Arquivo do Autor: Pollyanna Diniz

Shakespeare esteja conosco!
O relato de uma substituição plena de afeto
e amor ao teatro*

José Roberto Jardim e Paulo de Pontes no Teatro de Santa Isabel, em 18 de novembro. Foto: Marcos Pastich

Tay Lopez substituindo Paulo de Pontes no dia 19 de novembro. Foto: Arquivo pessoal

Terminou neste domingo, 26 de novembro, a 22ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional (FRTN). Infelizmente, o Satisfeita, Yolanda? não conseguiu acompanhar de perto a programação, pois não havia recursos para arcar com o trabalho da crítica. É uma pena. Pode ser tema de conversas e reflexões vindouras.

Mas, desde o dia 16, histórias aconteceram: nos palcos e fora deles. Muitas, nem ficamos sabendo, são quase restritas, tiveram como cenário coxias, plateias, bares pós-espetáculo. Mas uma delas, em especial, nós soubemos e achamos que merecia ser registrada.

Sueño é um espetáculo livremente inspirado em Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare, com direção e dramaturgia do pernambucano Newton Moreno, um dos homenageados do FRTN ao lado de André Filho.

A peça de 2h30 de duração, dois atos, estreou em São Paulo em novembro de 2021, na retomada do teatro presencial, nos jardins do Teatro João Caetano. Em agosto deste ano, fez uma temporada no Itaú Cultural.

Um dos destaques do elenco é o pernambucano Paulo de Pontes, que voltou ao Recife há alguns anos, depois de duas décadas morando em São Paulo. Paulinho, como é conhecido, brilha em cena. E havia uma grande expectativa por sua apresentação em casa, no Teatro de Santa Isabel.

Imaginamos que seria uma consagração, merecida. Mas as coisas nem sempre estão no nosso controle. E no dia 18 de novembro, logo depois da primeira cena de Paulo de Pontes, o espetáculo foi interrompido. O ator passou mal e não conseguiu continuar a peça.

Mesmo assim, no dia seguinte, o espetáculo aconteceu: Paulo de Pontes foi substituído por Tay Lopez, ator pernambucano que mora em São Paulo, mas tinha acabado de gravar um filme na Paraíba e estava de férias na cidade. Lopez fez uma leitura encenada do texto.

Diante dessa história cheia de inesperados e de ode ao teatro e a sua efemeridade, pedimos ao ator Tay Lopez que, no calor do momento, na segunda-feira, dia 20 de novembro, escrevesse um relato de experiência. Queríamos ouvir como foi viver tudo isso, deixar essa história registrada e compartilhá-la com outras pessoas.

É esse o texto que postamos aqui.

Obrigada, Tay Lopez, por atender ao convite de Newton Moreno e ao nosso.

Paulo de Pontes está bem.

Infelizmente, não conseguimos registros de imagem profissionais da sessão do dia 19 de novembro, então publicamos fotos amadoras, feitas de celulares por amigos que estavam na plateia.

“Shakespeare esteja conosco! O relato de uma substituição plena de afeto e amor ao teatro” *

Por Tay Lopez

Sábado, 18 de novembro, Festival Recife do Teatro Nacional, importantíssimo festival da cidade, que foi retomado bravamente este ano.

O cenário é o Teatro de Santa Isabel, lugar tão significativo para a cidade e para mim: me recordo quantas histórias vivi nesse teatro!

Peça: Sueño, do consagrado autor e amigo Newton Moreno, homenageado pelo festival juntamente com André Filho.

No foyer do teatro, um encontro festivo. Amigos de longa data, afetos, abraços. Feliz em estar na cidade de férias. Feliz em estar com minha mãe para vermos juntos uma peça que tanto gosto e que eu já tinha visto duas vezes em São Paulo. Há 2 anos, na estreia, retomada do teatro presencial, vi a montagem no Teatro João Caetano. E, há poucos meses, em agosto, revi na sua segunda temporada, no Itaú Cultural.

Espetáculo começa no Santa Isabel. Paulo de Pontes, irmão, amigo, confidente, entra em cena com seu Shakespeare maravilhoso. Plateia na mão.

Todos estavam na expectativa em ver Sueño na cidade, mas o espetáculo é interrompido, pois Paulinho não conseguiu voltar ao palco depois da primeira cena. Ela passou mal e precisou ser atendido por especialistas em um hospital próximo.

Vou ao camarim, procuro informações, me comunico com a família, com amigos e fico sabendo que, graças a Deus, não é nada grave. Volto para casa, durmo. Sonho com Paulinho. Estamos indo fazer um espetáculo juntos em algum lugar.

Acordo, procuro saber notícias sobre a saúde de meu amigo e recebo informações de que tudo está melhor, ele está bem, tinha sido só um susto. Fico aliviado.

Horas depois, o telefone toca. Newton Moreno me convida, sem rodeios, para uma tarefa. Na verdade, uma missão: substituir Paulo de Pontes. Não era um convite para encenar os mesmos personagens de Paulinho, o que seria impossível, mas para fazer uma leitura encenada.

Moreno me deixa muito à vontade para dizer não. Mas como dizer não para amigos tão queridos? Como não aceitar esse desafio? Como não homenagear Paulinho e tranquilizá-lo em saber que o espetáculo, de alguma forma, irá acontecer? Respondo que sim. E que essa decisão, na verdade, tinha que ser mais do grupo do que minha.

Newton fica feliz, agradece e já me manda o texto on-line. Domingo, 19 de novembro, 11h30, começo a ler a dramaturgia de Sueño.

Pouco tempo depois, decido parar. Vou à praia, mergulho no mar e volto. Tomo banho, almoço e sigo para o teatro.

Chegando lá, fui recebido com tanto amor, tanta atenção, que o mínimo que eu poderia fazer era tentar responder à altura. Tanta gente que admiro nesse elenco, nessa equipe.

Tay Lopez, José Roberto Jardim e Sandra Corveloni. Foto: arquivo pessoal

O espetáculo que seria às 16h foi transferido para às 20h.  Ensaiamos as cenas. Alguma ideia de marcação, de intenção, mas de liberdade e improviso.

Newton, como maestro, conduzindo tudo. Sandra Corveloni e José Roberto Jardim me ajudando nas cenas em que estaríamos juntos. Leopoldo Pacheco assessorando com os figurinos. Erica Rodrigues nos movimentos, Gregory Slivar nas intervenções musicais, Simone Evaristo na força puckiana. Almir Martines no olhar amoroso. Michele Boesche com palavras de encorajamento. Todos me passando confiança e acreditando que tudo daria certo.

Fui com serenidade, amor e espírito aberto para que a magia do teatro acontecesse naquela noite. “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que julga nossa vã filosofia”, frase de Shakespeare, primeiro personagem de Paulo de Pontes.

Findado o ensaio, vou ao camarim. Léo Pacheco faz a minha maquiagem. Separamos os figurinos.

Paulinho me manda mensagem. Já está em casa e se recuperando bem. Eu tenho que dizer que ainda nutria esperanças de que ele poderia fazer a peça, mas não.

Fazemos a famosa roda de teatro. Dedicamos a apresentação a Paulinho e jogamos ao etéreo a força que nos guiaria naquela sessão.

Eis que a sala é aberta, o público se acomoda. Terceiro sinal e lá vamos nós. O público é avisado da minha entrada em substituição e do fato de eu estar com o texto na mão.

Primeira entrada. O público, muito generoso, embarca na experiência de ver uma sessão única. Teatro já é único, mas nesse dia, mais do que nunca, seria único para os outros atores que estavam em cena também. Um elemento novo estava ali. Um novo corpo, uma nova voz, um novo ritmo. Sobretudo, a memória da contracena com um jogador tão pleno que é Paulo de Pontes.

Paulinho é gênio! E sei de perto a importância que essas apresentações em Recife tinham para ele. Puxei meu amigo em meus pensamentos e tentei trazê-lo para perto. Sim, estávamos juntos. E assim aconteceu. Primeiro ato, segundo ato, público disponível.

Foi emoção à flor da pele. Que texto belo o de Newton! Tantas camadas.

Foi divertido, na medida do possível. Foi de verdade, com olhos e ouvidos presentes. Foi o que pude fazer. Foi teatro, jogo, “to play or not to play?”. Entre o “ser ou não ser”, escolhemos o ser e fomos. Um só corpo. Como o teatro tem que ser.

Sinto que só agora estou acordando desse grande Sueño. Torço muito para que o espetáculo volte ao Recife, com Paulo de Pontes no lugar que lhe cabe, mas preciso dizer o quanto foi uma experiência inesperada, louca e incrível. Teatro! Evoé!

Registro no palco do Teatro de Santa Isabel. Foto: arquivo pessoal

 

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Recife perde André Filho, um trabalhador do teatro

André Filho morreu no último sábado, aos 62 anos. Foto: reprodução blog Fiandeiros

O ano era 2016. Vento forte para água e sabão, oitavo espetáculo e o segundo infanto-juvenil da Companhia Fiandeiros de Teatro, estreava no Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife. Numa entrevista ao Satisfeita, Yolanda? o diretor André Filho dizia que o tema mais significativo da peça era a morte, um assunto ainda repleto de tabu nas peças voltadas à infância.

“Resolvi seguir o caminho dessa discussão justamente pela contramão, ou seja, falar sobre morte a partir da vida, o sopro da criação, a relação com o divino que vem de nosso pulmão. Procurei contrastar o macrocosmo e o microcosmo, aqui simbolizado pelo clássico e pelo popular, respectivamente, mas sem mensurar valores de importância. Vida e morte, luz e sombra, ausência e conteúdo, tudo se complementa, assim como tudo que existe no universo.”

O foco na atuação e na dramaturgia, a musicalidade, a delicadeza e a sensatez marcam o trabalho de André Filho, encenador, ator, músico, diretor musical e dramaturgo, um trabalhador do teatro, que faleceu no último domingo, 10 de setembro, aos 62 anos, vítima de complicações de uma pneumonia.

André deixa a esposa, Daniela Travassos, a filha Maya, de 1 ano, e o legado de um trabalho duradouro e consistente nas artes da cena de Pernambuco, que inclui a Companhia de Teatro Fiandeiros, que atua há 20 anos no Recife e foi criada em parceria com Daniela e Manuel Carlos, e a Escola de Teatro Fiandeiros, que existe há 13 anos, e ocupa um espaço significativo na iniciação e na formação artística na cidade.

Manuel Carlos, André Filho e Daniela Travassos, fundadores da Cia de Teatro Fiandeiros. Foto: Eduardo Travassos

Formado em Matemática pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), André Filho fez o Curso de Extensão Musical, terminado em 1989; o curso básico de Formação do Ator oferecido pela Fundaj na década de 1990; e o curso de Formação do Ator da UFPE.

Na segunda metade da década de 1980, assinou muitas direções musicais ou composições de trilha para espetáculos que tinham a direção de José Manoel Sobrinho: Cantarim de Cantará (1985), O mágico de Oz (1986), Avoar (1986), O menino do dedo verde (1987), Com panos e lendas (1987) e Cantigas ao pequeno príncipe (1996). “Fico pensando como seria minha trajetória de encenador se ele não tivesse surgido como diretor musical, com quem eu dividi muitas construções de espetáculos. Ele aprendeu a lidar com o ator e a atriz nessa perspectiva do canto, nessa relação íntima do teatro com a música. André tinha um foco que era pensar a música no espetáculo cênico como dramaturgia e isso somava muito ao trabalho dos encenadores com quem ele trabalhou”, diz José Manoel.

A última experiência de trabalho de José Manoel Sobrinho com André foi no espetáculo Sistema 25, direção de Sobrinho, em que André Filho assinou duas composições. “No caso do Sistema 25, ele não era o diretor musical, era Samuel Lira, mas quando ele compôs,  estudou as cenas e veio discutir comigo os arranjos, porque ele pensava o arranjo como processo dramatúrgico”, complementa.

Nas experiências como ator, o diretor mais frequente foi Antonio Cadengue (1954-2018), na Companhia Teatro de Seraphim: André Filho atuou em peças como Em nome do desejo (1990), O jardim das cerejeiras (1990), Senhora dos Afogados (1993), Os biombos (1995), O alienista (1996), Menino minotauro (1997), Autos Cabralinos (Auto do Frade e Morte e vida severina), de 1997, Lima Barreto, ao terceiro dia (1998), Sobrados e Mocambos (1999) e Todos que caem (2000).

Em 2003, surge a Companhia de Teatro Fiandeiros. Numa entrevista para o Satisfeita, Yolanda? dez anos depois, André Filho relembra o início da companhia e os motivos pelos quais aqueles artistas permaneciam juntos.

“Nós nos reunimos em 2003. Nosso começo não foi muito diferente de outros coletivos: artistas que se juntam querendo se expressar coletivamente através de sua arte. Tínhamos origens distintas – éramos músicos, palhaços, professores, arte educadores, alguns já com experiência em trabalho de grupo, outros não. Eu havia sido convidado pelo Sesc para dirigir uma leitura dramatizada da peça A tempestade, de William Shakespeare. Convidei alguns atores para participar e o resultado é que, depois da leitura, o grupo quis continuar se encontrando para ler outros textos e conversar sobre teatro. Então decidimos seguir em frente com o processo de estudo e, daí, surgiu a Fiandeiros”, relembrava.

Na Fiandeiros, os campos de trabalho muitas vezes se misturavam: produção, gestão, atuação, direção, dramaturgia, direção musical e ensino de teatro.

Entre as produções mais marcantes do grupo estão Outra vez, era uma vez… (2003), texto de Filho, que assinava também a direção e direção musical, e ganhou o Prêmio Funarte de Dramaturgia na região nordeste em 2004; Noturnos, de 2011, texto e direção de André; e Histórias por um fio (2017), peça em que o artista assinava o texto e também estava em cena como ator, sob a direção de João Denys. Denys lembra com carinho dessa experiência. “Ele ficou muito satisfeito, porque não se achava lá um bom ator, mas foi muito reconhecido, até ganhou um prêmio no Janeiro de Grandes Espetáculos”, comenta o diretor. Naquela edição do festival, em 2018, a peça levou no total sete prêmios: Melhor Espetáculo, Diretor, Ator, Ator Coadjuvante, Cenário, Iluminação e Sonoplastia/Trilha Sonora.

“André era um sonhador, generosíssimo, sereno, aquela pessoa que fazia do teatro a vida dele. É uma criatura que vai nos deixar um vácuo, mas esse vácuo será preenchido com as sementes que ele deixou nos seus alunos, naqueles que o acompanhavam”, finaliza Denys.

Como artista que desde cedo acreditou no teatro como uma arte coletiva, André Filho era um defensor das políticas públicas para a cultura e o teatro. Articulado, tinha sempre uma opinião sensata, mas enfática, sobre as questões da cidade e do estado. Foi ouvido em praticamente todas as matérias sobre política cultural publicadas no Satisfeita, Yolanda? desde a criação do nosso site em 2011.

Neste ano, por exemplo, comentou as deficiências do Sistema de Incentivo á Cultura (SIC) e o valor irrisório do então Prêmio de Fomento às Artes Cênicas, que destinava uma verba de R$ 100 mil para ser dividida entre cinco produções. “Quando falamos nos festivais pelo país afora que o nosso fomento tem esse valor, as pessoas não acreditam! Destinar R$ 20 mil para realizar uma montagem é um desrespeito com a classe”, pontuou.

André Filho construiu uma trajetória que não se deixou marcar por egos e afetações. Quando questionado o que era preciso para ser um bom encenador, em 2016, disse que não se considerava e nunca havia pretendido ser um encenador. “Apenas procuro fazer um teatro que busca dialogar com a plateia, ser compreendido e me sintonizar com o mundo à minha volta. Uma vez vi uma entrevista com Abujamra que ele dizia que ‘ser encenador é a arte de ser dispensável’. Acho que é por aí. O que é mais bacana é que nosso trabalho é completamente invisível, quem brilha no palco é o ator. O trabalho do diretor é escrever no palco uma dramaturgia, escrita ou não, de maneira poética. Eu acho que para ser um bom encenador a primeira coisa que se tem a fazer é compreender que seu trabalho é invisível e que a cada novo processo se volta à estaca zero, do aprendizado. Quando isso não acontece corremos o risco de ficarmos repetitivos e presos ao passado. O tempo do teatro passa e não volta. Não adianta. Quanto mais tentarmos voltar ao que nos deu brilho um dia, mais nossa luz se apagará. Toda vez que penso nisso sinto quanto estou distante de ser um bom encenador”.

 

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Rumos Itaú Cultural quer compreender a produção artística pós-pandemia

Eduardo Saron e Valéria Tolon apresentaram novidades do Rumos 2023-2024

O edital Rumos Itaú Cultural mudou de perspectiva: o foco da edição 2023-2024, a 20ª do edital, será a criação artística. O anúncio foi feito durante uma coletiva de imprensa on-line realizada na manhã desta segunda-feira (31), com as presenças de Valéria Toloi, gerente do núcleo de Formação do Itaú Cultural, e Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú.

Desde 2013, o Rumos mantinha um formato aberto, recebendo propostas de todas as áreas artísticas e culturais e de modo bastante amplo, abarcando iniciativas de escopos  diversos, como catalogação, seminários, projetos de formação e criação, o que fomentava ainda a interseccionalidade entre as linguagens.

Já nesta edição, a ideia é priorizar a criação. O material de divulgação diz que não serão aceitos “Projetos que não tenham por finalidade ou resultado uma criação artística e/ou obra intelectual”, e explicita: “Na edição deste ano também não serão aceitos projetos ou propostas que tenham por finalidade a realização de cursos, oficinas, encontros, debates, palestras e seminários; programas, intercâmbios ou residências com o objetivo de estudo, aperfeiçoamento ou formação; mostras, exposições, festivais e feiras; rodas de leitura e saraus”.

Eduardo Saron explicou que há uma intenção da instituição de compreender a cena artística pós-pandemia: “Observando outros editais, a própria Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo, elas estão dando conta de um universo bastante amplo e que bom que isso esteja acontecendo na nossa cena artística e cultural brasileira. Então, quando o Itaú Cultural se debruça é: onde a gente pode de fato fazer diferença? A nossa decisão foi colocar um foco maior, verticalizar a compreensão e poder ter um mapa dessa produção e desse pensamento artístico (pós-pandemia)”, conta.

Valéria Toloi apontou que já havia uma demanda grande de projetos de criação no Rumos e que, focando na criação, o edital aposta no processo. “É uma escolha também de dizer para esse artista que a gente está apoiando que ele tenha um momento para olhar o processo. Isso é raro hoje em dia: você ter um tempo dentro do lugar em que você precisa circular, mostrar o seu projeto, finalizar o seu projeto”.

Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú

Valores – Os projetos selecionados pelo Rumos vão receber até R$ 100 mil bruto. Não há uma definição de quantos projetos receberão o apoio. Na última edição do Rumos, lançada em 2019, 11.246 projetos inscritos foram examinados e 90 projetos passaram na seleção.

Ao serem questionados pelo Satisfeita, Yolanda? sobre os valores líquidos que seriam recebidos pelos proponentes, pessoas físicas e jurídicas, Eduardo Saron e Valéria Toloi disseram que não havia como definir uma regra geral. “A gente não tem como saber ou como quantificar com certeza qual vai ser o imposto, depende de uma série de fatores, Imposto sobre o Município, Imposto de Renda Pessoa Física, o regime da pessoa jurídica. Mas o que a gente diz é: se cerque de informações para que você tenha garantias de uma planilha muito clara e objetiva; mas, para os selecionados, aí a gente entra auxiliando cada caso de uma maneira específica”, explicou Valéria Toloi.

As inscrições para o edital estarão abertas entre 1º de agosto e 22 de setembro de 2023. Na primeira fase da seleção, 46 pessoas de todas as regiões vão avaliar os projetos, o que garante até quatro leituras por profissionais diferentes; na segunda fase, 20 pessoas, entre gestores do Itaú Cultural e convidados externos farão a seleção, o que garante que cada projeto seja lido por até 10 pessoas. Os critérios de seleção são singularidade, relevância e pertinência.

A partir desta terça-feira (1º), os gestores do Itaú Cultural vão participar da Caminhada Rumos, encontros com a classe artística que vão acontecer em todas as capitais do país e no Distrito Federal.

O encontro desta terça-feira será na sede do Itaú Cultural em São Paulo, na sala Itaú Cultural, das 20h às 21h30. Não é necessário reservar ingressos e a entrada está sujeita à lotação do espaço. O encontro será gravado e disponibilizado posteriormente no site do Rumos.

No Recife, o encontro será realizado no dia 8 de agosto, no Teatro do Parque, das 19h às 21h.

Confira o site Rumos Itaú Cultural 2023-2024.

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Poesia e dramaturgia, tentativa e esperança de vida
Crítica do espetáculo Miró: Estudo nº2

Miró: Estudo nº2, do grupo Magiluth. Foto: João Maria Silva Jr

– Prédios não caem. Prédios são demolidos.

Essa é uma das falas-síntese do espetáculo Miró: Estudo nº2, do grupo Magiluth. Na noite de 27 de abril, cerca de trinta ou quarenta minutos depois que a peça havia terminado na Avenida Paulista, em São Paulo, mais um prédio caia na Região Metropolitana do Recife. Seis pessoas morreram e cinco ficaram feridas, entre elas uma mulher de 32 anos, e sua filha, uma adolescente de 16 anos. Os corpos foram encontrados abraçados debaixo dos escombros.

O edifício Leme, no bairro de Jardim Atlântico, em Olinda, era do tipo caixão, possuía 16 apartamentos e estava condenado desde o ano 2000. Como não tinha sido demolido, o prédio acabou ocupado. O jornal Folha de Pernambuco publicou que, de acordo com a Defesa Civil de Olinda, a cidade tem 110 imóveis com risco iminente de desabamento, todos prédios do tipo caixão que, como explicam as matérias de jornal, são edifícios construídos com uma técnica de alvenaria na qual as paredes fazem a função de sustentação da estrutura, sem que vigas ou pilares sejam utilizados.

Os 70 prédios do Conjunto Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, também Região Metropolitana do Recife, eram desse tipo. Como reforça o texto do espetáculo do Magiluth, foram construídos com recursos do antigo BNH, Banco Nacional da Habitação. Em 1995, um dos prédios foi interditado pela Defesa Civil por conta de rachaduras. Em 2005, todos os blocos foram interditados.

Muribeca dá nome ao conjunto habitacional, ao bairro em Jaboatão dos Guararapes, ao lixão desativado em 2009, que era o maior aterro sanitário de Pernambuco (“o sonho da casa própria ali, lado a lado com o lixão”, diz mais ou menos assim a dramaturgia do Magiluth), e ao poeta Miró, Miró da Muribeca.

Miró da Muribeca (1960-2022), João Flávio Cordeiro da Silva, era uma figura icônica do Recife. Era orgulhoso de viver de sua poesia. Ele próprio vendia seus livros e performava de um jeito único os poemas – sobre a cidade, o cotidiano, os problemas sociais, os encontros, os amores, o que poderia até ser considerado banal e, a partir do olhar de Miró, da sua elaboração, escrita e enunciação, ganhava forma e relevância.

Miró morreu em 2022 em decorrência de um câncer, mas também era alcoólatra.

Giordano Castro, Erivaldo Oliveira e Bruno Parmera. Foto: João Maria Silva Jr.

E foi a partir dessa pessoa que o Magiluth enveredou na criação de mais uma peça, num processo que também se debruça sobre o teatro, o ofício, o como fazer. Em Estudo nº 1: Morte e Vida (2022), a partir de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, a pergunta que disparava a encenação era “como montar uma peça?”. Agora, o grupo se questiona “como fazer uma personagem?”.

Essa pergunta é apresentada logo no início da peça e, a partir dela, discussões e possibilidades vão sendo compartilhadas com o público. Miró é uma pessoa ou uma personagem? O que é um protagonista? Um antagonista? Um coadjuvante? Figurantes? Elenco de apoio? E outras interrogações vão ecoando puxadas pela provocação inicial: quando estava performando, Miró era personagem? E nós, quando somos personagens? Só no vídeo para as redes sociais?

Para além das definições que enveredam pelas artes da cena, que podemos falar daqui a pouco, as fricções mais interessantes se dão quando esses conceitos tensionam as questões sociais alinhavadas pela dramaturgia.

A situação que desencadeou a escrita de um dos primeiros poemas de Miró, por exemplo, é trazida ao palco: uma abordagem policial a cinco jovens que estavam a caminho do Centro do Recife. Dali viria Quatro horas e um minuto*, poema publicado em seu primeiro livro, Quem descobriu o azul anil?:

quatro horas
quatro ônibus
levando vinte e quatro
pessoas
tristonhas e solitárias

quatro horas e um minuto
acendi um cigarro
e a cidade pegou fogo

cinco horas
cinco soldados
espancando cinco pivetes
filhos sem pai e
órfãos de pão

seis horas
o Recife reza
e eu voando
pra ver Maria

(Quatro horas e um minuto)

Na cena criada pelo Magiluth, os cinco jovens do bairro dos Coelhos, na periferia do Recife, estão andando e tirando onda pela rua até que um deles é abordado por um policial: “Tá rindo do quê, boy?”. A pergunta é seguida por um tapa.

Quando esses jovens se tornam protagonistas? De que forma eles são protagonistas? Qual a diferença entre um João “dos Coelhos” e um João? Entre um João da Muribeca e um João de Casa Forte? João de Casa Forte precisa ser nomeado? Quais outras estruturas podem servir para nomear João de Casa Forte? O colégio Santa Maria ou o Mackenzie, por exemplo, servem a esse propósito? Por outro lado, quais estruturas inexistem na construção do João da Muribeca, dos Coelhos, do Jardim Romano, de São Miguel Paulista? Um poeta marginal pode ser protagonista?

Um dos trunfos do Magiluth em Estudo nº2 é a engenhosidade na construção da dramaturgia. Poesia virou texto de teatro. Foi cortada, recortada, mudou de lugar, outros textos foram acrescentados, mas a poesia está lá. A obra de Miró está lá, adaptada ao teatro de um jeito imbricado, sem começo, meio ou fim, sem delimitações, invadindo todos os espaços no palco e espraiada.

Além disso, não há uma tentativa de fazer uma peça biográfica ou documental, apesar de alguns elementos biográficos e documentais nos ajudarem a ter pistas dessa pessoa-personagem, como alguns depoimentos de vizinhos de Miró. Mas não há muitas explicações – por exemplo: em nenhum momento o grupo conta que a cena desses jovens virou um dos primeiros poemas de Miró. Ela apenas está, existe, como dramaturgia e poesia, sem a necessidade de muitas explicações, a própria cena dando conta do seu contexto.

Depois de um prólogo estendido, guiado pela pergunta sobre como fazer uma personagem, o Magiluth expõe as suas escolhas para levar Miró personagem ao teatro. E essas escolhas, ao que me parece, carregam certo ineditismo na trajetória do grupo. O que o espectador acompanha é quase um processo de simbiose entre Erivaldo Oliveira, ator protagonista que interpreta Miró, e o poeta. Desde a dramaturgia, quando as fotos de Erivaldo se misturam às referências de Miró. Qual o nome da mãe de Erivaldo mesmo? E do poeta? Quem é filho único? Quem tem muitos irmãos? Os dois perderam as suas mães e esse buraco impactou a vida dos dois, talvez com pesos diferentes.

E essa construção vai alcançando de mansinho a cena – o conhaque que Erivaldo bebe repetidas vezes, a imagem da Muribeca na projeção do telão – e o corpo do ator, que é primeiro Erivaldo, personagem de si mesmo no palco, e vai aos poucos mimetizando Miró. Que imita o seu jeito de andar, de abrir os braços, de se expressar, que carrega a guia no pescoço com o dorso nu. Até que Erivaldo e Miró são um e são múltiplos: ator-personagem no palco, poeta-performer no vídeo.

Não tem como não exaltar o trabalho de Erivaldo Oliveira como ator em Miró. Principalmente para quem, como eu, acompanho o trabalho do grupo há muito tempo. Como quase tudo na vida, o trabalho do ator também é uma construção. Treino, repetição, aperfeiçoamento, faz de novo e novo. Uma das palavras-síntese para Magiluth é processo. Em Miró estão o Erivaldo de Viúva, porém honesta (2012) e da mãe fabulosa que ele ergueu em Apenas o fim do mundo (2019) e que tinha uma cena inesquecível com o Luiz de Pedro Wagner. Erivaldo tem mapeado Miró em sua consciência, em seu corpo, ora ao se conter, ora ao se expandir.

A cena em que se banha é como um nascimento, um batismo, um banho de mar no chuveiro, a cura para o porre de realidade e conhaque e, ao mesmo tempo, uma ode ao que pode vir. As ligações que faz aos poetas amigos, Wellington (Wellington de Melo), Cida (Cida Pedrosa) e Wilson (Wilson Freire), revelam a dor e os dramas internos do poeta-pessoa-personagem em cenas tristes e lindas.

Mas, como disse, a escolha me parece inédita ao grupo: levar uma personagem real à cena mimetizada. Interpretá-la de tal modo que o público possa se impressionar com as semelhanças entre ator e pessoa-personagem.

De outro modo, os polos colocados em cena quando o grupo apresenta, de um lado, a construção de uma personagem dramática, de modo tradicional, com caracterizações, como na cena de Giordano Castro; e de outro, o ator mais cru, que segue a sua intuição, é personagem de si mesmo, como na cena de Bruno Parmera, também não são escolhas recorrentes do grupo ao longo do seu repertório.

O Magiluth geralmente vai por outro caminho, o do ator-performer que não está necessariamente interessado em mimetizações, que ajudou a construir uma dramaturgia em sala de ensaio e, a partir do texto, das ações propostas e do corpo consegue estabelecer um estado de presença que alcança o espectador. Um estado de presença que, do palco, idealmente, integra o espectador à encenação. E o mais interessante no grupo é que esse estado, essa energia que os atores vão erguendo em cena, se dá no coletivo, no jogo e na interação entre aqueles atores, como se um puxasse e mobilizasse o outro até o lugar que desejam alcançar, todos juntos.

E essa é uma das quebras em Miró: Estudo nº2. Esse estado de presença coletivo, do modo como ele acontece em outras encenações, como O ano em que sonhamos perigosamente (2015), Dinamarca (2017) e Estudo nº1: Morte e Vida, por exemplo, não se estabelece da mesma maneira. O protagonismo, neste caso, também está relacionado à presença. Então, na maior parte do tempo, essa linha de forças está desnivelada. É um demérito do espetáculo? Não, é apenas um modo diverso de colocar as peças no tabuleiro da encenação e uma experiência diferente na trajetória do grupo.

Um dos momentos em que essa energia está um pouco mais equilibrada, embora em níveis menores de força, é quando os atores voltam ao procedimento recorrente de criação de cenas curtas, que se desenrolam como um jogo, e incorporam referências e citações de trabalhos anteriores. Se, como disse, processo é palavra-síntese do Magiluth, essas cenas são antropofagia. Olhar para si mesmo, para o mundo, voltar ao que foi, trazer coisas novas, acrescentar camadas de significação.

Por exemplo: pelo menos desde O ano em que sonhamos perigosamente (ou talvez desde Aquilo que o meu olhar guardou para você, 2012) o grupo traz à cena questionamentos sobre a ocupação do espaço urbano e a especulação imobiliária. Em Miró, os diálogos entre um engenheiro e um aprendiz, Giordano Castro e Bruno Parmera, sobre as especificidades na construção de um conjunto habitacional explicitam o descaso com o direito à moradia digna diante da sanha capitalista de construtores – aqueles da mesma laia dos que estão erguendo não sei quantas torres no Cais José Estelita, no Recife. Se antes o grito desesperado chamava por Stella, de Um bonde chamado desejo, em O ano em que sonhamos perigosamente, agora chama por Norma.

(…)

domingo era o dia mais feliz
antes de norma beijar um outro na boca

(Onde estará Norma?)

O casal de Todas as histórias possíveis, experimento criado durante o isolamento social provocado pela pandemia de covid-19, aquele que se forma despretensiosamente e depois ganha a chave da casa do outro, recebe um áudio dizendo o que tem na geladeira e um convite para que fique à vontade, se sinta em casa, pode ser o mesmo casal que passa 22 anos juntos em Miró e depois não consegue imaginar a vida sem o outro?

estou pronto
eu também
foram
deixando para trás 22 anos juntos
naquele apartamento
dentro do elevador nenhuma palavra
térreo
agora teriam 22 mil ruas para seguir
seguiram

nenhum dos 2 sabia pra onde

(Separação)

O morto, que “é bom porque a gente deixa ele lá, no lugar, e quando volta ele tá lá, igual, na mesma posição” e que a gente coloca “flores por cima para esconder o cadáver”, de O ano em que sonhamos perigosamente, aquele que morre de exaustação pela precarização do trabalho em Estudo nº1: Morte e vida e permanece lá, no mesmo lugar, até o fim da peça, talvez aqui haja esperança, talvez ele não tenha morrido, cancelem o coveiro. O coração ainda bate.

(…)

ele pensou que agora estava
definitivamente morto
quando o legista disse:
não
não levem agora
o coração ainda bate
(…)

(Muita hora nessa calma)

Miró talvez seja a resposta mais imediata e ainda um pouco crua e, por isso tão verdadeira e bonita, ao que estamos vivendo. A resposta e a contribuição do Magiluth, porque é o que eles sabem fazer, continuar fazendo teatro, mesmo que o mundo lá fora esteja acabando como foi em O ano… ou nos experimentos durante a pandemia. Se, como dizem na dramaturgia, tentativa é a palavra mais importante no espetáculo, não é também uma das que mais fazem sentido hoje? Se vivenciamos tantas mortes, se perdemos Miró, como trabalhamos esse luto coletivamente, fazemos viva a sua obra e o seu legado, e entregamos juntos beleza e arte? A cidade pega fogo há bastante tempo. Foi o cigarro que eu acendi? Que acendemos juntos e não soubemos como apagar? Agora é hora de voltar a construir a cidade, oxalá sobre bases mais sólidas.

*Os poemas ao longo do texto não necessariamente são citados na íntegra no espetáculo.

Ficha Técnica:
Miró: Estudo nº2, do grupo Magiluth
Direção: Grupo Magiluth
Dramaturgia: Grupo Magiluth
Atores: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro
Stand in: Mário Sergio Cabral e Lucas Torres
Fotografia: Ashlley Melo
Design gráfico: Bruno Parmera
Colaboração: Grace Passô, Kenia Dias, Anna Carolina Nogueira e Luiz Fernando Marques
Realização: Grupo Magiluth

Serviço:
Miró: Estudo nº2
Quando: 9 de maio, terça-feira, às 20h, no Teatro de Santa Isabel (ingressos esgotados)
13, 14, 20 e 21 de maio, sábado e domingo, às 19h, no Teatro Apolo (ingressos à venda)
Quanto: R$ 40 e R$ 20 (meia-entrada), à venda no Sympla

Estudo nº1: Morte e Vida
Quando: 16, 17, 18 e 19 de maio, às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho
Quanto: R$ 40 e R$ 20 (meia-entrada), à venda no Sympla

Este texto integra o projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

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Corpo e poesia: Magiluth e Miró no teatro

Miró: Estudo Nº2 estreia em curta temporada no Itaú Cultural. Foto: Ashlley Melo

“A minha poesia, ela não é só a minha poesia, ela é o meu corpo.”
Miró da Muribeca em entrevista para a Trip TV

Giordano Castro, ator e dramaturgo do grupo Magiluth, do Recife, disse que já viu acontecer: “As pessoas pegarem o livro e alguém dizer, ah, mas tu tem que ver, bota o vídeo dele na internet. Caralho! Não, porra. Lê, caceta. Ele é foda e tal, mas a gente é finito. Ele morreu, a gente vai morrer, todo mundo vai. E o que vai ficar é o que o cara produziu. E obviamente era incrível ver a performance dele, mas isso era ele. E o que cabe ao Magiluth? O que vai caber a outra pessoa fazer?”, questiona.

Nesta quinta-feira, 20 de abril, o encontro entre o grupo de teatro pernambucano e Miró da Muribeca, poeta que andava pelas ruas do Recife vendendo os próprios livros e fazendo poesia do que via, vai estrear no Itaú Cultural. Miró: Estudo nº2 segue a trilha aberta por Estudo nº1: Morte e Vida, inspirada em Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, que também estreou em São Paulo, em janeiro de 2022, no Sesc Ipiranga.

Mas, antes desses dois, tiveram também os trabalhos da sobrevivência, quando só dava para criar de dentro de casa e o corpo era materializado na imaginação de quem ouvia a voz dos atores em Tudo que coube numa VHS, Todas as histórias possíveis e Virá. E, se a gente puxar, o novelo vai longe, porque as coisas estão entrelaçadas e vão se desdobrando na trajetória de um grupo que permanece junto desde os tempos dos corredores do Centro de Arte e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, em 2004, quando o grupo foi formado.

Se a principal pergunta de Estudo nº1 é “como montar uma peça de teatro?”, a pergunta evocada em Estudo nº2 é “como fazer um personagem?”, a partir da obra e da figura de Miró, que morreu em julho de 2022, aos 61 anos. “A gente tem uma perspectiva muito particular sobre personagem, sobre se colocar em cena. Não há uma investigação muito stanislavskiana ou aprofundada mesmo. É algo muito mais perto do jogo, do estado de presença, do que da ideia da própria figura”, conta Castro.

Miró escrevia poesia sobre a cidade, o amor, a violência e tudo que via. Foto: Ashlley Melo

O grupo pensou em montar uma peça a partir da obra de Miró em 2015, quando ocupava uma sala no Edifício Texas, no bairro da Boa Vista, região central do Recife, e passou a encontrar e conviver com Miró mais de perto. Em parceria com o diretor Pedro Escobar, chegaram a gravar alguns vídeos com poesias e mostraram ao cronista lírico do cotidiano, como se definia João Flávio Cordeiro da Silva, nome de registro de Miró.

O poeta, que sim, performava suas poesias de maneira única, disse algo que marcou os atores. “Nossa, eu gosto muito de ver os vídeos de vocês porque eu vejo a minha poesia e isso é muito forte. Sempre quando me dizem poeta, dizem que minha poesia é minha performance, como se uma coisa estivesse sempre ligada a outra e quando eu vejo vocês fazendo, eu não vejo a minha performance, eu vejo o meu texto, a minha poesia”, relembra Giordano Castro.

E ainda que palavra seja corpo, principalmente depois da morte de Miró, vincular sua poesia à sua performance não seria matar ou deixar morrer também a poesia? E o quanto a pecha de performático, que nesse caso carrega muitos julgamentos, como àqueles relacionados ao consumo de álcool, uma questão com a qual Miró teve que lidar principalmente depois da morte da mãe, pode reduzir ou restringir a obra em tantos âmbitos?

Se as coisas não mudaram (já que essa conversa com Giordano Castro foi no fim de março), você, espectador, pode esperar uma cena de 20 minutos, só com textos de Miró. “E vai ser uma cena de teatro”, avisa. “E a gente diz, velho, vê como é possível a poesia desse cara se transformar e ir para lugares além dele! Não, nós não vamos reduzir a poesia de Miró a ele mesmo”.

Miró: Estudo N°2, do Grupo Magiluth

Quando: de 20 a 30 de abril, de quinta-feira a domingo
Horário: Quinta-feira a sábado, às 20h; domingos e feriados às 19h
Quanto: Gratuito.
Ingressos: Para retirar ingressos com antecedência, é preciso acessar o site do Itaú Cultural. Os ingressos reservados valem até 10 minutos antes do início da sessão. Após esse horário, os ingressos que não tiverem o check-in feito na entrada do auditório, perdem a validade e serão disponibilizados para a fila de espera organizada presencialmente. A bilheteria presencial abre uma hora antes do evento começar para retirada de uma senha, que posteriormente pode ser trocada pelos ingressos de pessoas que não compareceram.
Duração: 90 minutos

Ficha Técnica:
Direção: Grupo Magiluth
Dramaturgia: Grupo Magiluth
Atores: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro
Stand in: Mário Sergio Cabral e Lucas Torres
Fotografia: Ashlley Melo
Design gráfico: Bruno Parmera
Colaboração: Grace Passô, Kenia Dias, Anna Carolina Nogueira e Luiz Fernando Marques
Realização: Grupo Magiluth

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