Arquivo mensais:janeiro 2014

As histórias dos Grimm encantam até hoje

Era Uma Vez… Grimm um musical brasileiro com qualidade Fotos Alex Ribeiro – Cria S/A

A primeira coisa que eu teria a dizer sobre Era uma vez… Grimm é que tudo é de um profissionalismo impecável. E isso é muito bom. Os atores são ótimos e cantam muito bem. A produção funciona, os efeitos são incríveis, a música reforça que é possível outras partituras mais elaboradas para nossos ouvidos cansados de tanta bobagem. E tem a mão de Tim Rescala, que coloca elementos de ópera nesse musical.

A cenografia, de Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo, é composta de um grande livro deitado no chão com inclinação para que o fundo do palco fique mais alto, com páginas que passam digitalmente, uma cortina que separa os músicos e serve de suporte para as ilustrações de Rui de Oliveira e as projeções e animações de Renato e Ricardo Vilarouca. O clima fantástico da montagem é reforçado pelos efeitos especiais, como uma árvore que cresce, as mudanças de estações e sobreposições de roupas. Há ainda os alçapões de onde “brotam” elementos como mesas e cadeiras ou se abrem buracos que engolem objetos ou pessoas.

Os efeitos especiais são incríveis. Foto Alex Ribeiro – Cria S/A

Os quatro atores/cantores Chiara Santoro, Janaína Azevedo, José Mauro Brant e Wladimir Pinheiro desenrolam a narrativa dos manos alemães, Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) eruditos e filólogos, que catalogaram belos contos para crianças. Dois narradores traçam uma breve biografia dos dois autores. E depois apresentam duas histórias: O junípero e Cinderela.

A narrativa é intercalada por falas e canções da trilha original de Tim Rescala, e foram executadas ao vivo aqui por cinco músicos da Orquestra Sinfônica do Recife, sob a batuta do ator, humorista e compositor Tim Rescala. São eles Cromácio Leão (trompa), Frederica Bougeois (flauta), João Carlos Araújo (violoncelo), Jonathan Zacarias (clarinete) e Marcos Antunes (viola).

O Junípero não é uma das narrativas mais conhecidas e traz uma trama semelhante a da Bela Adormecida, com a madrasta malvada que não suporta o enteado e termina por tirar sua vida. Há um requinte de crueldade no meio de uma série de violências e uma reviravolta surpreendente. A árvore que cresce, a neve, os bancos e mesas que surgem, e até pequenas casas enchem os olhos do espectador.

A Cinderela que conhecemos se apresenta sem fada madrinha, mas ganha a bênção dos pássaros e dos seres da floresta. Ela esnoba no seu figurino de candidata a princesa. E as disputas entre as filhas são engraçadíssimas. Essa segunda história tem mais humor e uma comunicação mais rápida com a plateia.

Os figurinos são bonitos, a iluminação revela. O clima de terror se instala. Só faço ressalva quanto ao ritmo em alguns pontos das duas histórias e gostaria de um pouco menos de biografia narrada dos escritores. Mas é um espetáculo limpo, belo, bem cantado e interpretado. Um musical brasileiro para se aplaudir.

Cena do episódio Cinderela

Ficha técnica
Texto e Letras: José Mauro Brant (baseado na obra dos irmãos Grimm)
Música Original e Direção Musical: Tim Rescala
Direção: José Mauro Brant e Sueli Guerra
Supervisão: Miguel Vellinho
Elenco / vozes / personagens
José Mauro Brant – Tenor / Wilhelm Grimm, menino, irmã 1, príncipe
Wladimir Pinheiro – Barítono / Jacob Grimm, pai, irmã 2, lobo
Janaina Azevedo – Mezzo Soprano / Jeanette Hassenpflug, Dorothea Wieman e madrastas
Chiara Santoro – Soprano / Dorchen, Marlichen, Cinderela
Cenografia e figurino: Espetacular! Produções & Artes – Ney Madeira, Dani Vidal & Pati Faedo
Iluminação: Paulo César Medeiros
Desenho de som: Fernando Fortes
Animação gráfica: Renato e Ricardo Vilarouca
Ilustrações: Rui de Oliveira
Projeto Gráfico: Maurício Grecco e Úrsula de Mello

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Crítica // Se estes espasmos falassem

Robert Softley dá lição de coragem. Fotos Ivana Moura

Relatos são poesias em doses generosas

É encantadora, forte e envolvente a perfomance de Robert Softley em If these spasms could speak (Se estes espasmos pudessem falar). Ele fez três sessões, na Caixa Cultural do Recife, dentro do Janeiro de Grandes Espetáculos. Em cena uma grande e confortável poltrona e um telão ao fundo com projeções. O artista entra engatinhando e explica que seu problema na fala pode dificultar o entendimento (o texto é dito em inglês, com legendas em português). E o ator e dramaturgo já mostra aí um dos trunfos da peça: o humor sem nenhum tipo de autocomiseração. Softley comenta que acha estranho – essa dificuldade de comunicação – já que na cabeça dele sua fala chega “como a de Laurence Olivier”.

Se estes espasmos pudessem falar é composto por quadros em que o artista narra suas vivências e as de outras pessoas com deficiência em situações divertidas, ternas, tristes, de embate, de alegria, tristeza, vitalidade, prazer, tesão.

Há o episódio da moça que chama a atenção pelos seus seios numa festa de casamento e não por seu problema físico. Do cara vidrado em música que vai a um festival e tem que enfrentar um mar de gente para chegar ao banheiro para cadeirantes, que fica do lado oposto do palco. De suas memórias, Softley conta sobre a arrogância e estupidez de um jovem médico, que o toma por paciente quando ele vai visitar um irmão internado no hospital.

Carismático, o ator envolve a plateia com suas tocantes confissões e de seus entrevistados. Ao falar desses corpos limitados, ele amplifica as possibilidades de existências. E passeia por questões  familiares, sexo, amor, relações humanas e jogos de poder quando os “corpos normais” ditam as regras.

Artista se entrega com alegria ao trabalho

Corajoso e com auto-estima robusta, o artista desafia a sociedade, qualquer uma, que ainda trata os deficientes como seres menores. Alí, ele diz que não aceita a posição de invisibilidade. E chama atenção para os problemas de acessibilidade que estão em toda parte.

A sonoplastia usa trechos de músicas que ressaltam os climas dos depoimentos. E para marcar a mudança de histórias ele ocupa posições diferentes na cadeira ou assume outro gestual.

Softley tem paralisia cerebral grave, distrofia muscular e problemas de fala. E um sorriso vitorioso no rosto. Seu espetáculo é uma celebração à vida e um soco em cada um de nós que vive reclamando por coisas banais.

Humor e ironia são trunfos da montagem

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No Janeiro // Todas do Angu

Coletivo Angu de Teatro apresenta repertório no Janeiro de Grandes Espetáculos 2014

Os quatro espetáculos do coletivo Angu de Teatro estão na programação do Janeiro de Grandes Espetáculos. De hoje até domingo é possível conferir as encenações Essa febre que não passa, Ópera, Rasif – Mar que arrebenta e Angu de sangue. Oportunidade de conhecer ou rever o repertório de um dos grupos mais atuantes de Pernambuco nos últimos dez anos.

“Essa febre que não passa” é um verso da música Via Láctea, da banda Legião Urbana, que a jornalista e escritora Luce Pereira tomou de empréstimo para dar título ao seu primeiro livro de ficção.

Com cinco contos de Essa febre que não passa, a montagem teatral mergulha na delicadeza do universo feminino na contemporaneidade, com humor, perspicácia, crítica e doses de realidade, a partir da história das atrizes envolvidas na peça. São elas: Ceronha Pontes, Hermila Guedes, Hilda Torres, Quitéria Kelly, Mayra Waquim, Nínive Caldas e Lilli Rocha (stand in). A direção é assinada por André Brasileiro e Marcondes Lima.

Serviço:
Essa Febre Que Não Passa (Recife/PE)
Quando: Hoje,
16 de janeiro, 21h
Onde: Teatro Apolo
Ingresso: R$ 20 e R$ 10
Indicação: a partir de 16 anos

Ceronha Pontes e Hermila Guedes em Essa febre que não passa. Foto: Ivana Moura

Ficha técnica
Texto: Luce Pereira.
Direção: André Brasileiro e Marcondes Lima.
Assistência de direção: Maria do Céu Cezar.
Direção de arte: Marcondes Lima.
Direção musical e trilha sonora original: Henrique Macedo
Coordenação de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: Dani Varjal, Ivo Barreto e Nínive Caldas
Iluminação: Luciana Raposo
Vídeos: Tuca Siqueira e Cabra Quente Filmes
Musicista: Josi Guimarães
Elenco: Ceronha Pontes, Hermila Guedes, Hilda Torres, Quitéria Kelly, Mayra Waquim, Nínive Caldas e Lilli Rocha (stand in)

Essa febre que não passa. Foto: Ivana Moura

Sobre Essa febre que não passa eu escrevi para o caderno Viver, do Diario de Pernambuco, publicado em 9 de maio de 2011:

Das feridas sociais de Angu de sangue e Rasif – mar que arrebenta, passando pela temática gay de Ópera, o grupo chega às dores pessoais à partir do olhar feminino da escritora Luce Pereira e das seis atrizes – Ceronha Pontes, Hermila Guedes, Hilda Torres, Márcia Cruz, Mayra Waquim e Nínive Caldas e da violoncelista Josi Guimarães. A beleza, a urgência, o ritmo, as tiradas engraçadas, o humor das situações mais incríveis dos contos de Luce Pereira já eram conhecidos de alguns de nós, desde 2006, quando o livro foi lançado. O desafio era dar corpo a essas personagens feitas das palavras da escritora. O resultado superou as expectativas. É tocante. E tem um pouco de suavidade e delicadeza, de ironia e corte seco, de graça e elegância, e de uma simplicidade arrebatadora.

Essas criaturas febris apresentam suas situações-limite, carentes ou transbordantes de afeto.

Essa febre que não passa tem uma comunicação fácil e contagiante, que vem do texto. Ela encontra a beleza no prosaico e insiste que é preciso prestar atenção nas pequenas coisas. Esse material textual foi respeitado e valorizado na peça dirigida por André Brasileiro e Marcondes Lima.

A montagem do coletivo Angu insiste em algumas características investigativas do coletivo, com o ator-narrador. Mas traz algumas variações.

A peça fala do fim de relacionamento entre duas mulheres; na adoração de uma figura por nomes bonitos com uma pontinha de crítica social; nas dívidas de afeto com uma velha tia; no acerto de contas entre duas irmãs e no desespero da dor da perda.

O cenário é formado por camadas de cortinas, que remetem a outras camadas. Isso cria um ambiente etéreo, ora revelando, ora escondendo.

A trilha sonora e direção musical são de Henrique Macedo que ajudam a expandir ou comprimir os tempos e dar as atmosferas dos contos.

O elenco é o grande trunfo dessa montagem. Ceronha Pontes e Hermila Guedes protagonizam o casal de Clóvis. Nesse quadro, a promessa de felicidade já desmoronou quando o bichano é convidado. Mayra Waquim faz a artista plástica que errou no nome desde o nascimento e prossegue nas suas escolhas erradas.

Marcia Cruz incorpora não apenas uma velha, mas toda a velhice do mundo. Hilda Torres faz a sobrinha que narra a história de Bernarda e de sua inabilidade com os afagos. Em Um tango com Frida Kahlo Ceronha Pontes volta à cena para se digladiar com Mayra Waquim, esta no papel de Sofia. E o conto que encerra o espetáculo, protagonizado por Hermila Guedes, atesta que uma dor de amor pode ser fatal. É um espetáculo para quem não tem medo das emoções.

Ópera tem texto de Newton Moreno

Sobre Ópera:

Uma das características do Angu de Teatro é levar ao palco textos da literatura contemporânea, por sinal de autores pernambucanos. A escritura de Ópera é de Newton Moreno e debruça-se sobre a temática homoerótica.

São quatro contos que questionam identidades com um humor cáustico, às vezes cruel, e as reações sociais perante posturas homoafetivas. É muito contundente para falar desses tempos que correm, nos quadros O Cão, O Troféu, Culpa e Ópera. A direção é de Marcondes Lima. No palco estão Arilson Lopes, Carlos Ferrera, Fábio Caio, Ivo Barreto, Tatto Medinni, Dirceu Siqueira e Ellen Roche.

SERVIÇO
Ópera, do Coletivo Angu de Teatro e Atos Produções Artísticas (Recife/PE)
Quando: Amanhã, 17 de janeiro (sexta), 21h
Onde: Teatro Apolo
Ingresso: R$ 20 e R$ 10
Indicação: a partir de 18 anos

Foto da estreia de Ópera, em 2007, com Tatto Medinni e Arilson Lopes

Ficha técnica
Texto: Newton Moreno
Encenação e direção de arte: Marcondes Lima
Direção musical e trilha sonora original: Henrique Macedo
Preparação corporal e assistência de direção: Vavá Schön-Paulino
Plano de Luz: Játhyles Miranda
Direção de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: Lilli Rocha e Nínive Caldas
Elenco: Arilson Lopes, Carlos Ferrera, Fábio Caio, Ivo Barreto, Tatto Medinni, Dirceu Siqueira e Ellen Roche

Rasif – Mar que arrebenta, sábado, no Teatro Hermilo Borba Filho

Sobre Rasif – Mar que arrebenta:

Marcelino Freire tem uma prosa lírica, mas não é afago, é porrada. Seus personagens passam por humilhações, mas um dia explodem ou se vingam. Eles estão nas bordas, seja lá onde fique isso. Suas palavras são punhais cortantes, lâminas afiadas que manifestam a revolta de figuras que correm contra um destino ruim.

Em estado de miséria existencial ou econômica, esses farrapos humanos lutam no dia-a-dia contra o que estamos cansados de saber. Além da arrogância do patrão (quando existe um) e as tramóias dos poderosos (qualquer mísero poder). E eles no anonimato.

Marcelino Freire coloca um lupa sobre esses seres cansados da crueldade da vida em Rasif– Mar que arrebenta. As histórias sao episódicas e o tratamento do autor é virulento numa resposta à altura da violência da sociedade.

SERVIÇO
Rasif – Mar Que Arrebenta / Coletivo Angu de Teatro e Atos Produções Artísticas (Recife/PE)
Quando: 18 de janeiro (sábado), 21h
Quanto: R$ 20 e R$ 10
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Indicação: a partir de 14 anos

Ficha técnica
Texto: Marcelino Freire
Encenação e direção de arte: Marcondes Lima
Direção musical e trilha sonora original: Henrique Macedo
Preparação corporal: Vavá Schön-Paulino
Iluminação: Játhyles Miranda
Vídeos: Oscar Malta e Tuca Siqueira
Direção de produção: André Brasileiro
Produção executiva: Tadeu Gondim, Gheuza Sena, Ivo Barreto, Fábio Caio, Marcondes Lima e Maria Helena Carvalho
Músicos: Marcondes Lima, Tarcísio Resende, Luziano André e Eugênio Gomes
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Fábio Caio, Ivo Barreto, Márcia Cruz, Vavá Schön-Paulino e Tatto Medinni (stand in)

Espetáculo Angu de sangue, que deu origem ao coletivo foto: Tuca Siqueira

Sobre Angu de sangue:

Não tem mocinho em cena na peça Angu de Sangue, primeira montagem do coletivo a partir do livro de Marcelino Freire. Em dez quadros o autor e os atores expõem o lado mais mais desumano de figuras que lutam para sobreviver, muitas vezes matando o sentimento do outro. São seres cruéis, egoístas ou vítimas de doenças sociais. Entre eles, uma mídia que explora a miséria e ganha a vida com a dor alheia.

SERVIÇO
Angu de Sangue / Coletivo Angu de Teatro e Atos Produções Artísticas (Recife/PE)
Quando: 19 de janeiro (domingo), 20h,
Quanto: R$ 20 e R$ 10
Onde: Teatro Apolo
Indicação: a partir de 16 anos

Ficha técnica
Texto: Marcelino Freire
Encenação e direção de arte: Marcondes Lima
Direção musical e trilha sonora original: Henrique Macedo
Preparação corporal: Peter Dietz
Plano de luz: Játhyles Miranda
Criação e edição de vídeos: Oscar Malta e Tuca Siqueira
Direção de produção: André Brasileiro
Produção executiva: Tadeu Gondim. Elenco: Arilson Lopes, Fábio Caio, Ivo Barreto, Gheuza Sena e Hermila Guedes

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Estreia // Anjo negro

Montagem do diretor Samuel Santos do texto Anjo negro estreia hoje

Montagem do diretor Samuel Santos do texto Anjo negro estreia hoje

Ismael não se aceita como negro e isso gera uma série de conflitos externos e internos para o protagonista de Anjo negro. Ele provoca a cegueira de um irmão, é amaldiçoado pela mãe e se casa com um moça branca, Virgínia, que mata os filhos do casal.

A pesquisa sobre a gestualidade africana levou o grupo de Samuel Santos ao texto Anjo negro, de Nelson Rodrigues. O espetáculo faz duas apresentações, hoje e amanhã às 19h, no Teatro Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro), dentro da programação do 20º Janeiro de Grandes Espetáculos.

Com essa encenação o diretor prossegue com a busca de linguagem em que entram em cena, de alguma forma, o universo ancestral africano, os ritos católicos, numa linha expressionista extraída do teatro físico.

No elenco estáo Agrinez Melo, Ângelo Fábio, André Caciano, Maria Luísa Sá, Nana Sodré e Smirna Maciel.

Serviço
Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, direção geral de Samuel Santos e direção de arte de Fernando Kehrle
Quando: Hoje, às 19h
Onde: Teatro Marco Camarotti (Rua Treze de Maio, 455, Santo Amaro. Fone: 3216 1616)
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

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Crítica // Sargento Getúlio: a vida pela palavra dada

Versão baiana do texto de João Ubaldo Ribeiro. Fotos: Ivana Moura

Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, é um personagem fascinante. Com esse romance, publicado em 1971, o escritor ganhou o Prêmio Jabuti de 1972 como autor-revelação. Duro e terno na sua ignorância, o protagonista defende o que chama de honra e palavra dada até as últimas consequências. João Ubaldo registrou que se trata de “uma história de aretê”, em referência à deusa grega, que tem a ver com virtude e obrigação: que cada um deve cumprir seu destino.

O grupo Teatro Nu, de Salvador/BA, participa do Janeiro de Grandes Espetáculos com uma adaptação do texto de João Ubaldo. Teve uma sessão ontem e estão programadas duas sessões para esta sexta-feira, às 17h e 20h, no Teatro Apolo, no Bairro do Recife.

Na montagem, o personagem-narrador conta sua própria história e defende com voracidade seus valores. E em alguns momentos o ator se desdobra em outras vozes. O universo apresentado é de brutalidade, primitivismo. O protagonista, numa linguagem coloquial e com termos regionalistas, vai desfiando seu jeito de ver o mundo. Ele é um rude militar a quem foi confiada uma missão e ele vai até o fim.

Com um humor de contador de casos, ele revela ao público que assassinou a mulher adúltera. Essa é sua última missão antes da aposentadoria, a mando do político Acrísio Nunes. O sargento deve levar um adversário do “chefe” de Paulo Afonso para Aracaju. Mas as coisas mudaram na política (como mudam sempre, e inimigos viram aliados). Mas o cabeça-dura do Getúlio não entende (e não quer entender dessa coisa escorregadia da política) e não admite não finalizar sua tarefa. Virou questão de honra, para o macho que é um exemplo do atraso brasileiro. Suas colocações de tão esdrúxulas soam até engraçadas. O protagonista se gaba de sua grosseria, crueldade, violência e vaidade que encaminha-se para a própria desgraça.

Atuação vigorosa do do ator Carlos Betão

É uma atuação vigorosa do ator Carlos Betão no papel do sargento da polícia militar de Sergipe Getúlio Santos Bezerra. O diretor Gil Vicente Tavares realça a não-linearidade temporal e as mudanças de foco narrativo.

Sobre o palco, uma plataforma. A encenação minimalista conta com poucos elementos. Um banquinho e a lateral de uma carcaça de rural fazem parte do cenário de Rodrigo F. A iluminação de Eduardo Tudella traça as mudanças e cria um clima de estrada no meio do sertão.

É uma interpretação de fôlego do ator Carlos Betão, com um tempo-ritmo impressionante. Ele precisa só tomar cuidado com as falas iniciais, de costas para a plateia, que não dá para entender muito bem pela velocidade. E o tom histriônico, junto com um gestual repetitivo faz lembrar personagens de Lima Duarte na sua cacoépia (palavras são pronunciadas incorretamente). Mas, repito, é uma atuação que merece ser aplaudida.

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