Montagem arrojada de tema chato

Foto: Ivana Moura

O espetáculo A morte do artista popular é intrigante por muitos aspectos. Transforma em cena um assunto inóspito e chato: os concursos de editais. Mostra a parte burocrática da função e os bastidores, enquanto espaço de luta em que pares se digladiam para convencer os demais e fazer valer sua opinião. A montagem leva um grupo de 12 atores a encarar a discussão, com a tarefa de torná-la interessante. A encenação leva a assinatura de Antonio Cadengue, que passou quase um ano acompanhando a trupe de formandos do Sesc.

A finalização, com o texto de Luís Augusto Reis, deixa entrever que o processo foi rico e que os alunos passaram por um período de crescimento artístico e pessoal. A produção da peça é bem cuidada e não fica devendo nada a uma produção profissional.

A cenografia de Doris Rollemberg é bonita e engenhosa; os figurinos de Adriana Vaz buscam juntar o moderninho e o sofisticado; e a iluminação de Naná Sodré e Agrinez Melo ilumina caminhos nas mudanças de cenas.

Quanto ao texto, me soou irregular. Apesar da coragem de investir no tema tão pouco fascinante ao público e da ousadia de transitar por esse terreno minado, o autor parece que fica na dúvida entre mergulhar exatamente nos problemas que a situação exige ou ficar olhando da janela, fazendo comentários pouco lisonjeiros, irônicos ou desdenhosos a quem utiliza desses mecanismos para conseguir levantar sua obra.

Parece que o dramaturgo ocupa um lugar de quem julga os juízes, mas ao mesmo tempo sabe bem do que está falando, pois já participou de muitas comissões para escolher esse ou aquele projeto. E não fica claro se o objetivo é satirizar alguns grupos locais beneficiados, fazer uma crítica séria aos processos ou se é mais um exercício de ironia fina, a partir de um lugar elitista de quem sabe das exclusões, das subalternidade, dos periféricos, mas ainda questiona se esses pobres mortais têm direito também ao financiamento da cultura.

Nessa alegoria de um concurso de dramaturgia, o tema é o teatro. Se o assunto das metamorfoses do ator e do metateatro lhe são caros, o teor político de que a peça se reveste parece muitas vezes tão chato e burocrático quanto o enredo escolhido. Quanto ao artista do título, não captei a quem se refere essa conceituação. Nas ambiguidades, fica difícil saber para que lado pesa mais a balança: se para o preconceito ou defesa desse artista do título.

A direção chega à sofisticação de utilizar várias técnicas interpretativas. Dramático, épico, e os ismos da vida desfilam com as mudanças de quadros. Às vezes, ganham força, noutros momentos, parecem apenas uma demonstração, um desfile de técnicas, e só. Predomina a tonalidade épica, com sua divisão de quadros e projeção dos respectivos títulos.

Foto: Ivana Moura

Algumas marcas estilísticas do diretor estão lá. Mas também muitas surpresas. É engraçada a cena Cadengue no merengue, em que os alunos celebram o mestre. A dança do tango argentino espelha outros momentos de criatividade da trajetória do encenador.

A atuação dos intérpretes, no conjunto, é boa. É bom guardar os nomes dos atores: Biagio Pecorelli, Camilla Rios, Diogo Testa, Dolores Efrem, Evilasio de Andrade, Felipe Cavalcanti, Ingrid de Souza, Julyana Caminha, Mauro Monezi, Roberto Brandão, Thaysa Zooby,Tiago Gondim.

De qualquer forma, é muito saudável que os envolvidos na cultura, nos projetos, na burocracia e detentores da noção de arte na contemporaneidade assistam ao espetáculo, para engrossar a discussão, ou refletir sobre ética e pólis.

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