Memórias de um corpo que dança

Tainá Barreto em Guarda sonhos. Foto: Rodrigo Moreira

É como uma poesia corporal. Em seu solo Guarda sonhos, a brasiliense Tainá Barreto dá a sua própria configuração para as manifestações populares, especificamente para o cavalo-marinho e o frevo. O contato com os brincantes da Zona da Mata Norte de Pernambuco impregnaram o corpo dessa bailarina que teve uma formação acadêmica – do clássico ao contemporâneo.

O espetáculo, apresentado na V Mostra Capiba de Teatro, é esse encontro com a cultura popular. Um encontro em que as duas partes trocam, respeitam os seus limites, crescem. Se não fosse assim, haveria o grande perigo de o espetáculo ser uma reprodução dos passos do cavalo-marinho, uma exibição de alguém que aprendeu os passos eletrizantes do frevo. Não. Tainá assume o seu olhar estrangeiro, mas se permite enveredar nesse universo para, a partir daí criar as suas próprias referências e desfiar suas impressões e memórias.

O corpo se modificou nesse processo. Há momentos de quebra, tensão, mas também de extremo lirismo e encantamento. O espetáculo se constrói nas zonas de limite entre a dança e o teatro, embora a dança ocupe um espaço muito maior na cena. A partir de símbolos simples, como uma série de miniaturas de sombrinhas de frevo, ou uma saia cheia de retalhos, Tainá ergue belas imagens aos olhos do público. É assim, por exemplo, quando ela demarca o espaço em que está dançando com uma areia muito fininha ou quando joga em si mesma uma chuva de papéis coloridos.

Nesse sentido, música e iluminação propõem um ambiente lúdico, onírico, como deixa entrever o título do espetáculo. Desde o início, quando os músculos da bailarina são vistos em movimentos e ângulos incomuns, aos pouquinhos, como algo que vai tomando forma devagar. O desenho da iluminação (e é mesmo como uma pintura) é de Lineu Gabriel; e quem assina a direção musical é Helder Vasconcelos. A interferência de Helder, músico, ator, dançarino, que tem uma relação muito próxima com as manifestações populares, vai além da criação da direção e da criação da trilha (que também é de Johann Brehmer). Ele foi um dos “provocadores cênicos” do trabalho da bailarina, ao lado de Carolina Laranjeira e Lineu Gabriel.

Se não há incorporações apenas, o que Tainá viveu quando do contato com essas manifestações populares já se embrenharam em sua pele, em sua musculatura tão visivelmente marcada pela dança contemporânea. São referências que a bailarina agora carrega e que certamente ajudarão a delimitar novos passos.

A direção musical do solo é de Helder Vasconcelos

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