Arquivo mensais:janeiro 2015

Tempo subvertido

Materia prima, do grupo madrilenho La Tristura

Materia prima, do grupo madrilenho La Tristura

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Quatro crianças desafiam o público com explanações filosóficas sobre o amor, o futuro, questionamentos da existência na peça Materia prima. Essas palavras profundas vindas de bocas tão inexperientes clamam por outras chaves de interpretação. Subversão de lógica nesses discursos contaminados de histórias de vida vindas de seres imaturos.

Há rupturas das convenções teatrais. Muitas coisas escapam nessas falas impregnadas de nostalgia que não são deles, mas dos adultos da companhia espanhola La Tristura. O elenco mirim é atravessado pelo tempo, pelo devir e isso é projetado sobre a plateia. Instaura-se um clima de desconforto.

Crianças  apresentam discurso de adulto

Crianças apresentam discurso de adulto

Intrigante. Teatro que provoca posições divergentes. Dissenso. “Eu odiei. Teatro tem que ter ator. E eles não interpretam. São apenas jovens”, dizia um. “Falta criatividade. O diretor poderia ter explorado de forma inventiva aqueles corpos jovens, verdes”, dizia outro. “Achei uma chatice”, comentava um terceiro. “Eu gostei. Da juventude e como ela é apresentada. Das músicas. A gente sai pensando”.

Isso ocorreu em outras praças, a plateia dividida. Em edições anteriores do FIT-BH, Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília, Festival Internacional de Londrina (Filo).

O espetáculo Materia Prima teve duas apresentações no Janeiro de Grandes Espetáculos. O grupo La Tristura apresenta ainda El Sur de Europa – Dias de amor dificíles, neste sábado (31), em duas sessões, às 18h30 e às 21h30, no Teatro Luiz Mendonça.

Teatro contemporâneo – O grupo La Tristura coloca em cena quatro garotos (duas meninas e dois meninos), 13 anos em média, e lindos. A encenação encerra a chamada Trilogía de la Educación Sentimental e os pequenos atuadores entraram quando tinham entre 9 e 10 anos. Os criadores adultos defendem que a peça faz parte de um estudo sobre herança, educação e futuro.

Começa com o palco limpo. Apenas uma cama de casal do lado direito. Um garoto sem camisa entra e deita no chão de costa para a plateia. Divagações sobre o amor, a duração, intensidade, a vida e o tempo são elencados com a tradução projetada no meio da cena. Parece que há um abismo entre as palavras ditas e aquele jovem imberbe deitado ali. São reflexões adultas, de experiências vividas. Mas o texto também está carregado por inocência da fase infantil. É um tempo atravessado e carregado de significados e deslocamentos de épocas de vida.

Isso atinge em cheio a não convocada verossimilhança e a performance atinge outro patamar. Isso gera mal-estar nos estatutos de verdades e planos lineares. Depois dessas reflexões pesadas, outros três garotos entram em cena. O primeiro e carregado para a cama, onde todos deitam e mais elucubrações são disparadas.

Em cena, os garotos  brincam como crianças

Em cena, os garotos brincam como crianças

Materia Prima não conta uma história. O La Tristura prima pela experimentação. Ginebra Ferreira, Gonzalo Herrero, Siro Ouro e Candela Recio se distanciam do realismo, flertam com a performance, e patinam em possibilidades interpretativas. Melhor não classificá-los como atores ou intérpretes no sentido mais convencional. São corpos em expansão.

Eles jogam bola, tomam banho de tinta, escorregam no palco. Brincam como crianças. Mas o discurso é que cria atritos, atira contra fórmulas prontas. Meninos discorrem sobre utopias, morte, culpa, sonhos, maldade. O contraste entre forma e conteúdo cria uma explosão. Mudanças de perspectiva.

Dos marcos de um dia – de amanhecer ao anoitecer – Materia Prima traça uma metáfora do ciclo da vida. E isso também faz lembrar Virgínia Wolff. “O que haverá depois de uma noite? Um dia. O que haverá depois de um amor? Outro amor”, diz uma das partes do texto.

Itsaso Arana, Pablo Fidalgo, Violeta Gil e Celso Giménez, os integrantes do La Tristura, assinam a direção. A iluminação é de Eduardo Vizuete. E a trilha original de Merran Laginestra.

E o texto é lindo, poético, namora bem com a música, que ressalta as emoções da dramaturgia. A trupe cria um mundo próprio.

FICHA TÉCNICA
Materia Prima, do grupo espanhol La Tristura
Texto: Itsaso Arana, Pablo Fidalgo, Violeta Gil e Celso Giménez
Elenco: Ginebra Ferreira, Gonzalo Herrero, Irene Paniagua Bolaños e Siro Ouro
Design de Luz e Coordenação Técnica: Eduardo Vizuete
Assistente Técnico: Ana Muñiz
Assistente de Direção: David Mallols
Música Original: Merran Laginestra
La Tristura: Celso Giménez, Itsaso Arana e Violeta Gil

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Cada um carrega sua dor

Marcelo Oliveira faz um personagem que briga com formigas. Fotos: Ivana Moura

Marcelo Oliveira faz um personagem que briga com formigas. Fotos: Ivana Moura

imageDeixa ser eu. O título é muito sugestivo e convoca tantas subjetividades. Obra imagética. Vem com uma torrente de desejos e revela camadas de dores, amor, apego, violência, abandono. O espetáculo ocupa a casa 300 da Rua da Glória, no bairro dos Coelhos, a residência do ator e diretor Jorge Clésio. O lugar aceita as inquietações dos artistas Marcelo Oliveira, Wagner Montenegro e Greyce Braga. São três histórias principais, três respiros e um epílogo. E faz parte da Mostra Teatro em Casa.

A primeira cena se passa em off, enquanto as três vozes discutem sobre proibições e usam respostas da linguagem de rua (ou chulas, a depender dos ouvido de quem tem) para contrapor os interditos sociais. É uma dinâmica interessante. O público ajeitado na primeira sala, com as portes e janelas abertas, mas com grades como proteções, escuta, às vezes ri. Paira uma tensão cênica no ar.

Um homem solitário vive a matar formigas enquanto fala da sua experiência insana de prosseguir vivo diante da ausência de um irmão / amigo / amado que que foi assassinado. Marcelo Oliveira interpreta na segunda cena (a primeira história) essa criatura fragilizada, que enfrenta um exército de formigas, enquanto expõe sua aflição. Ele está sentado na cama e a plateia espalhada pela sala nas cadeiras e pelo chão. A dramaturgia clama por trabalhar melhor a poética desse ser em pedaços que fala de doces para os insetos enquanto sua vida é muito amarga. Há momentos de força, de construções tocantes (frases, imagens e tempos), mas que se desmancha muito rapidamente pela questão da dramaturgia.

Greyce Braga como a crítica de teatro.

Greyce Braga como a crítica de teatro.


O segundo respiro é mais engraçado. Greyce Braga caricatura uma repórter / crítica de um jornal / blog. E como é fácil satirizar esses seres em extinção que se dediquem ao ofício da crítica de teatro!!! É divertido o seu diálogo com o público, a inteiração com a cena local e sua desenvoltura salientando a pressa, a falta de paciência e um olhar obtuso sobre seu objeto de análise. Engraçado.

Violência doméstica

Violência doméstica


“Estava trabalhando” repete a mulher para o marido várias vezes ao voltar para casa. A assistência já havia sido deslocada para outra sala. E acompanha ávida o que em princípio é uma cena quente de dois amantes. Eles se deslocam para o quarto enquanto ouvimos os sons de violência doméstica. Um respiro tenso, terrível se pensarmos que essas coisas estão mais próximas da realidade do que da ficção.

Wagner Montenegro como o travesti Jacinta

Wagner Montenegro como o travesti Jacinta


Jacinta (Wagner Montenegro), a protagonista da segunda história é um travesti que trabalha na Boa Vista, tem um romance com um padre e conta detalhes sórdidos de seus encontros com homens casados. Narra que faz tudo por dinheiro e finge gozar, mas se contradiz revelando o desejo por uma relação afetiva em outros termos. Sonha em ser atriz de Hollywood. O ator narra as desventuras de suas personagem, mas delimita seu espaço de atuação em um pequeno espaço entre o espelho e o vão da porta. Precisa destacar mais as nuances dessa figura, para tirar o peso do clichê que ronda esse papel social. É uma personagem facilmente reconhecível.

É ótima a atuação de Greyce Braga

É ótima a atuação de Greyce Braga


Iracema tomou como missão ensinar aos noivos da Igreja da Soledade como cuidar de flores. A crueza dessa personagem é despetalada com a narração de sua história, do marido, dos aprisionamentos, do lado dos espinhos das flores. A atuação de Greyce Braga é comovente. Extrai a delicadeza de uma tarefa preservada no trato dessa mulher que foi oprimida, castigada e inventa outros parâmetros para sobreviver.

Tocantes são esses gritos, apelos, pedidos de socorro desses personagens, que situados no Bairro da Boa Vista/ Coelhos se mostram nossos vizinhos, que ignoramos. Mas a intimidade deles está exposta ali, para esse pequeno grupo – que é a plateia – acompanhar e refletir sobre a crueza desses dias que correm tão solitários. A fluidez com que as cenas são organizadas no casarão também leva para ressignificações do nosso convívio social e a falta de humanidade que deixamos escapar nas pequenas coisas.

Eles, os personagens, podem ser qualquer um. E o elenco trabalha nesse campo sensorial, na proximidade. E o espectador pode sentir a respiração do intérprete e suas pulsações. E isso é algo especial.

Ficha técnica
Texto e Direção: Marcelo Oliveira
Elenco: Greyce Braga, Marcelo Oliveira e Wagner Montenegro
Direção de arte: Greyce Braga, Marcelo Oliveira e Wagner Montenegro
Realização: Hazzô

SERVIÇO
Deixa ser eu, de Hazzô
Quando: Segunda (26) e terça (27), às 20h
Onde: Casa Outrora – Rua da Glória, 300, Boa Vista
Ingresso: R$ 20 e R$ 10

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Everybody é culpado?

A Deus, Todomundo: Uma imoralidade do nosso tempo. Foto: Hans von Manteuffel

A Deus, Todomundo: Uma imoralidade do nosso tempo. Foto: Hans von Manteuffel

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Pós teatro, enquanto esparramada no sofá comendo um sanduíche, assisto ao Fantástico. Uma matéria explica quase didaticamente quais são e como agem os grupos extremistas que deturpam a religião islâmica e fazem milhares de vítimas. Imagens mostram execuções em série; uma das informações que me chocam é a de que o Estado Islâmico possui um aparato de 200 mil homens. Logo adiante, a reportagem fala do Boko Haram e lembra que eles sequestraram em abril do ano passado 276 meninas numa escola.

Faço mentalmente uma breve retrospectiva das notícias dos últimos dias. Lembro do traficante brasileiro executado na Indonésia. Do ataque ao Charlie Hebdo. Da imagem destruidora do terrorista atirando no policial. Das imagens de como ficou o jornal depois do atentado. A mobilização na França. A intervenção do Théâtre du Soleil, a boneca sendo atacada por corvos, mas resistindo (Fernando Yamamoto, obrigada por compartilhar esse momento e nos permitir estar lá, através de você).

Volto a pensar no espetáculo que vi – pela segunda vez – enquanto coloco roupas na máquina de lavar. A Deus, Todomundo: Uma imoralidade do nosso tempo, trabalho de conclusão da turma 2012 do Curso de Interpretação para Teatro do Sesc Piedade. Texto, direção, cenário, figurino e maquiagem são assinados pelo professor João Denys.

A montagem é uma versão de Everyman, peça de moralidades, escrita em fins do século XV, não se sabe ao certo a autoria. O objetivo é didático e está a serviço da religião. A moralidade se constitui no meio para alcançar a salvação.

O enredo é simples. Todomundo recebe a inesperada visita da Morte; ela quer levá-lo para prestar contas a Deus. Mas a vida que Todomundo teve até então não demonstra nenhuma relação próxima com o divino. Apavorado, Todomundo pede que a Morte deixe que ele leve alguém, para ajudá-lo nessa tarefa de repassar os feitos com Deus. Pedido aceito, Todomundo vai, em vão, tentar a ajuda das Amizades, dos Parentes, da Riqueza. Até que encontra a Caridade – e essa não tem forças nem pra se levantar – a Sabedoria, a penitência, a remissão e, enfim, o sagrado.

Diante de um mundo de conflitos intensos com a moralidade como o nosso, no século XXI, me pergunto os motivos de uma turma de concluintes ter tido tesão em voltar a Everyman. Remontá-lo. Nenhum texto teórico – do programa ou não – conseguiu me responder.

Ok, pensar no modelo da moralidade, nas consequências dele até hoje, no cristianismo, nas culpas carregadas na cruz do corpo, na exploração disso nos dias atuais. Precisa de muito não. Liga a televisão e vê por três minutinhos os programas evangélicos. Assiste a uma procissão católica, com milhares de pessoas se arrastando de joelhos para receber a graça, a remissão, a salvação.

Ao invés de tudo isso, o enredo de Everyman é reproduzido em cena tal e qual. E toma uma dimensão muito maior do que todas as discussões que poderia suscitar. Ao mesmo tempo, a encenação também não consegue nos levar para outros lugares. Estamos presos ao modelo pronto. Ao que era na Idade Medieval – e pelo jeito é até hoje.

João Denys, falando sobre os alunos e o processo, no programa, a certa altura explica e questiona: “Como resposta ao que eles e elas queriam dizer com o teatro, apontavam os caminhos do expressionismo e eu perscrutava o erotismo na superfície de seus corpos e de suas ações adolescentes. Impressionava-me com a relação que todos mantinham com a religião e mais: a mistura indiscriminada de devoção religiosa e profana. O desejo de ofertar seus corpos nus no altar do teatro e o desejo de ocultarem-se nos seus relicários individuais e narcísicos. (…) Devassos ou místicos? Ambos impuros e exagerados”.

Esses questionamentos todos do mestre na sala de aula se refletiam realmente nos alunos, jovens atores, com pouquíssima ou quase nenhuma experiência? De que forma essa inquietação de Denys – barroca – fazia sentido para eles? Havia pertinência – para eles – em serem devassos ou místicos?

A encenação é apoiada em grande parte no cenário, móbiles que são deslocados pelos próprios atores em cena, pequenos palcos elevados, onde a vida desregrada principalmente pelo sexo assume lugar elevado, a Riqueza, assim como a Caridade, por exemplo, estão num nível superior ao personagem Todomundo.

Atores se esforçaram para cumprir proposta da encenação

Atores se esforçaram para cumprir proposta da encenação

Se há algo para se admirar nessa montagem, trata-se do empenho dos atores na execução de uma tarefa. É difícil encontrar eco no que está sendo dito e, mesmo assim, estão todos lá, os corpos desnudos e, mais do que isso, expostos, entregues à paixão pelo teatro. O esforço e a superação são nítidos principalmente em Bruna Bastos e Moisés Ferreira Júnior, que interpretam juntos o personagem título da peça. Há uma potência para ser desbravada em Luciana Lemos, que faz personagens como a Morte e a Riqueza. Ela consegue passear melhor pela ironia, fazer sentir a palavra, arrancar uma risada. Mas todos – o grupo inclui ainda Gabriel Albuquerque, Patrick Nogueira, Sheila Mendonça, Marco Antonio Lins, merecem os parabéns. Pela dedicação, pela coragem. Ouvi de um diretor meses atrás algo do tipo: “uma peça é só uma peça. Vamos adiante, fazer a próxima”. Já foi a primeira – só a primeira, espero, do restante da vida de vocês.

03:15. A máquina de lavar já parou faz tempo. Porque nem tudo é tão sagrado, nem tudo é tão profano. Vou lá estender a roupa no varal.

Ficha técnica:
Texto, direção, cenário, figurino e maquiagem: João Denys
Elenco: Bruna Bastos, Gabriel Albuquerque, Luciana Lemos, Marco Antonio Lins, Moisés Ferreira Jr., Patrick Nogueira, Sheila Mendonça
Assistente de direção: Durval Cristovão
Direção geral de cenografia: Manuel Carlos
Adereços: Manuel Carlos e João Denys
Iluminação: Eron Villar
Sonoplastia ao vivo: Adriana Milet
Direção de produção: Ana Júlia da Silva
Assistência de produção: Almir Martins, Daniela Travassos, Gabriela Fernandes, Diogo Barbosa e Ivana Motta

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Encontros possíveis

Jogo cênico fascinante de três bons atores . Foto: Ivana Moura

Jogo cênico fascinante de três bons atores . Foto: Ivana Moura

imageNoctiluzes é um potente texto do dramaturgo argentino Santiago Serrano, escrito especialmente para a brasiliense Cia. Plágio de Teatro. A dramaturgia é inteligente, repleta de humor e reflexões sobre as mazelas humanas no mundo contemporâneo. Na peça, três desconhecidos se esbarram numa madrugada em um píer que já teve honrosas serventias. Cada um foi parar ali por motivos próprios e a presença dos outros é um incômodo, que eles tentam negociar para chegar ao seu propósito secreto. E a vida para esses três homens não será a mesma depois daquela noite.

Noctiluzes participa da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos, com duas sessões no Teatro Apolo, ontem e hoje, às 20h.

O autor é o mesmo de Dinossauros e mostra como encontros fortuitos podem trazer revelações sobre estados miseráveis e possíveis redenções. Tudo isso com um olhar generoso e otimista para as possibilidades do humano, apesar de todas as evidências que depõem contra esses seres.

A direção de Sérgio Sartório e Rachel Mendes extrai as ondulações de um encontro inusitado, em que as criaturas deixam escapar mágoas e desejos, afetos e frustrações. A perseguição do sonho de paternidade de um, a situação-limite de outro, a sabedoria de um terceiro. A montagem opera na chave do minimalismo e cada detalhe se veste de grande valor.

Essa noitada com vaga-lume iluminando discretamente o cais subverte posições do centramento de cada personagem à permissividade do surgimento da amizade ou o exercício da solidariedade.

Instala esse lirismo de forma simples, com diálogos tocantes, bons atores que se jogam numa jogo interpretativo fascinante. Chico Sant’Anna no papel do cego Tirésias dá um show. Sérgio Sartório e Vinicius Ferreira também estão ótimos.

A força da montagem está na simplicidade e na harmonia dos elementos. A iluminação, a trilha sonora, o cenário entram em sintonia na competência de sua execução. O texto é precioso, a direção segura. O time de atores lidam com muita habilidade com os grandes silêncios, que repercutem em ecos progressivo na alma da plateia.

O ser humano pode ser melhor, indica a peça

O ser humano pode ser melhor, indica a peça

Ficha técnica

Texto e supervisão: Santiago Serrano
Direção e tradução: Sérgio Sartório
Codireção: Rachel Mendes
Elenco: Chico Sant’Anna, Sérgio Sartório e Vinícius Ferreira
Iluminação: Sérgio Sartório e Vinícius Ferreira
Cenário e figurino: Roustang Carillho
Trilha sonora: Tomás Seferin
Direção técnica: Chico Sassi
Direção de produção: Cia. Plágio de Teatro
Produção: Guinada Produções (Daniela Vasconcelos)
Assistente de produção: Guylherme Almeida

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Amor com cheiro de naftalina

Maldito coração, me alegra que tu sofras foi uma das atrações do primeiro dia do Janeiro. Fotos: Ivana Moura

Maldito coração, me alegra que tu sofras foi uma das atrações do primeiro dia do Janeiro. Fotos: Ivana Moura

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“Maldito coração, me alegra que tu sofras” é um verso de uma antiga canção interpretada por Angela Maria. É também o título de uma peça, um clássico do teatro gaúcho, em cartaz ontem e hoje (16), no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro. O solo da atriz Ida Celina já está em cartaz há 19 anos e é uma das referências e orgulho do palco dos sulistas de Porto Alegre. Há méritos para isso. Paris também ostenta os seus clássicos. E o Recife tem Um Sábado em 30, de Luiz Marinho, com o Teatro de Amadores de Pernambuco que, por sinal, está na grade de programação do Janeiro de Grandes Espetáculos.

Ida Celina é uma atriz de recursos vocais, corporais e de intenções. Ela é a essência e a alma do espetáculo Maldito coração, me alegra que tu sofras. A artista extrai nuances, alguma beleza, nostalgia e muita pieguice do amor (e seus desejos), mote da peça, que na sua dramaturgia não vai além da esquina.

O texto e a trilha sonora são assinados por Vera Karam. Na cena, uma senhorinha modela seu passado amoroso ao narrar sua vida para desconhecidos. Na cena há apenas um banco de balanço como elemento da cenografia de Alexandre Magalhães e Silva, também responsável pelo figurino. Tudo indica que é um internato para velhos ou coisa parecida. E que a protagonista com algum desvio de personalidade recria sua existência banal, acrescentado cores e valorizando seus feitos, mais imaginários que reais.

Como o título indica, tudo gira em torno de uma “relação” amorosa travada na juventude. Mas a tese em si não avança. Ela retoma a narrativa a partir da suposta duração do seu caso, namoro, casamento. E brinca com a importância dada pela sociedade às uniões duradouras. A primeira, segunda, terceira vez em que ela amplia esse tempo, tudo soa muito engraçado. Mas com a repetição, o efeito vai se esgarçando.

Há algumas sacadas realmente fortes pelo teor da sua ironia, quando ela fala coisas do tipo “vocês não estão aqui” e reforça com um “Ainda”. E essa palavra soa cheia de sarcasmo e ameaça como se fosse um destino inexorável da humanidade. Mas o texto é raso.

A atuação de Ida Celina traz suas pulsações. Sozinha no palco ela extrai as potencialidades e subverte as fragilidades do texto ao seu favor. Articula as ideias (mesmo os clichês), com postura, vocabulário gestual e ondulações de registros vocais.

Intérprete extrai as nuances da personagem, que criou um mundo próprio

Intérprete extrai as nuances da personagem, que criou um mundo próprio

Ida Celina desliza pelo espaço, encara o público e se joga no passado da personagem com audácia; com bocarras e olhos arregalados. Lógico que depois de tanto tempo fazendo a mesma personagem vemos em alguns momentos as bengalas, o que já pode ter sido feixes de luz.

A direção de Mauro Soares é equilibrada, mas sem ousadia. O desenho do diretor no espaço facilita a narração da história. E parece muito generoso ao explorar as potencialidades da atriz. O figurino é básico, mas permite que a intérprete se mostre mais voluptuosa nas suas fantasias/alucinações do passado. A maquiagem ressalta as marcas do tempo. E a iluminação, de João Acir, se torna um elemento poderoso para destacar algumas situações e exerce sua função com eficiência.

O que é mais bonito em Maldito coração, me alegra que tu sofras é acompanhar uma atriz se entregar com tanta paixão a essa arte tão efêmera.

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