Arquivo mensais:setembro 2012

Dez anos de A Terra dos Meninos Pelados

Montagem comemora dez anos

Há dez anos, Samuel Santos estreava o espetáculo A terra dos meninos pelados, texto de Graciliano Ramos. Tantas coisas mudaram neste tempo…mas o olhar do diretor continua sensível ao teatro para a infância e juventude. É um espetáculo que tem um texto muito bom, elenco afinado, lindos figurinos e maquiagem, música. Encanta. Neste fim de semana, a peça está terminando uma temporada no Barreto Júnior. Ainda dá tempo! As sessões serão hoje e amanhã, às 16h30.

ENTREVISTA // SAMUEL SANTOS

A gente sabe o quanto é difícil manter uma peça. Como vocês conseguiram fazer isso com A terra dos meninos pelados?
Desde a nossa estreia em 2002, quando teoricamente dependíamos (sempre) da bilheteria, foram vários fatores. A vontade de querer estar em cena, fazer teatro e vencer as inúmeras dificuldades impostas pelo mercado e pelo sistema capital, onde quem tem o poder de uma mídia televisiva consegue sobreviver de bilheteria. Um ponto importante no caso dos Pelados: a parceria entre os artistas envolvidos na montagem, atores que antes fizeram e os que hoje estão. Acredito no espírito de grupo quando vou para uma construção de uma obra. Mas mesmo assim temos muitas dificuldades, que parece que nunca acabam no abrir e fechar das cortinas. Hoje conseguimos ganhar o Funcultura e por isso estamos na cena.

Texto de Graciliano Ramos tem direção de Samuel Santos. Foto: Fernanda Acioly

O que tem esse texto de tão especial?
A construção de Graciliano Ramos é impregnada de poesia e de um sentimento de reflexão ao próximo. Tudo na A Terra parece uma declaração de amor. Amor ao próximo, ao sonho, a diferença, a diversidade, a amizade. A Terra tem um sentimento próprio da infância, não só aquela nostálgica, mas uma infância romântica, lírica e uma infância atual, com bullying e tudo mais.

Qual foi a importância dessa montagem para o teatro infantil em Pernambuco?
Vínhamos na década de noventa, Governo Collor. O plano Collor tinha como objetivo conter a inflação e cortar gastos desnecessários do governo. E o que foi considerado desnecessário? A cultura! Tanto o cinema quanto o teatro foram jogados no limbo do esquecimento. E como não poderia ser diferente, aqui na terra dos arrecifes a situação foi de extrema delicadeza. Era preciso o sustento. O imediatismo da necessidade de sobrevivência. E a que recorrer? Aos velhos clássicos europeus; e agora a partir dessa década surgia o “teatro Hollywood”. O filão de “hollywoodiar” as peças para crianças, fez a febre do começo dessa década. Com grande aporte de mídia, foi um grande sucesso, mas trouxe grandes danos para o teatro. Tudo era show! Adaptações dos filmes da moda, ou conexões de textos com esse modelo estético. Isso meio que engessou as produções teatrais para crianças. Quem não estivesse nesse molde sofria com a escassez de publico. E cadê a poesia? Cadê a dramaturgia? Bem distantes! Quase tudo era a representação dos estereótipos dos personagens dos musicais e dos filmes de cinema provenientes da terra do Tio Sam! Mas esse era um modelo de teatro, cada um tem o seu, da sua escola, da sua estética e filosofia. O teatro é importante por conta dessa pluralidade/ diversidade. A Terra dos Meninos Pelados surge dentro desse contexto. Como um diferencial no teatro infanto- juvenil, pois a peça tem logo na construção algo elementar ainda para o teatro: uma dramaturgia própria escrita por um autor brasileiro, calcada na poesia e no tratamento honesto dado pelo autor a uma criança real – com o cheiro, gosto, cor da nossa geografia. Lembro de um depoimento do grande ator Paulo de Pontes que diz que assistir à Terra dos Meninos Pelados fez com que ele ficasse revigorado, acreditasse no teatro, no poder de se construir um trabalho com o pensamento de grupo, coletivo. O grande mestre Marco Camarotti – isso eu afirmo com muito prazer – quando acabou a peça, veio em minha direção com um sorriso largo de canto a canto da boca e me abraçou. Senti que era ali o meu batismo. Aquele abraço vinha precedido de respeito, afeto e honestidade, de quem sempre defendia o teatro feito para crianças. E ele entendia A Terra dessa forma. Até hoje aquele abraço vem quando estou dirigindo e escrevendo para crianças e adultos.

Registro fotográfico do primeiro elenco de A Terra dos Meninos Pelados

Como fazer teatro para infância e juventude hoje?
Há a necessidade imediata de um espaço maior na mídia, nas bibliotecas, escolas e nas ações culturais do poder público e privado, com edital específico pra montagem, circulação, formação e dramaturgia para a linguagem do teatro para crianças e adolescentes. Noto poucas criações de textos de teatro voltados para esse público. Aqui em Pernambuco há criações isoladas, que vem sustentando e se diferenciando no atual panorama local: a construção de uma dramaturgia própria em que a criança atual, real se reconheça, se reconheça no seu espaço. Sem capas, espadas, castelos, príncipes, nórdicos, fadas e tudo que aprendemos há séculos a termos como ideal de beleza. A criança de hoje? Será que tem espaço para tanta fantasia que muitas vezes não pertence ao seu habitat? Como romper com isso sem ferir aos princípios motores, matrizes das fábulas e os contos de fadas europeus sem negar esses princípios? É preciso incidir? Fazer, construir outros caminhos bruscamente? Dramaturgia pode conter e contem não só a feitura do texto, mas também a da cena, do palco. E isso precisa e deve também ser analisado! Acredito que se houvesse mais incentivo no campo da criação dramatúrgica, tanto das instituições públicas como privadas, aumentaria o interesse e muitas obras surgiriam assim como novos autores, novas produções com laços dramatúrgicos fincados aqui. E como seria esse incentivo, esse fomento? Desde a publicação de livros específicos por parte das nossas editoras, concursos de dramaturgia para infância e juventude, um edital especifico a linguagem para crianças e adolescentes e por que não a abertura do Teatro de Santa Isabel para temporadas longas? É preciso indagar, rebuscar e fazer refletir para o grande público o que se constrói no campo da linguagem infanto- juvenil, o que a criança anda assistindo e se assiste a espetáculos locais e, se não, por quê? Só se consegue isso com muito interesse de todas as esferas. Seja dos artistas que produzem, seja dos gerenciadores públicos.

Quais as histórias mais engraçadas, marcantes, desses 10 anos de espetáculo?
A última aconteceu domingo passado (23.09): Duda Martins, uma das nossas atrizes, foi pedida em casamento pelo namorado em uma das cenas da peça. Foi algo encantador e emocionante. Teve uma apresentação que fizemos no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, em Itamaracá…Não tínhamos dimensão de como seria a peça nesse ambiente. Lá tem e tinha internos que haviam cometido crimes de alta periculosidade, situação delicada. O clima era meio tenso e ao mesmo tempo de muito respeito. Quando no teatro entraram os detentos todos com seus uniformes iguais, naquele exato momento, pudemos ter a dimensão do que poderia ser a peça naquele espaço. Havia muito barulho no teatrinho e quando Raimundo Pelado tocou sua flauta, o silêncio se instaurou no ambiente. E só era quebrado pelo risos e pelos brilhos atentos dos olhos dos internos. Na cena final, quando Raimundo se despede, todos os internos choravam e pediam para Raimundo não ir embora. A comoção foi geral. Choravam enfermeiros, médicos, atores, eu e os detentos…Inesquecível. E por aí vai!

Conta um pouquinho quem já passou pelo elenco da Terra?
Tantos! No elenco original de 2002 tinhamos: Amaro Vieira, André Caciano, Andrea Rosa, Erick Lopes, Danúbia Soares, Isabela, Lívia Padre, Pedro Ivo, Tiago Melo e Yah Vasconcellos. Os músicos Demetrio Rangel que também compôs a trilha musical, Douglas Duan, Saulo Ricardo, Fernanda Rocha, Tiago Nunes e Samuel Lira. O diretor de arte Java Araujo e na iluminação Horacio Falcão e como contra regra Gaguinho.
Aí entram: Leila Chaves, Marcelo Francisco, Luciana Pontual, Cleyton Cabral, Diana Ramos. Hoje temos: Camila Buarque, Duda Martins, Michel Sant´ana, Julia Shakurr, Gustavo Soares, mais os remanescentes André Caciano, , Erick Lopes e Samuel Lira que agora atua, assim como Douglas Duan, que faz com Leila Chaves e Tiago Nunes a direção musical e que tocam com o músico/ percussionista Fernando Ribeiro.

Pedido de casamento no palco!

Como Samuel Santos mesmo disse na sua entrevista, semana passada a atriz e jornalista Duda Martins foi pedida em casamento em pleno palco! Um momento lindo. Muitas felicidades, Duda!

Serviço:
A Terra dos Meninos Pelados
Quando: hoje e amanhã, às 16h30
Onde: Teatro Barreto Júnior (Rua Estudante Jeremias Bastos, s/n, Pina)
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada)

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Estreia de Mulheres em preto e branco no Recife

Duas mulheres em preto branco estreia hoje no Recife. Fotos: Ivana Moura

Duas Mulheres em preto e branco, a transposição para o palco do conto de Ronaldo Correia de Brito, que consta no livro Retratos Imorais, estreou este mês em Porto Alegre, dentro do Porto Alegre em Cena – Festival Internacional de Artes Cênicas. (Confira aqui a matéria que escrevemos durante o festival). Muito mais do que por uma das atrizes ser gaúcha, ter estreado na capital do Rio Grande do Sul evidencia uma parceria com o próprio festival e com Luciano Alabarse, diretor do POA em Cena (que alardeou aos quatro ventos que adorou o espetáculo). A montagem também mostra que é possível estabelecer uma rede entre criadores. A bela direção é do carioca Moacir Chaves, que se estende à iluminação de Aurélio de Simoni. A cenografia de Fernando Mello da Costa investe numa larga cama desequilibrada, como símbolo de amor e traição.

Diferente das montagens do Coletivo Angu de Teatro, em que os contos se unem pela convergência temática, a encenação de Duas mulheres em preto e branco tem uma narrativa de uma única história, mesmo que isso também se dê com idas e vindas ao passado e ao pensamento das personagens. O texto de Ronaldo Correia de Brito não seria assim cronológico e de fácil digestão. As mulheres refletem sobre o sentido do existir.

A peça Duas mulheres em preto e branco tem uma cena potente. Pela narrativa de Ronaldo, pela direção de Moacir Chaves, que marca bem, explora o máximo o potencial das atrizes e cria um encadeamento entre narração e dramatização, tem um olhar generoso quanto às fraquezas humanas. A sonoplastia de Tomás Brandão e Miguel Mendes pontua os climas e dá sustentação para as subversões de tensões e intenções propostas pelo diretor.

Atrizes travam duelo verbal e psicológico no espetáculo

Quanto às atrizes, elas têm presença cênica. E se entregaram a papeis difíceis. O repertório gestual pode crescer. Por ser a figura “humilhada e ofendida”, a personagem de Paula de Renor é quem parte para o ataque. Com palavras, gestos e intenções. Talvez necessitasse de mais modulações nas falas, de jogar mais com as tonalidades diferentes, de brincar mais com as possibilidades sonoras produzidas pelo corpo. Se fosse possível comparar a atuação de Paula de Renor em Duas Mulheres em preto e branco, com sua performance em Carícias, poderia dizer que houve um crescimento como atriz. Mas ela tem condições de fazer seu personagem crescer ainda mais no palco.

Já a personagem de Sandra fala menos e não muda tanto de sentimentos quanto a “amiga/rival”; tira proveito de seus instrumentos vocais e corporais para compor uma figura mais cínica, mais pragmática. As duas juntas sabem tirar proveito das muitas oportunidades de humor do texto.

O espetáculo estreia hoje, às 21h, no Teatro Apolo. E vale ir ao teatro.

Serviço
Duas Mulheres em Preto e Branco
Quando: De sábado (29) a 21 de outubro. Sexta a domingo, às 20h.
Onde: Teatro Apolo – Rua do Apolo, 121 – Bairro do Recife, Centro do Recife
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Informações: (81) 3355.3320

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Olé de interpretações em Matador

Gustavo Falcão interpreta o touro Florentino e Daniel Dias da Silva o toureiro El Niño. Foto: Ivana Moura

A peça Matador fez estreia nacional no Recife, no Teatro Marco Camarotti, no último fim de semana. No palco transformado em arena, um homem – um toureiro aparentemente cheio de si, e um touro cheio de sonhos. Eles duelam. Os conflitos são traduzidos em movimentos e em diálogos fortes, mas também repletos de sutilezas. Gustavo Falcão interpreta o touro miúra Florentino, de 490 quilos. Daniel Dias da Silva o toureiro El Niño, que se acredita um grande profissional da tauromaquia (arte das touradas).

O texto, (Mirando al tendido, no original ), do dramaturgo venezuelano Rodolfo Santana é inteligente, com doses generosas de humor e muitos questionamentos entre os universos de touros e homens, que podem ser transpostos para conflitos cotidianos de qualquer relação. As diferenças artificiais criadas entre patrão e empregado, chefe e subalterno, colegas de trabalho, onde alguém quer brilhar mais ou se acha (realmente) melhor que os outros.

Matador fez estreia nacional no Recife

É uma relação de antagonismo que se instala no palco. O toureiro acredita que para ser grande precisa destruir o touro. E levar as orelhas e o rabo do animal como troféu. Muita gente pensa assim, que para brilhar deve pisar no (des)semelhante (um mundo de guerras veladas e com muitas camadas de verniz). O miúra Florentino quer um indulto. Quer dizer, um final diferente para ele e para o toureiro, que não seja a morte de um ou de outro. A disputa é a base de uma metáfora para questões sociais, éticas, morais e políticas.

A direção, dividida entre Herson Capri e Susana Garcia explora bem as nuances do texto, a movimentação dos atores e aproxima artimanhas do esporte com a ética dos humanos, e as sucessivas quebras de regras.  As marcas são muito boas e os corpos dos atores ganham forma. Os movimentos oscilam entre a tourada e o tango. O cenário tem pinturas do espanhol Francisco de Goya.

Mas o que realmente encheu os olhos (pelo menos os meus) foi o desempenho do elenco. Os dois atores Gustavo Falcão e Daniel Dias da Silva entram num jogo em que cabem a sensualidade e a tristeza das touradas. Uma disputa pelo poder que ora está nas mãos de um, ora de outro.

Atores executam um bailado, entre movimentos de tourada e de tango

Nos diálogos eles humanizam os personagens e falam dos homens de qualquer lugar do planeta. Com suas ambições e arrogâncias, seus medos indizíveis e sua sede de poder (por menor que seja). Na disputa entre touro e toureiro parece que eles viram meninos de novo quando fazem um pacto com a sinceridade, ou quando revelam um pouco de suas intimidades ao inimigo.

Já assisti outros trabalhos do Gustavo Falcão, A máquina, Para um amor no Recife Fogo da vida, por exemplo.  Mas em Matador ele está maduro, mais seguro no palco. E brilha na mudança de intenções do personagem em tirar partido das ironias do texto. Entre a fúria do touro e as reflexões sobre poder, futuro, medo e glória do personagem, ele explora cada detalhe. Mostra-se um ator grande, que supera seus limites.

Além dos intérpretes principais, o ator Danilo Gomes é a terceira figura da cena, que coloca objetos, que interage com os personagens em pequenas aparições.

Matador é um espetáculo que deve ter uma bonita carreira. Pelo conjunto da obra e principalmente pela alegria de ver bons atores no palco.

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Entrevista “coletiva” – Daquilo que move o mundo

Daquilo que move o mundo. Fotos: Ivana Moura

Como estou fora do Recife, ainda não vi Daquilo que move o mundo. Mas há muitos meses, nas conversas no Central, nos encontros nos teatros, sabia da montagem e do que ela estava “causando” nos envolvidos. Com direção de Tiche Vianna, uma das fundadoras do Barracão Teatro, a peça traz no elenco três jovens criadores: Kleber Lourenço, Jorge de Paula e Tay Lopez. Para saber um pouquinho mais da peça e, principalmente, do pensamento deles, resolvi fazer uma entrevista “coletiva”. Os atores mesmos se entrevistaram e fizeram perguntas para a diretora. Saíram considerações importantes sobre o fazer teatral, sobre o que os move, sobre crises e amizade. Obrigada, meninos!

ENTREVISTA // KLEBER LOURENÇO, JORGE DE PAULA, TAY LOPEZ

Jorge: Por que valeu a pena mover-se tanto para realizar o Daquilo que move o mundo?
Kleber: Valeu a pena porque sabia que nesse processo aprenderia demais! Valeu a pena por que queria voltar a trabalhar de forma coletivizada, por acreditar no trabalho dos criadores envolvidos e por querer experimentar outras linguagens artísticas. Muito pela vontade de crescer, me desafiar e pelo amor ao teatro.

Kleber: Como era o Jorge de 1998, entrando na Universidade Federal, e como você se vê hoje, em relação ao teatro?
Jorge: Bem, quando iniciei meu Curso de Artes Cênicas tinha 17 anos e nenhuma bagagem em Teatro. Ser ator nunca havia sido cogitado por mim em minhas peregrinações adolescentes na escolha do meu “futuro profissional”. Foi só no 3º ano do Ensino Médio, depois de ter vivenciado no colégio ações que envolviam teatro e dança, que o interesse começou. Deixei de ser cirurgião plástico para ser ator. Entrei na Universidade e fui lançado ao abismo. Sem rede de segurança. O “novo” me assustou muito. Virei pedra. Passei algum tempo trancafiado em mim. Convivia de forma mais espontânea com poucas pessoas. A maioria de fora da Universidade. Entretanto, foi a convivência com pessoas maravilhosas da minha turma de Artes Cênicas – companheiros de vida e de cena até hoje – que aos poucos venci todos os receios, as vaidades, e fui, de fato, sentindo-me mais confortável com a minha escolha profissional. Hoje, depois de muitos anos dedicados a dobradinha arte-educador/ator, reconheço-me como ator e estou vivenciando dedicação exclusiva a isso. Todos os meus receios encontraram lugar. E aqueles que não encontraram pouso certo, caminham menos ansiosos. Afinal, fazer teatro no Brasil é um ato de resistência. Quando muitas coisas gritam para você “não faça”, eu insisto. Com satisfação.

Espetáculo está em cartaz no Espaço Fiandeiros

Jorge: Por estar já há algum tempo morando em São Paulo, como você percebe o teatro pernambucano?
Tay: De fato, faz aproximadamente 14 anos que resido em São Paulo, porém, minha percepção com relação ao teatro que se faz em Pernambuco (posso falar melhor de Recife), é um tanto quanto interna, pois apesar de morar longe, sempre acompanho as notícias pelos veículos de comunicação que tenho acesso e também por estar na cidade no momento em que acontece o Janeiro de Grandes Espetáculos, um apanhado da produção anual. Percebo que, hoje em dia, o teatro de Grupo tem sido uma constante na cidade. Haja vista as várias sedes que foram abertas nos últimos anos e o pensamento coletivo como um todo. Sobretudo os atores que saíram da universidade e se reuniram com outros, comungando de um pensamento artístico, compartilhado e conceitual para a cena Teatral. Percebo uma transição das “produções” para os “coletivos”, onde não mais há artistas contratados, subalternos em prol de um espetáculo e sim uma junção de pessoas que desejam falar de algo que os atinja, que os comova. Claro que auxiliados pelos editais que apareceram na cidade nos últimos 10 anos. Em São Paulo, acompanhei de perto a formatação da Lei do fomento, desde as reuniões do “arte contra a barbárie” até a implementação da Lei. Sabemos que São Paulo tem uma população 8 vezes maior do que a de Recife e isso reverbera na quantidade de espetáculos em cartaz na cidade, assim como nas verbas compartilhadas, através das leis de incentivo, dos SESCs, e de outras formas capitais que viabilizam a produção local. Com a implementação do Fomento vários pequenos espaços alternativos surgiram na cidade, pois uma das condições da Lei é a continuidade de pesquisa. O que levou vários grupos a constituírem uma sede. Isso está diretamente ligado à linguagem utilizada, saindo dos palcos italianos tradicionais, tendo o espectador mais próximo da encenação e flertando com as artes plásticas, performáticas, com a dança, as multilinguagens… Tendo um teatro que podemos chamar de contemporâneo. Para isso fez-se necessário um política cultural, deixando o Teatro de ser um produto e sim um resultado artístico real, sem maneirismos de enquadramento num gosto massificado e comercial. Sendo assim, fazendo uma analogia com o que vi surgir em São Paulo, percebo um movimento parecido em Recife, tendo as suas devidas proporções. Percebo um maior engajamento político dos artistas locais e das vontades de ter em Recife uma cena forte e que dialogue com o que está se fazendo no Mundo, não como uma cópia, mas sim como um reflexo do entorno que vivemos: homens contemporâneos e inquietos. Percebo ainda uma carência de atividades de formação e gostaria que existisse um maior diálogo com os outros estados do Nordeste, pois temos muitas questões culturais pertinentes à nossa região e isso poderia ser um caminho para acharmos algo definitivamente próprio. Percebo que estamos caminhando para um lugar onde o Teatro, não seja mais visto como algo secundário na vida dos artistas, e sim, seja no sentido mais pleno, a profissão que dá a inquietação necessária para criar e o conforto para viver. Ainda é uma Utopia, claro. Mas percebo que este pensamento tem estado mais presente. E só ele para fazer com que nos juntemos em prol de mudanças no legislativo que rege as artes cênicas no estado.

Direção e dramaturgia são de Tiche Vianna

Tay: Posso dizer que nos conhecemos praticamente crianças, cheios de vontades e de expectativas com relação ao mundo artístico. O que ficou do menino de Caruaru e o que, naquela época, era semente e hoje é fruto? Qual adubo ainda te faz florescer?
Kleber: Daquela época Tay, ainda existe (espero que por muito tempo) o menino curioso e com a necessidade de se expressar pela arte. Viver dela e nela. Hoje percebo frutos colhidos, mas a vontade de aprender do menino ainda é a mesma. É o adubo. Saber que a estrada é longa e sempre tenho mais desafios a me fazer.

Tay: Atuar nos põe em contato diretamente com invisibilidades e epifanias que nos norteiam na construção de um personagem ou no momento da apresentação do próprio espetáculo. Qual a sua ligação com o Sagrado? Ele existe?
Jorge: O sagrado se revela em mim quando invisto em algo e me conecto a ele com empenho e respeito. Seja meu ritual matinal de só falar pela manhã depois de beber um copo de água até o hábito de orar todas as vezes que sou impulsionado para isso. Dessa forma, o sagrado está presente em minha vida de muitas formas e a linguagem teatral é uma delas. Para mim, toda nova experiência em teatro é um vazio. Cada construção de personagem, cada récita é um momento imprevisível e irreproduzível. Por isso, para garantir a realização das minhas criações em teatro preciso me conectar ao sagrado. É ele que me conduz às necessidades específicas de cada obra e permite que eu consiga corporificar personagens. A minha arte é justamente meu corpo movido pelo sagrado.

Kleber: O que o deslocamento para fora do Recife te trouxe? O que você tem e o que falta?
Tay: O deslocamento para fora das fronteiras do Recife me fez ter uma perspectiva de olhar diferente. Sobre mim mesmo, sobre minha terra e sobre o Teatro que desejava. Saí de Recife ainda muito jovem com apenas 19 anos e saí em busca de formação. Em 1999, a cidade oferecia enquanto terceiro grau, a licenciatura em Artes Cênicas, através da UFPE. Um tanto quanto desestimulado por alguns resolvi não prestar vestibular e partir atrás de uma formação mais voltada para o trabalho do ator. Escolhi São Paulo e fui! Comecei muito novo no Recife, com apenas 11 anos, fazendo um teatro mais comercial onde nem eu saberia distinguir, na época, qual seria a diferença entre o Teatro-arte-depoimento e o teatro reprodutor de fórmulas televisivas. Deslocar-me da cidade me pôs obrigatoriamente em contato com a multiplicidade teatral de São Paulo. Colocou-me obrigatoriamente em contato com o que me faz ator. Não entrei na USP para fazer Bacharelado em Artes Cênicas, mas tive a oportunidade de participar de processos de montagens da EAD, de participar de seleções de elenco, onde terminei sendo convidado pra ingressar no XPTO, grupo que até hoje faço parte, fiz inúmeras oficinas gratuitas nos SESCs, nas Oficinas Culturais do Estado, no SESI… Enfim… Estar em São Paulo, colocou-me num estado real, contínuo e obrigatório de formação artística. Acredito que somos a representação de tudo o que vivemos. Das peças a que assistimos, dos livros que lemos, dos filmes que vemos, dos amigos que temos, dos lugares que visitamos. Não posso negar que estar em São Paulo é estar mais próximo, culturalmente, do que está se produzindo no Mundo. Sabemos que a cidade é rota dos principais espetáculos, das principais exposições e cidade-sede de intercâmbio dos artistas mais variados. Ter acesso a essas obras é um pouco se educar e beber numa fonte que realmente te alimenta. Sinto falta de uma formação tradicional, de um diploma, sinto falta da família e do mar que também me faz ator. Vivo em crise e estou, sem demagogia, mais atento ao que não tenho do que ao que tenho. Tenho vontades, muitas… Todo final de ano penso em desistir de tudo, em prestar um concurso público e virar um engravatado burocrático. Penso que ainda existe tanta coisa pra aprender. Falta-me tempo e dinheiro para consumir mais arte, para viajar mais, para parar só para estudar… Mas sei que tenho um histórico que não me arrependo. E que me honra. Tenho uma felicidade extrema em exercer a minha função no espaço teatral. Tenho cada vez mais respeito pela arte. Tenho sorte em ter encontrado artistas instigantes no meu caminho. Tenho gratidão em poder melhorar enquanto ser humano, através do Teatro. Começo a acreditar que tenho mais convicções e certezas, conseguindo sair da fase do SIM para tudo e começando a dizer NÃO para aquilo que não me movimenta enquanto artista. Sinto falta de algo que nem sei o que é. Mas é isso o que me move. Talvez seja a tal completude mítica que nos faz caminhar!

ENTREVISTA // TICHE VIANNA

Jorge: O que Recife moveu em você?
Tiche: Recife moveu em mim sentimentos antagônicos. Esta cidade com sua história estampada nas ruínas dos antigos palácios, casarões, ruas estreitas e gente de tudo que é jeito mostrando a mistura de tantas culturas, me deixava alegre diante da possibilidade de ousar e triste diante das suas próprias contradições. A cidade me revelava a imposição da modernidade como se os edifícios quisessem se distanciar de alguma coisa que não se quer ver. Aí eu percebia o abandono das coisas essenciais, como o do bem estar das pessoas simples. Diante de um mar incrível, onde não podemos nos banhar por causa dos tubarões ou diante de rios imensos onde não entramos por causa da poluição, compreendi o que significa a aparência de ter coisas das quais não podemos usufruir e o quanto este choque de realidades tão coladas umas às outras é capaz de criar vilões e submetidos. Mas há muito afeto em Recife, muitas carícias também. O antagonismo se deu em mim porque ao mesmo tempo em que fazia algo que amo fazer: criar teatro, inventar mundos que são reflexos iluminados de realidades presentes, lutava contra essa tristeza de ver tão explicitamente um abandono imenso e um salve-se quem puder ou quem for capaz de se salvar. Me salvei porque estava criando e estava com gente que também sabe se salvar na arte. Mas pisamos terrenos minados várias vezes. Acho que o espetáculo retrata esses sentimentos. Não é possível ultrapassar o limite até que se reconheça estar preso entre as margens!!! Recife moveu em mim a percepção de muitas margens e a urgência de ultrapassá-las!

Atores entrevistaram diretora

Tay: Levando-se em consideração nossas inquietações artísticas e nosso eterno caminho de busca, tendo sempre a consciência de uma obra em construção, onde mora a segurança num trabalho teatral? Qual pilar te sustenta e te dá estabilidade para conduzir um processo?
Tiche: Tay, a segurança não mora, ela nem existe. É uma invenção da necessidade humana para termos coragem de ousar. Não é preciso segurança para fazer teatro, é preciso confiança. Não confiamos porque estamos seguros, confiamos porque acreditamos no que podemos. O que me sustenta são as relações com meus parceiros de criação durante o processo. Meu pilar é a confiança que eles mostram ter sobre suas possibilidades de inventar o desconhecido. Nunca me sustento em um processo de criação, ao contrário, desmonto e porque me desmonto construo, pra não ficar para sempre aos pedaços. Quem desmonta não tem estabilidade nehuma. Se fosse estável eu quebraria. Vivo porque me desestabilizo diante de cada novo acontecimento gerado pelo movimento infinito da existência.

Kleber: O que ficou da experiência conosco?
Tiche: Ficou admiração, ficou amizade, ficou parceria, ficou confiança, ficou prazer, ficou a pergunta: porque foi tão árduo chegar ao fim?

Serviço:Daquilo que move o mundo
Quando: Quinta e sexta-feira, às 20h; e sábados e domingos, às 18h. Até 07 de outubro
Onde: Espaço Fiandeiros – Rua da Matriz, 46, 1º andar, Boa Vista.
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada)
Informações: (81) 4141.2431
Lotação sujeita ao espaço da sala: 30 lugares

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Política pública na pauta

Faltam poucos meses para o término da gestão de João da Costa. Na cultura, todos sabemos dos inúmeros problemas. Mas a mudança – que foi realizada tardiamente – na gerência de Artes Cênicas e depois na própria direção da secretaria e na Fundação de Cultura, com duas pessoas que amam o teatro, como Simone Figueiredo e André Brasileiro assumindo esses cargos, trouxe uma nesga de esperança à classe. Se não com relação à concretização de ações, ao menos no que diz respeito à tentativa de realizar um planejamento, de conversar com artistas e produtores.

No próximo dia 3, por exemplo, a Gerência Operacional de Artes Cênicas da Fundação de Cultura Cidade do Recife vai realizar mais um encontro com a classe – este é o 4° Encontro de Teatro. Será no Salão Nobre do Teatro de Santa Isabel, às 19h.

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