Na casa dos 70

Foto: Ivana Moura

Um homem vaidoso que se vê perdendo o controle. Que tinha quase uma receita de bolo de como satisfazer os seus desejos, mas não previa armadilhas. Nem aquelas a que ele mesmo estava susceptível, como os seus sentimentos; nem aquelas relativas ao tempo, o relógio que não para um segundo sequer, independente de quem seja você; nem às que dizem respeito apenas ao acaso.

David Kepesh (Luiz Paulo Vasconcellos) era professor universitário, solicitado para dar opiniões sobre artes e cultura. E a intelectualidade era a isca para manter a sua virilidade. Ao término do seu curso de Crítica Prática, os alunos (na verdade, a maioria mulheres) eram convidados para uma festa no apartamento do professor. E lá ele seduzia a garota liberada sexualmente, desejosa de experimentar o sexo com um homem mais velho; e que, obviamente, ele tinha analisado durante todo o período letivo.

É esse o personagem do espetáculo O animal agonizante, baseado na novela homônima de Philiph Roth, apresentado nesta segunda-feira (24), no Janeiro de Grandes Espetáculos. A direção é assinada por Luciano Alabarse. A montagem se passa com o personagem principal contando um caso amoroso que manteve com uma de suas alunas. Só que ele se apaixonou por ela, foi fisgado pelo ciúme, pela insegurança e pelo medo.

Quando conheceu Consuela Castillo (Luciana Éboli), o professor tinha 62 anos. A aluna, 24 anos. Mantiveram uma relação por um ano e meio, mas a história chega aos 70 anos do protagonista. O texto traz à tona questões centrais, mas suscita ainda várias fagulhas. Desde a violência que pode circundar uma relação amorosa, a relação entre pais e filhos, o egoísmo e, principalmente, a velhice. Não dá para saber o que é fazer 70 anos até que esse momento chegue e que peso isso pode representar tanto física quanto emocionalmente… Mas o controle das situações… esse não o temos. Seja aos 24, seja aos 70.

Na sala do seu apartamento, o professor desfia suas memórias. A aluna e o filho de David (Thales de Oliveira) compõem algumas cenas, mas são figuração. Estão ali muito mais por uma escolha pragmática da direção do que por necessidade do enredo ou da montagem em si. Estão restritos a desfilarem pelo cenário, a trechos de diálogos ou, no máximo, a dar vida a uma carta repleta de mágoa (e, nesse momento, talvez só a leitura da carta pudesse transpor o público àquele universo, sem os arroubos de emoção que chegam a soar falsos).

Já o protagonista da história faz uma atuação marcante, segura e com nuances que comovem o público. Fui de um extremo ao outro: senti asco por aquele velho nojento, mas terminei por me render à piedade. É nesse caminho de esfacelamento do personagem (e depois rendição à humanidade) que a montagem se faz tão bem sucedida. Cenário, figurino, música e iluminação ajudam a compor a cena, mas não teriam surtido efeito se não tivessem sido construído a partir da escolha por um excelente texto, um ótimo ator e o olhar de um diretor sensível.

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