Por uma pedagogia da libertação

Junior Aguiar e Daniel Barros. Fotos: Amanda Pietra

Daniel Barros e Junior Aguiar. Fotos: Amanda Pietra

O pernambucano Paulo Freire (1921-1997), autor da Pedagogia do Oprimido, defende em sua obra que o estudo é uma ponte para habilitar o aluno a “ler o mundo”. A educação é uma avenida para os mais pobres trespassarem a “cultura do silêncio” e mudarem a realidade, “como sujeitos da própria história”. Seu pensamento pedagógico é assumidamente político. E é a partir dessa posição que o Coletivo Grão Comum ergue o espetáculo pa(IDEIA) – pedagogia da libertação, que faz sua estreia nesta terça-feira, no Teatro Hermilo Borba Filho, às 20h, dentro da programação do Trema! Festival de Teatro.

Os atores Daniel Barros e Júnior Aguiar investigam e incorporam o papel o patrono da educação brasileira, que se contrapunha à escola conservadora como modelo de acomodação e defendia a pedagogia libertária, com ética, política e consciência.

A montagem faz parte da Trilogia Vermelha, que distingue a vida e obra de três nordestinos; o cineasta baiano Glauber Rocha, com o montagem h(EU)stória – O tempo em transe; Paulo Freire e o bispo cearense Dom Helder Câmera, com pro(FÉ)ta – O bispo do povo. h(EU)stória estreou em 2014, no Teatro do Arraial.

“São espetáculos que valorizam formas híbridas de narração (mesclando o lírico, o épico e o dramático). Encenações que reacendem e contribuem para dimensionar a importância do teatro político na sociedade brasileira e na América Latina”, explica Júnior Aguiar. O ator e diretor aponta que as obras reabrem novos “diálogos dialéticos-críticos-criativos” sobre as dimensões da nossa identidade contemporânea.

A peça explora os quatro dias de interrogatório a que Paulo foi submetido no Recife. “Identifiquei que no momento do Golpe de 1964, Freire estava em Brasília, a convite de Jango, para aplicar a Pedagogia do Oprimido no Brasil. E é deste ponto dramatúrgico que o espetáculo começa sua narrativa”, comenta Aguiar. O espetáculo está dividido em três partes e 16 cenas. (1ª parte – Prisão por 70 Dias; 2ª Parte – Exílio por 16 Anos e a 3ª Parte – Redemocratização).

Como afirma o educador Paulo Freire, não existem territórios neutros.

Como afirma o educador Paulo Freire, não existem territórios neutros.

Quando exilado, Freire viaja o mundo e chega à África. O território no Brasil e na América Latina é de confronto. Um clima hierático é instalado na segunda parte da peça, com a evocação do poder dos ancestrais. A plateia se transforma numa grande sala de aula. E é revelada a história de Dona Maria, que tinha o sonho de aprender a ler. É retratada como exemplo do papel da velha educação castradora, que reprova e exige a reprodução de que está estabelecido.

Nas relações com o real e o político, o Coletivo mira a ignorância paralisante, a alienação submissa e a opressão inaceitável.

A pesquisa, a encenação, o roteiro e a iluminação também são assinados por Aguiar, que idealizou o projeto e tem a figura do cineasta Jomard Muniz de Britto como inspiração.

Com poucos recursos visuais em cena – acessórios que remetem a outros símbolos, como tecido vermelho, bandeira do Brasil, malas, livros e artefatos religiosos – a dramaturgia textual ganha destaque. A costura do argumento se dá por trilha sonora com depoimentos de arquivos, como os de Paulo Freire e do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes – que também foi preso e exilado na época da repressão.

“As palavras de Paulo Freire são vivas de ideias transformadoras, elas movem nossa consciência e esclarecem dimensões que nos tornam mais lúcidos, mais éticos e mais humanos”, condensa o diretor.

E como já defendeu o  professor de estudos teatrais na University of Kent, Canterbury, Inglaterra, Patrice Pavis, (no artigo Uma redefinição do teatro político, publicado na revista Sala Preta, da Universidade de São Paulo): “Nesses tempos pós-modernos e pós-dramáticos, nesses momentos de desânimo sociopolítico, é preciso coragem para recusar as facilidades do teatro de entretenimento e de conforto, esse teatro que arrisca pouco e se conforma rapidamente à moda e ao mainstream. É preciso, em suma, a coragem de engajar a vida na recusa das injustiças, na confiança dos poderes da arte e na vontade irrepreensível de pensar sobre o real”.

Ficha Técnica
Atores: Daniel Barros E Júnior Aguiar
Encenação, Roteiro E Iluminação: Júnior Aguiar
Música Original: Leo Vila Nova, Juliano Muta, Tiago West, Glauco César Ii. Participação Especial dos Intérpretes: Geraldo Maia E Otiba.
Operador De Som E Luz: Roger Bravo
Elementos Cenográficos: Alexandra Jarocki, Isabelle Santos E Amanda Cristal
Tease: Gê Carvalho Galego
Programação Visual: Arthur Canavarro
Idealização E Produção: Grão Comum

SERVIÇO
Espetáculo pa(IDEIA) – pedagogia da libertação
Quando: Terça-feira, 03/05, às 20h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quanto: R$ 20 e R$ 10

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