Arquivo mensais:junho 2012

Da Ilha de Deus ao Boqueirão

Homens e caranguejos faz apenas duas sessões no Recife, no Teatro Marco Camarotti. Fotos: Letícia Peres

Ler sobre a fome e vê-la de pertinho é absurdamente diferente. Por isso que, além da obra Homens e caranguejos, de Josué de Castro, Luciana Lyra e Viviane Madu (que formam a Cia Duas de Criação) e as atrizes do Coletivo Cênico Joanas Incendeiam (Beatriz Marsiglia, Camila Andrade, Juliana Mado e Letícia Leonardi) precisaram conhecer a Ilha de Deus e outras áreas de vulnerabilidade na ponte aérea Recife – São Paulo. Ver de pertinho sobre o que Josué de Castro foi fundamental para que elas construíssem o espetáculo que tem nome homônimo ao livro do pernambucano, escrito em 1966, e faz agora apenas duas sessões no Recife. Será neste sábado, às 19h, e no domingo, às 17h, no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro.

Luciana Lyra assina encenação, direção e dramaturgia. O que ela explica é que não queria transpor para o palco a obra literal de Castro. No livro, o pernambucano fala sobre Aldeia Teimosa, uma comunidade ficcional; é lá que vive um menino de 12 anos, que fugiu com a família da cidade de Cabaceiras, por causa da seca, depois da morte do irmão mais velho. Miséria, fome, contradições.

No palco, a ideia era encontrar pontos entre o universo literário de Josué de Castro, a comunidade da Ilha de Deus, no Recife, e do Boqueirão, em São Paulo. Há um ano e meio as atrizes-criadoras pesquisam esse universo. A pesquisa se estabelece a partir de um conceito cunhado por Luciana no seu doutorado em Artes Cênicas na Unicamp e no seu pós-doutorado em Antropologia: Artetnografia. A primeira experiência que vimos de Artetnográfica com orientação de Luciana resultou no espetáculo Guerreiras, que tem como base a vivência das mulheres de Tejucupapo, na Zona da Mata de Pernambuco.

Homens e caranguejos estreou em São Paulo em maio, passou por Mogi das Cruzes, Suzano e São Roque. No sábado, 16, Luciana vai ministrar uma oficina sobre os procedimentos de criação do espetáculo.

Homens e caranguejos
Quando: sábado (16), às 19h; e domingo (17), às 17h
Onde: Teatro Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Oficina: As inscrições para a oficina Mitodologia em Artes Cênicas aplicada ao trabalho do ator são gratuitas; as inscrições podem ser feitas pelo e-mail duasdecriação@gmail.com. É preciso enviar currículo e carta de intenção
Informações: (81) 3216-1713 / 3216-1714

Postado com as tags: , , , , , , , , ,

O preço de uma vingança

The suit, em cartaz no Young Vic. Fotos: Johan Persson/divulgação

If this could be a dream
But it´s not a dream

A que ponto pode chegar uma vingança? A que ponto pode chegar o ciúme, o sentimento de traição, a dor por ela causada? Impossível dizer. Mas Can Themba, que nasceu em Johannesburgo, na África do Sul, na década de 1950, soube dar essa medida quando escreveu The suit. ” ‘This will change our life and make our fortune’, He told his wife – but fate decided otherwise. Apartheid decided otherwise. Like all black authors dead or alive his books were banned and Can Themba was exiled to Swazilland where he quickly died of poverty, sadness and drink”, diz o programa da montagem que está encerrando temporada esta semana no teatro Young Vic, em Londres.

O diretor Peter Brook, que ano passado apresentou Uma flauta mágica no Brasil, já tinha se rendido ao texto de Themba na década de 1990 no seu grupo Théâtre des Bouffes du Nord. Nessa nova versão, explica, trata mais de perto do tema do apartheid. Brook, Marie Hélène Estienne e Franck Krawczyk, compõem tudo de forma tão simples. E tão bonita. Tudo tão essencial. Algumas cadeiras coloridas, umas mesas, um móbile que pode ser uma janela, uma porta, um ônibus. Belas vozes. Atores competentes. E, mais do que tudo isso, uma história para contar.

Alguns podem dizer que ele foi muito sentimental. E é verdade. Mas quem já viveu o bastante para saber que a vida pode ser muito dura, de alguma forma vai se sentir tocado.

Matilda trai o marido Philemon

Matilda (Nonhlanhla Kheswa) é uma mulher que teoricamente tem tudo. E tudo é o amor de um marido atencioso (William Nadylam) que levanta devagarzinho para que ela não acorde e depois traz o café na cama. Ironia da vida, não é o suficiente. Ou, ao menos, em determinado momento, ela achou que não fosse. Certa manhã, Philemon descobre que está sendo traído. Mas é capaz de se esconder no armário para não encarar tão de frente essa situação. Só que o dito cujo escapou deixando para trás uma lembrança não só emocional, mas física: um terno.

There is to be no violence in this house!

Philemon passa então a tratar aquele terno como um convidado especial em sua casa. Daqueles que participam de todas as refeições e são levados para passeios em domingos de sol.

Perhaps she should run away but…

A certa altura, Philemon até parece ter esquecido essa vingança tão cruel com sua esposa e consigo mesmo – mera ilusão. Ele esperou a oportunidade certa para humilhar a mulher. Uma festa em sua casa. Faz com que ela dance com o terno.

Just this once, Philemon.

E aí quando aparentemente está pronto para seguir adiante, é tarde demais.

You have the choice to forgive and forget.

E no meio do turbilhão de sentimentos desse relacionamento, Brook vai construindo o seu cenário. Um local em que o negro até ganha a bíblia de presente depois do culto, mas não pode acompanhar a pregação do mesmo local que os brancos.

This is not for you.

Ou em que um músico negro é brutalmente assassinado com vários tiros, mas não sem antes ter os seus dedos cortados.

He began to sing and they shot him.

A história é contada em terceira pessoa com a ajuda ainda de Jared Mc Neil (em ótima atuação, timing para comédia e drama, e uma linda voz) e a participação de Rikki Henry, que assina também a assistência de direção (ele é também assistente de direção do Young Vic). A luz é de Philippe Vialatte e a cenografia e figurino de Oria Puppo.

Nonhlanhla (que nome difícil, hein!?), que nasceu em Soweto, em Johannesburgo, também está muito bem em cena e tem uma voz linda. William Nadylam trilha perfeitamente bem um caminho difícil – ser o marido traído e, ao mesmo tempo, provocar raiva no público, que se questiona porque ele está fazendo aquilo!

A música é mais uma vez fundamental ao trabalho de Peter Brook. E aqui vai de Scubert a Miriam Makeba, tocada por um pequeno grupo de músicos que também pode fazer ótimas pontas como senhoras da comunidade – momentos impagáveis na montagem! São Arthur Astier, Raphaël Chambouvet e David Dupuis.

Notes

– “(…) theatre is always a self-destructive art, and it is always written on the wind. (…) from the day it is set something invisible is beginning to die” (Peter Brook em The Empty Space)

– Troquei algumas palavras com o ator Jared Mc Neil e ele me disse que, depois de Londres, o grupo vai fazer um intervalo nas apresentações. Deve voltar em janeiro em Nova York e há a previsão de fazer uma turnê por toda a América do Sul, se não me engano, começando pela Colômbia.

Postado com as tags: , , , , , , , , , , , , , , , ,

Filo discute memória

Translunar paradise, do Theatre Ad Infinitum. Foto: Alex Brenner/Divulgação

Começa nesta sexta-feira (8) o festival de teatro mais antigo do país – o Festival Internacional de Londrina (Filo). São 44 anos e esta edição vai tratar de memória – um tema bastante importante, até porque o Teatro Ouro Verde foi destruído por conta de um incêndio no mês de fevereiro.

Os números do festival são bem significativos: 23 dias de programação, 10 espetáculos internacionais, 54 companhias, oito países, sete estados brasileiros. O representante pernambucano na programação será Essa febre que não passa, do Coletivo Angu de Teatro.

Entre os internacionais: Translunar Paradise, do Theatre Ad Infinitum (Inglaterra), que vem pela primeira vez ao Brasil; La tempestad, do Teatro Varasanta (Colômbia); Dolor exquisito (monólogo da Argentina que participou ano passado do Porto Alegre em Cena); e La pantera de Judea, do colombiano Ensamblaje Teatro, grupo da cubana Mérida Urquia (que participou do Filo em 2009 com Madre Coraje e ano passado do Palco Giratório, no Recife).

A programação nacional também está bem interessante. E não necessariamente são só espetáculos novos. A Cia. Razões Inversas, por exemplo, apresenta Agreste, com direção de Márcio Aurélio. É um espetáculo simplesmente tocante, com texto de Newton Moreno. Tem também Oxigênio (da Cia. Brasileira) e O jardim (da Cia. Hiato), que estiveram no último Festival Recife do Teatro Nacional, além de montagens como Comunicação a uma academia (que acho que participou de um Palco Giratório, não foi?), da Cia. Club Noir, e Dois na Roda, da Duo Morales, do Rio de Janeiro.

Para conferir a programação completa: http://www.filo.art.br/site/

Dolor exquisito, peça da Argentina que participou do último Porto Alegre em Cena. Foto: Emilio García Wehbi

Postado com as tags: , , , , , , , , , ,

Is love all we need?

Love, love, love está em cartaz no Royal Court. Fotos: Johan Persson/divulgação

No mês passado, Denise Fraga esteve no Recife com a peça Sem pensar. E o que me chamou mais atenção é que o texto era de uma garota inglesa bastante jovem, acho que 19 anos, que fez um curso no Royal Court Theatre. Em Londres, a peça fez bastante sucesso. Achei o texto de Anya Reiss – Spur of the moment, no original – mais interessante por ela não ter experiência na escrita dramatúrgica do que pela obra em si. É simplesmente porque aquela carpintaria teatral, toda aquela discussão familiar, embora bem feita, me soava antiquada. Talvez seja a ideia, também antiga, de que os jovens deveriam estar desconstruindo, quebrando regras, e não se enquadrando tão bem a elas.

Estive ontem no Royal Court Theatre (na realidade, no Jerwood Theatre Downstairs) para ver Love, Love, Love, texto do também jovem autor Mike Bartlett. A peça estreou em 2010 e voltou em cartaz. As críticas são, em sua maioria, bem boas. Mike Spencer, do The Telegraph, escreveu: “it strikes me as Bartlett’s best work to date, with deeper characterisation, more personal themes, and scenes of extraordinary intensity and emotional truth shot through with dark humour”. O teatro estava lotado – alguns jovens na plateia, mas principalmente, muitas pessoas de meia-idade.

Para um autor que diz “We’ve got to get away from the idea that it’s good to go to the theatre. It isn’t church. There’s nothing innately good about it. Most theatre is still really bad” acho que, na prática, ele ainda encara o teatro de forma muito tradicional. Em alguns momentos, pensei que estava vendo uma novela e não uma peça de teatro. A direção é de James Grieve.

São três atos. A montagem começa nos anos 1960. Henry (Sam Troughton), um cara certinho que gosta de música clássica, marcou um encontro com Sandra (Victoria Hamilton). Mas Kenneth (Ben Miles), o irmão “vadio” dele está no sofá e deixou a casa toda uma bagunça. Resultado, quando Sandra chega, é por Ken que ela se interessa. Ela está totalmente integrada àquela geração onde tudo era permitido, fumar maconha, dormir na grama e dançar ao som de qualquer coisa, até dos Beatles.

Ben Miles interpreta Kenneth

No segundo ato, os anos passam. Estamos na década de 1990 e agora Sandra e Ken estão casados (embora o primeiro ato termine com: “are your ready for adventure?”; bom, não deixa de ser uma) – Sandra usa roupas de secretária executiva e têm dois filhos: Jamie (George Rainsford) e Rosie (Claire Foy). É um dos atos mais pesados. Porque é aqui que eles percebem que não estão vivendo a vida que queriam, há uma traição e eles se separam. E os adolescentes estão perdidos no meio disso tudo. Ácho que o jornalista do The Telegraphy fala principalmente desse ato.

Segundo ato: George Rainsford (Jamie), Victoria Hamilton (Sandra) e Claire Foy (Rosie)

Depois de outro intervalo, se a mudança cenográfica já tinha sido gigante do primeiro para o segundo ato, aqui é mais ainda. Antes os dois cenários eram salas (bem diferentes uma da outra), e agora é um terraço. Rosie tem 37 anos e volta de Londres para conversar com os pais – ela percebeu que seguiu os conselhos que eles deram a ela e que isso não a levou a lugar nenhum. Não tem uma carreira, uma casa, uma relação, filhos. Enfim. E o casal que estava separado tem um reencontro.

A atuação de Victoria Hamilton é muito boa, principalmente pela forma como ela passa da comédia ao drama. Assim como Claire Foy, uma linda atriz, também de muito talento. A iluminação é assinada por James Farncomble e o cenário – que no primeiro ato quase não tem profundidade -, é de Lucy Osborne. A mudança dos anos também é interessante – mudam as músicas, as roupas; embora no terceiro ato a caracterização seja bem mais difícil – porque os atores não parecem ter a idade que deveriam.

Terceiro ato

O humor de Love, Love, love assim como em Spur of the moment, é muito bom – tem ironia. Mas o texto em si – são pais que não deram atenção aos filhos, que acharam que podiam fazer tudo o que quisessem, mas que ao final só fizeram se aliar ao sistema – o que há de novo? Até a opção por fazer a montagem de forma cronológica não nos surpreende. Sim, All we need is love. Mas um pouquinho de transgressão não seria nada mal também.

O trailler de Love, love, love

Postado com as tags: , , , , , , , , , , , , ,