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“Um homem em cima do palco pensando”

Uma noite na lua, com o ator Gregório Duvivier, substituiu o belga Kiss & Cry. Fotos: Daniel Isolani

Uma noite na lua, com o ator Gregório Duvivier, substituiu o belga Kiss & Cry. Fotos: Daniel Isolani

Uma noite na lua é um espetáculo que fez muito sucesso com Marco Nanini no final dos anos 1990. A montagem com texto e direção de João Falcão utilizava recursos tecnológicos, como projeções, para contar a história de um lunático que persegue a peça perfeita, ou pelo menos sua primeira obra escrita. Mas na verdade tudo o que ele faz é para chamar a atenção de Berenice, sua ex- mulher. Seja no plano “real” ou dentro de sua cabeça, a figura busca uma explicação por ter sido largado.

Em 2012, depois de mais de um ano batalhando por patrocínio, Gregório Duvivier montou o mesmo texto de João Falcão, que também assina a direção, a movimentação de luz e as músicas. Desta vez o palco está nu e o intérprete está sozinho.

O monólogo entrou na programação do Festival de Teatro de Curitiba para substituir a montagem belga Kiss & Cry, espetáculo este que parte da pergunta “Para onde as pessoas vão quando desaparecem de nossas vidas?”. As mãos são os personagens principais dessa jornada de lembranças para reviver o primeiro amor de uma mulher. Intrigante.

Um rapaz ao meu lado falava ao telefone e comentava com sua interlocutora que havia comprado ingresso para a encenação belga. Como ela foi cancelada e ele não trocou o ingresso, foi conferir Uma noite na lua, que não sabia nem do que se tratava. Mas a meia casa do enorme Teatro Guaíra não era só de desavisados. Havia fãs de Duvivier e do trabalho que o ator desenvolve, inclusive na internet. Os admiradores foram parabenizar o intérprete depois da apresentação.

Luz do espetáculo funciona quase como personagem

Luz do espetáculo funciona quase como personagem

Bem, de qualquer forma, foi um desafio e tanto. O protagonista parte de uma frase “Um homem em cima do palco pensando” para criar diálogos com ele mesmo, que em sua cabeça se transformam em vários seres, todos eles no fundo lutando pelo amor de Berenice. São os fluxos de pensamento do personagem. E ele vive diversas emoções, desde a sensação de fracasso por ainda não ter concluído um único texto ou peça até culpar os grandes escritores que nasceram antes. Porque o nosso herói teria aquela ideia brilhante de Shakespeare ou de Garcia Lorca.

Nesse costurado de João Falcão, o ator percorre um caminho que parece um jogo em que ele pode avançar ou retroceder. No fundo é uma peça contemporânea sobre o amor, com doses generosas de humor e poesia. E que ganha o espectador ao mostrar as fragilidades do homem que precisa de sua Berenice para viver melhor.

Duvivier se entrega totalmente ao personagem e à cena. E elogia seu encenador (quando vou conversar com ele nos camarins) dizendo que João Falcão é o melhor diretor de ator do Brasil, que nada fica fora do lugar, que o Falcão amarra bem as cenas, com palavras, entonações e gestos.

Duvivier conquistou o troféu de “ator em papel protagonista” do 7º Prêmio APTR de Teatro, promovido pela Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro

Duvivier conquistou o troféu de melhor ator do 7º Prêmio APTR de Teatro

O miolo da peça é simples. O protagonista vai a uma festa (na esperança de encontrar Berenice) e num determinado momento oferece um texto a um jovem ator em ascensão. O ator topa a parada e diz que vai pegar a obra no dia seguinte. O problema é que não existe obra nenhuma. Ele não escreveu nada ainda.

O personagem enfrenta seus fantasmas, articula histórias sem lógica, que entram pela madrugada. É o show de Gregório Duvivier. Seus deslocamentos físicos traçam desenhos coreográficos no palco. Seu gestual tanto segue por momentos grandiosos quanto investe em mínimos detalhes, sempre com muita propriedade. A voz do ator é boa e ele traça modulações enquanto o tempo passa e o seu estado de espírito vai ganhando novas camadas. É uma interpretação potente, de um jovem de 26, que mereceu o troféu de “ator em papel protagonista” do 7º Prêmio APTR de Teatro, promovido pela Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro, que foi entregue na segunda-feira.

O rapaz do lado riu em alguns momentos, praticamente não se mexeu na cadeira e aplaudiu com entusiasmo ao final.

* A jornalista viajou a convite do Festival de Teatro de Curitiba

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