“Quem mais sabe de mim é o espelho do meu camarim”

A prostituta e o travesti dividem o camarim, as frustrações e esperanças. Fotos: Ivana Moura

O espaço da peça é pra lá de intimista. Num pequeno retângulo, com dois espelhos em posições opostas, dois personagens se digladiam, se menosprezam, se elevam, se ancoram, se amam, devoram o coração um do outro. Em comum entre eles, um tal de Expedito que partiu dessa pra outra, melhor ou não. A prostituta veterana depois de abrir os shows da noite encontra um jovem travesti que se preparara para atuar. O espetáculo ocorre nesse intervalo, enquanto ela se despe, ele se veste.

E eles vão desmanchando os fios, relembrando ocasiões em que estiveram juntos. Essas figuras podem ser consideradas a escória da sociedade. Ali num camarim de um cabaré de periferia eles representam um para outro, mas quando mostram a verdadeira cara e as marcas que os infortúnios deixaram na alma e na carne/ossos/nervos eles falam do lugar de qualquer ser que tenha coragem de mergulhar dentro de si mesmo.

Mara, uma cantora desiludida com a arte, com seu talento e com a vida. E Gina, um travesti que sonha com o estrelato no exterior. Os atores Marta Aurélia e Demick Lopes envolvem o público nessas revelações de segredos, comentários bobos, filosofia barata, provocações eróticas e oscilações de humor.

Espetáculo é realizado numa estrutura bem próxima do público

O texto de Rafael Martins apesar dos diálogos crus tem doses de doçura. A temática é conhecida. E ninguém pensa que está inventando a roda. O embate entre esses dois seres derrotados está em toda parte. Alguns diálogos soam familiares e outros ou pedaços deles podem estar espalhados em peças de Plínio Marcos, num texto aqui ou acolá, nas conversas de submundo ou de outras trupes teatrais. Mas o que feito dessas palavras com seu encadeamento de frases.

Ficamos tão próximos dos atores que acompanhamos a respiração deles, o suor que cai, a pulsação. Ri pouco, e compartilhei a dor de ambos.

É uma montagem completamente diferente das outras coisas que já vi do Grupo Bagaceira de Teatro. É uma trupe que carrega um frescor no palco, que disposição para perseguir uma linguagem própria. E além de bons artistas eles são pessoas de bom caráter.

Yuri Yamamoto, o diretor da companhia, segue um caminho de ascensão, cada vez mais ousado, com mão segura para experimentar e quem achar ruim que faça outra melhor se for capaz. A parte dele é feita com competência ética.

Os atores Marta Aurélia e Demick Lopes nos papéis de Mara e Gina

Serviço

Com o Grupo Bagaceira de Teatro (CE)
Texto: Rafael Martins
Direção: Yuri Yamamoto
Elenco: Démick Lopes e Marta Aurélia

Quando: Até domingo, às 21h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (meia)
Informações: 3355 3321

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