Arquivo mensais:janeiro 2011

Cordel teatraliza amor desmedido

Foto: Aryella Lira

Carminha amava José, que amava Tereza que amava Antônio, que sumiu antes de entrar para a história. Alterando o nome das personagens, essa Quadrilha de Drummond continua a fazer suas tramas reais e ficcionais. Em Cordel do Amor sem Fim essa paixão explode, implode ou é sufocada às margens do Rio São Francisco, em Carinhanha, no Sertão baiano. Na cidade moram três irmãs – a velha Madalena, a enigmática Carminha e a jovem e idealista Tereza –, por quem José é apaixonado. No dia em que selaria o noivado, Tereza encontra o forasteiro Antônio no porto da cidade e tudo muda na sua cabeça, no seu coração, no seu corpo. A montagem assinada pelo diretor Samuel Santos recusa o naturalismo e explora outras teatralidades para reforçar o jogo. O texto é da escritora baiana Cláudia Barral.

Em cena estão os atores Agrinez Melo (Carminha), Eliz Galvão (Tereza), Naná Sodré (Madalena ) e Thomás Aquino (José ), além do músico Diogo Lopes. O gestual das personagens é forte, decidido. Os passos e gestuais do coco se fundem com Tai Chi Chuan, candomblé, capoeira, recorrendo até ao Expressionismo, no corpo e nas máscaras faciais. Essas máscaras também trazem a influência do mamulengo. Esse arcabouço dá sustentação a um espetáculo vigoroso, onde os passos do coco-de-roda nordestino se aproximam da arte oriental do Butoh. Essa partitura corporal, que perpassa também pelo cavalo-marinho, deixa bem longe o realismo-naturalismo, mas remete para algo mágico, para mitos.

A montagem está carregada de simbolismos. Da sensualidade feminina descoberta, manifestada no corpo de Tereza, que clama por um sujeito estrangeiro que não irá tocá-la. E esse corpo que anseia, com o passar do tempo vai ficando duro, seco. Na realidade isso ocorre quando ela perde as esperanças desse amor imaginado e não se contenta com as possiblidades que lhe são apresentadas, ou seja, o contato erótico com José.

Foto: Ivana Moura

As outras duas irmãs guardam aproximação com as mulheres reprimidas de Garcia Lorca. Madalena fechou-se em casa, em luto. Não sai para nada, ninguém sabe por que, mas há de se presumir que foi por desilusão amorosa – perda, medo, danação. Carminha guarda o segredo de amar o homem prometido da irmã, e quando pensa que tem uma chance o fogo contido reacende.

O amor desmedido de Tereza desafia o amor desmedido de José. José suporta o tempo pedido pela amada até que cansa e a cultura do macho aflora, o que tenta resolver a questão à força.

Foto: Ivana Moura

A cenografia (de Samuel Santos, executada por Nagilson) e a direção de arte de Fernando Kehler embalam essa trama de beleza e elementos reveladores. Como a concha do mar, as redes e mosquiteiro (cortinado para proteger dos mosquitos), bancos que viram cama ou tribuna nos momentos de narração. São também muito criativas as soluções para portas e janelas. A iluminação (plano de Iluminação é d’O Poste: Soluções Luminosas) entra em cumplicidade com os outros elementos da cena. Os figurinos de Agrinez Melo, executados por Sara Paixão, funcionam em harmonia com o conjunto da obra.

A atuação dos intérpretes segue a linha proposta pelo diretor e Agrinez Melo, Naná Sodré e Thomás Aquino reforçam na caricatura, em atuações convincentes. Eliz Galvão destoa dessa galeria, revelando-se um pouco mais imatura em relação ao grupo, mas também tem sua graça.

Foto: Ivana Moura

O verbo do espetáculo é esperar. O tempo é de espera. E a montagem atropela essa exigência. Explico: Cordel do amor sem fim fala muito. Fala com os diálogos e os monólogos das personagens. Fala com o pensamento dessas figuras atormentadas. Fala com a música tocada ao vivo (Letras das músicas: Carlos Barral e músicas Josias Albuquerque). Fala através da percussao executada pelos atores.
O tempo da espera reclama por silêncios.

Se há o que precisa ajustar nesse Cordel são alguns excessos. A maquiagem dos atores e os figurinos da peça já trazem sua carga. As interpretações também reforçam essa linha não ilusionista, com os corpos extracotidianos dos intérpretes. Para ressaltar a poesia do espetáculo é preciso contrapor o que já está bem marcado com um pouco de sutileza. Para equalizar a séria pesquisa com a recepção. Para que o espetáculo caiba em sua própria medida. E arrebate ainda mais o público.

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O voo do Pássaro de Papel

fotos: Ivana Moura

Aceitar e saber conviver com as diferenças. Eita missão difícil. Essa é a deixa do espetáculo O Pássaro de Papel, apresentado neste domingo pela manhã, no Teatro de Santa Isabel, dentro do projeto Janeiro de Grandes Espetáculos, no Recife. A encenação de Moncho Rodriguez, que já fez muitos trabalhos na cidade – prima pelo visual encantador. A linguagem plástica e poética está em primeiro plano. A história é simples: uma garota desenha um pássaro cor de mel, que aprende a voar. Mas não é aceito pelos outros pássaros por ser diferente. A dramaturgia é inspirada no conto da pesquisadora Aglaé D’Avila Fontes e a produção do Centro De Criatividade-Póvoa de Lanhoso, de Portugal.

Muitas músicas utilizadas no espetáculo são de domínio público. Outras criadas por Narciso Fernandes. Os cenários e figurinos, que são lindos, também são assinados por Moncho Rodriguez. No elenco, com muita desenvoltura e graça as atrizes Sofia Lemos (Pássaro de Papel) e Isabel Pinto Vânia Silva, como me foi informado posteriormente pela atriz através do blog (a Menina, Menina Flor, Menina Pássaro ). Como as raparigas são portuguesas e há muitos sotaques da nossa língua portuguesa, o público perdeu muitas falas. As crianças reclamavam que não entenderam nada do que foi dito no final do espetáculo.

Mas para quem embarcou no voo onírico, saiu encantado.

O produtor Paulo de Castro, do JGE, comprou o espetáculo e O Pássaro de Papel vai ser remontado no Recife, com assinatura de Moncho Rodriguez e arte da montagem portuguesa, mas com duas jovens atrizes brasileiras, pernambucanas, que serão selecionadas pela produção.

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O amor de Clotilde em Porto Alegre

Foto: Val Lima

Depois de duas sessões lotadas, uma às 19h e outras às 21h, na última sexta-feira, uma ótima notícia. A peça O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, da Trupe Ensaia Aqui e Acolá, vai participar do Porto Alegre em Cena, à convite do curador Luciano Alabarse. Nos bastidores, rola ainda que o festival de Brasília também está interessado em ter os pernambucanos na sua grade programação. (Na realidade, acabei de saber que já está tudo certo. A peça vai também para o Cena Contemporânea, de Brasília). Parabéns ao grupo, vocês merecem! Para quem ainda não viu a montagem, já rolou crítica do espetáculo aqui no Yolanda.

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Imperdível Senhora Carrar

Um pequeno tablado com uma janelinha suspensa, luz branca, gestual que atiça antigos sonhos, dez bons atores e uma direção primorosa para dar conta de problemas éticos e das utopias renovadas em Os fuzis da Senhora Carrar, com texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. A montagem é uma revisitação estética e histórica de outra encenação de Os fuzis… realizada em 1978, pelo Grupo Teatro Hermilo Borba Filho, com direção de Marcus Siqueira. E faz parte do projeto de pesquisa cultural Transgressão em três atos, desenvolvido pelos jornalistas Cláudio Bezerra, Alexandre Figueirôa e Stella Maris Saldanha, que protagoniza a peça.

Os Fuzis da Senhora Carrar leva à cena a história de Tereza Carrar, moradora de uma pequena vila de pescadores e mãe de Pedro e Juan. O tempo é de conflito entre pacifistas e soldados, entre homens comuns e revolucionários anti-franquistas. Mas nossa protagonista já perdeu o marido e faz qualquer coisa para não ver os filhos metidos na guerra. A peça foi escrita por Brecht em 1937, no período da Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939. Dizem que não existe dor maior do que perder um filho (a). Tereza tenta evitar essa dor. Não é tarefa fácil, os generais avançam e a perda da liberdade se faz sentir cada vez mais perto. Como manter a neutralidade diante de uma situação dessas? Mas como entregar seus jovens filhos a uma guerra sangrenta, da qual dificilmente se sobrevive?

Sabemos que Brecht imaginava que o teatro deveria servir como instrumento de transformação social e de reflexão crítica da plateia. Mas Senhora Carrar é a mais dramática das peças do dramaturgo alemão. É estruturada de forma linear e nos faz acompanhar a decisão trágica dessa mulher que, diante dos acontecimentos não encontra outra alternativa para se manter viva.

“Por quem lutar ou enlutar, Carrar?”, pergunta o encenador João Denys no programa da peça, em meio a uma avalanche de questionamentos que a própria montagem já desperta. Lá atrás, na ditadura do general Franco, as atrocidades e os terrores da guerra, o sacrifício humano e a barbárie. A guerra hoje é mais difícil. Existe uma letargia diante do capitalismo que dita destinos e as facilidades de comunicação sufocam o verdadeiro diálogo. Mas diante da intolerância, da miséria e da grotesca realidade cotidiana, da subserviência ou do torpor, a Senhora Carrar de Stella Maris Saldanha e de João Denys se insurge para lembrar da humanidade, sem romantismo ou heroísmo. Mas carregada de emoção.

Com seus rostos pintados de branco, os atores agem com a grandeza que o texto merece. A atuação de Stella Maris Saldanha como a protagonista Tereza é de tirar o chapéu. Voz clara, gestos firmes e nuances comoventes de uma mãe que luta enquanto pode para proteger seus filhotes. Ela sangra no palco e essa dor atinge o público. O ator Roger Bravo faz José, o filho de Tereza que quer ir para o front. Uma performance convincente. José Ramos faz o operário com garra e competência. Os três ficam a maior parte do tempo em cena. Alfredo Borba faz o papel do padre reacionário com destreza.

Também participam do elenco, em papeis menores mas não menos importantes: Ailton Brito, Evandro Lira, Karina Falcão, Socorro Albino, e Antonio Marinho. Enquanto não estão no palco, o elenco fica sentado na primeira fila. A direção de arte (cenário, figurino e maquilagem) é assinada pelo próprio João Denys. A sonoplastia, também de Denys, amplifica a carga das cenas. Um espetáculo ainda mais necessário neste começo de século 21.

SERVIÇO
Os Fuzis da Senhora CarrarNeste sábado, às 21h
Teatro Hermilo Borba Filho.
Ingresso R$ 10.

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Janeiro entrou para o Clube

O Núcleo de festivais internacionais do Brasil é formado pelos festivais de São José do Rio Preto, de Londrina, da Bahia, de Belo Horizonte, Porto Alegre em Cena e Cena Contemporânea de Brasília. Todos eles recebem uma verba da Petrobras, apoio que é discutido com cada um deles. E o Núcleo funciona com trocas de informações, apoios mútuos e uma rede para conjuntamente melhorar os festivais brasileiros. O Janeiro de Grandes Espetáculos entrou para o clube. Os representantes dos festivais (curadores, diretores ou coordenadores), que estão na cidade para acompanhar o programa recifense reuniram-se e homologaram o Janeiro no NFIB. “Não é qualquer festival internacional que entra para o Núcleo”, ressalta a produtora e atriz Paula de Renor, uma das coordenadoras do JGE, ao lado dos produtores Carla Valença e Paulo de Castro. Este ano o JGE criou a Mostra Ibero-americana de Artes Cênicas, com montagens da Espanha, de Cuba, da Argentina, Uruguai e Portugal. “Ao entrar para o Núcleo, o Janeiro ganha chancela de qualidade e mais credibilidade”, pontua Paula. Um dos resultados concretos de participar do clube é que o festival recifense tem possibilidade de fazer uma captação maior de recursos financeiros a partir de agora.

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