qual não acreditasse. Sempre dirigi ou porque quero trabalhar com alguém ou porque quero falar aquilo, independente de ser um projeto armado com um elenco reunido só para aquela peça, se com uma companhia de repertório. Esses meninos de R & J eu conheci na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) e agora eles estão se projetando, mas não eram conhecidos, não tinham carreira em televisão nem nada disso. E me dá muito prazer trabalhar com jovens que não têm essa projeção. E a gente nunca sabe o futuro de um projeto, se vai dar certo ou não. Eu não procuro esse guia, de porque vai ser com essa pessoa, vai ser sucesso garantido ou não. O próprio Tim Maia, o elenco não tinha ninguém conhecido. O Tiago Abravanel ninguém conhecia e deu certo. A peça está em cartaz no Rio. Mas deixa eu dizer, eu queria muito ir ao Recife também. A passagem estava comprada, mas aconteceram uns imprevistos. O pessoal do festival é super atencioso, carinhoso. E adoro o Santa Isabel. Tenho um carinho enorme por esse teatro.

Tim Maia - Vale tudo, o musical

Quando foi a última vez que você esteve aqui?
Se não me engano, foi com os Fodidos privilegiados, em 2006. A gente participou do Palco Giratório e apresentou três espetáculos no Santa Isabel.

Você dirigiu também Maria do Caritó, texto de Newton Moreno. O que acha dele?
É mais uma paixão pernambucana. Tenho muita admiração pelo Newton. Ele é um talento enorme. Com Maria do Caritó, Newton consegue fazer o que eu almejo na direção. Ele faz uma obra popular, acessível, mas de um refinamento, inteligência; fala de coisas importantes, tocando com profundidade as coisas. É de uma sabedoria popular. Eu digo que Maria do Caritó é um trabalho em que sou só uma parte de grandes coisas. Os atores são especiais, o texto, o cenário, o figurino, a equipe.

Maria do Caritó, texto de Newton Moreno

E Nelson Rodrigues?
É difícil, com Nelson, sair dos clichês. Ele é o meu autor favorito. É o que talvez eu mais dirigi. Fiz O casamento, Escrava do amor e A falecida. Nelson era muito moderno, arrojado, propôs e trouxe coisas para o teatro que não existiam. Desde Vestido de noiva. Era difícil aceitar. Em A falecida, ele propõe que não se usasse cenário. E ele entra de uma maneira na questão familiar! Que é muito chocante! Como ele lida com pai e filha, filha e mãe, indo de encontro. Chegar a isso era difícil. Porque não é um teatro realista. Joga com as paixões. E as pessoas não queriam: “a família brasileira não é uma perversão”. Em A vida como ela é e nas tragédias cariocas, ele retrata muito bem um cotidiano; mas é também capaz de falar da família como um todo, da instituição.

Serviço:
R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida
Quando: hoje e amanhã, às 20h30
Onde: Teatro de Santa Isabel
Quanto: R$ 10 (preço único)
Informações: (81) 3355-3322

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