Imperdível Luis Antônio – Gabriela

Luis Antonio - Gabriela faz mais uma apresentação neste domingo, às 20h, no Teatro de Santa Isabel. Foto: Ivana Moura

Luis Antonio – Gabriela terá mais uma sessão neste domingo, às 20h, no Santa Isabel. Fotos: Ivana Moura

Aprendizado de estrela

Aprendizado de estrela

Reencontro com a irmã em Bilbao, na Espanha

Reencontro com a irmã em Bilbao, na Espanha

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Muito já se falou da coragem do diretor Nelson Baskerville de expor parte da história de sua família e de sua apaixonada e traumática relação com seu irmão mais velho Luis Antônio (que se transformou em Gabriela). Como um documentário cênico, a narrativa apresenta conflitos dessa família paulista, muitos deles provocados pela intolerância do pai de ter um filho com diferente orientação sexual. (Parênteses: Mas isso, lá nas décadas de 1960/1970 não era assim tão fácil de ser discutido. O menino Luis Antônio apanhava para ser curado de sua homossexualidade). Como um espetáculo ousado, esse mosaico não linear expõe performances simultâneas de tirar o fôlego, num vai e vem eletrizante.

Precisaria de mais de dois olhos para acompanhar cada detalhe que se passa no palco. Essa montagem é diferente de tudo que já vi em seu conjunto. E tem uma verdade cênica seguindo as pegadas de Bertold Brecht. Os elementos juntos na encenação, naquela disposição, provocam incômodo, muito incômodo, comovem e inquietam, perturbam, tiram do eixo.

A história de Baskerville é forte. E por si só já é grande. Mas essa grandeza aumenta quando pensamos nos estilhaços que chegam a cada espectador, com mundo particular, não tão diferente, cheio de covardia e preconceito, de regras estúpidas de normalidades e anormalidades.

O espetáculo Luis Antônio – Gabriela toca nas fragilidades humanas, no medo e no amor que queremos sempre e nem sempre sabemos como dar.

Um espetáculo poético e cruel

Um espetáculo poético e cruel e cheio de humor

Nada é linear. O resumo pode ser assim: Luis Antônio nasceu em Santos/SP, em 1953. Primogênito de uma família de seis filhos. Viúvo, o pai se casa novamente, com uma mulher que tem três garotas. No Brasil, a ditadura militar fazia barbaridades com as pessoas, desde mortes e desaparecimentos até torturas. A tortura também ocorre na casa e Luis Antônio é quem mais sofre com os espancamentos do pai. O irmão Bolinho foi abusado por Bolota na infância. O clima na casa é sempre tenso. Quando o personagem que dá nome à peça resolve ir embora, gera um quase inconfessável alívio por parte de todos.

Ganhou as ruas. Prostituiu-se. Aplicou silicone. Já travestido de Gabriela, segue para Bilbao, na Espanha. Faz show. Vira estrela. Vítima da Aids e dependente de várias drogas, Gabriela morre em 2006, aos 53 anos.

Espetáculo da Companhia Munguzá de Teatro

Espetáculo da Companhia Munguzá de Teatro

Foram muitos anos, 20 talvez mais, para esse acerto de contas afetivo de Bolinho com Bolota. O protagonista é defendido com maestria pelo ator Marcos Felipe, e o irmão da figura central, por Verônica Gentilin. Ela inclusive assina o texto da montagem da Cia. Mungunzá de Teatro com Baskerville. Além deles, estão em cena Lucas Beda, Sandra Modesto, Day Porto e Virgínia Iglesias formando um grande time. Esse espírito coletivo de grupo permite uma confiabilidade, uma solidariedade entre seus integrantes, que faz a diferença.

A entrega é tão grande que os atores aprenderam a tocar instrumentos para a executar a trilha de Gustavo Sarzi. O elenco hipnotiza a plateia com sua atuação e manipula efeitos simples e eficazes, muitos feitos às vistas do público, como acender e apagar de lâmpadas, a cobertura dessas luzes com panos vermelhos, a filmagem e a troca de roupas.

O cenário aparentemente é caótico, são muitos objetos que apontam para significados e ressignificações. Um quebra-cabeça intrigante. No telão, além do que ocorre no palco são projetados imagens da infância e documentos da família. E tem até uma reunião entre o grupo teatral em que só aparece o diretor.

As telas do artista plástico Thiago Hattner “caem” do teto, na cena em que Gabriela e a irmã  visitam o Museu Guggenheim de Bilbao.

 É uma das muitas pequenas surpresas do espetáculo.

A barra era pesada naqueles anos e Luis Antônio pagou um preço alto por exercer sua liberdade, com a solidão, a distância (talvez a palavra mais certa seja rejeição) da família.

Virgínia Iglesias, atriz e produtora da Cia Mungunzá de Teatro

Virgínia Iglesias, atriz e produtora da Cia Mungunzá de Teatro

O mundo anda meio virado. É uma contradição. A palavra diversidade é falada com orgulho, os temas já não são tabus (no discurso), mas assumir a homossexualidade e exigir direitos de cidadão são batalhas ainda grandes, com o avanço de intolerância e de fundamentalismos de todas as ordens.

Gabriela morre. Mas isso não é motivo para autopiedade. A ironia, o sarcasmo, a crueldade, o humor estão lá, quando o protagonista diz “No Céu é tudo alma” e convida os habitantes do paraíso a praticar sexo.

O elenco canta Your Song do Elton John no final fechando o ritual de nascimento, vida e morte. Um espetáculo do poético ao cruel, com as erupções de vulcões pela estrada da existência.

Ator Marcos Felipe faz Luis Antônio - Gabriela

Ator Marcos Felipe faz Luis Antônio – Gabriela

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